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SABESP: quem avisa, amigo é
No dia 23 de julho de 2024, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a popular SABESP, foi privatizada. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas não pôde repetir a mímica do Thor que tanto o seduz, pois, como reconheceu, “Hoje não tem martelo. Acho que ficaram com medo”.[1] E não sem razão. Nem tanto pela máscara red pill da masculinidade, defendida recentemente por Mark Zuckerberg como modelo de gestão eficiente, quanto pelo anúncio da mescla infernal que domina privatizações similares em todo o país: precarização máxima do serviço, oneração máxima dos custos. O receituário se repete com a monotonia dos donos do poder e a certeza de sua impunidade.
(Claro, você tem razão: o abafamento do escândalo do rombo das Lojas Americanas, que em outros países teria levado seus controladores à prisão, é a regra que, nesse caso, não admite exceção.)
Vejamos: os funcionários concursados de carreira são aposentados num piscar de olhos. No lugar de técnicos que detêm a memória institucional da companhia e possuem um conhecimento íntimo de suas operações, transmitido de geração em geração, a “nova administração” desinveste em pessoal terceirizado, sem direitos mínimos de trabalho e, sobretudo, sem estabilidade alguma. Estupidez gerencial sem limites, pois o pouco que se economizou com salários e benefícios se perde na incapacidade de resolver qualquer crise rotineira no abastecimento. Melhor nem pensar em crises sistêmicas ou o Brasil inteiro virará uma sucursal da ENEL São Paulo…
(Nem os eleitores de Ricardo Nunes merecem esse purgatório sem luz no fim do túnel. Sem luz: literalmente.)
No que se refere ao aumento dos custos do serviço, Tarcísio de Freitas ostenta um recorde de difícil superação. Em geral, os responsáveis pelas privatizações costumavam ter algum pudor, ou um resquício de decoro, e por isso protelavam na medida do possível a oneração do serviço. Ora, mas por que uma privatização orgulhosamente levada adiante por nosso capitão, o Thor dos leilões, deveria esperar? Procrastinar é para os fracos: a SABESP imediatamente adotou uma “nova política de preços”, um novo método de “pricing”, como gostam de dizer com seu inglês de cursinho que nunca se concluiu.
(E quem vai reclamar mesmo? Porcorn and icecream sellers?)
Sem corar
O efeito para as populações mais vulneráveis é devastador. O CEO da SABESP anunciou sem corar, até com um sorriso indisfarçável no canto da boca, um aumento potencial da ordem de 200% nas contas de água. Numa confissão involuntário, esclareceu de uma só vez a questão realmente decisiva: “ ‘Desconto de antes é porque a empresa era estatal’, disse o novo CEO da SABESP, Carlo Piani”.[2] Como aquilatar o absurdo da declaração? É óbvio que, para além da confusão dos tempos verbais na fala do, rufem os tambores!, CEO, perdido entre um “é porque” e o “era estatal”, resta a incapacidade de entender o significado do conceito de “direitos sociais”. A falta de sensibilidade é estarrecedora; basta escutar os usuários para se indignar.
Mas, afinal, entende-se com alguma rapidez o motivo dessa oneração obscena. Caso contrário, como aumentar em 600% – isso mesmo que você leu, 600% ! – a remuneração dos executivos da SABESP, de modo que seus salários sejam “competitivos” com o “income” oferecido por ávidos “head hunters”. A justificativa chega a ser comovente:
“O pagamento do teto de 65 milhões de reais está condicionado a metas de desempenho, como a geração de caixa da empresa de saneamento. A mudança aproxima a gestão da Sabesp da prática mais comum em grandes empresas privadas, nas quais a maior parte dos rendimentos dos executivos não vem de salários, mas de valores variáveis”.[3]
O círculo vicioso não tem fim! Para conseguir “geração de caixa” os executivos serão de uma criatividade incomum e, depois de exaustivas reuniões, encontrarão a fórmula mágica para encher os próprios bolsos: aumentar a cobrança pelo serviço; diminuir os custos com manutenção e contratação de pessoal. O procedimento é de uma imoralidade exemplar, em alguns casos, linda com a ilegalidade, mas, no Brasil, não haverá consequências, muito menos responsabilização penal.
(Claro, você tem razão: o abafamento do escândalo do rombo das Lojas Americanas, que em outros países teria levado seus controladores à prisão, é a regra que, nesse caso, não admite exceção.)
Não houve erro de edição, cara leitora: a reiteração, aqui, não é descuido. Recorro à lição de Bento Santiago:
“Se ainda o não disse, aí fica. Se disse, fica também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.”[4]
Panorama assustador, não é? O projeto de pinochetização, representado por Tarcísio de Freitas, pretende ampliar esse modelo de privatização para todo o território nacional.
Não é tudo: e se lhes disser que há uma área na qual a gestão do capitão Tarcísio criará um desastre ainda maior?
Prepare-se: na próxima semana, denuncio a destruição levada a cabo pelo governador na educação pública.
[1] Lívia Machado, Paola Patriarca, Renata Bitar “Privatização da Sabesp é concluída em cerimônia na B3; Governo de SP levanta R$ 14,8 bi”. 23/07/2024; link para a matéria: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/07/23/em-cerimonia-na-b3-governo-de-sp-conclui-processo-de-privatizacao-da-sabesp.ghtml.
[2] Marco Antonio Portugal. “Aumento de até 200% na água, anuncia CEO da SABESP”. 12/12/2024; link para a matéria: https://t1e1.com.br/aumento-de-ate-200-na-agua-anuncia-ceo-da-sabesp/
[3] Felipe Erlich. “Sabesp quer aumentar teto de remuneração para executivos em 600%, colocando cifra em R$ 65 milhões”. 09/04/2025; matéria no link: https://veja.abril.com.br/economia/sabesp-quer-aumentar-teto-de-remuneracao-para-executivos-em-600-colocando-cifra-em-r-65-milhoes/.
[4] Machado de Assis. Dom Casmurro. Obra completa. Volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 841.
Fonte: ICL Notícias