ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x
Por José Sócrates
Em dezembro de 1960 reuniu-se numa base aérea do Nebrasca um grupo de políticos e de militares de topo para apresentarem os planos americanos em caso de guerra nuclear. Nunca ninguém soube desta reunião. Até que, em 2008, um dos participantes, um tal John Rubel, na altura um alto funcionário do Departamento de Defesa, resolveu escrever as suas memórias e falar daquilo que o atormentou toda a vida – o plano americano era, segundo as suas próprias palavras, um “plano de exterminação em massa”.
O livro da jornalista Annie Jacobsen descreve a reunião – os participantes, a hierarquia, as filas de cadeiras articuláveis, os enormes mapas nas paredes do bunker, os soldados com escadotes e as fitas vermelhas para assinalar os impactos das bombas. Os generais oradores e os ajudantes que carregavam os cavaletes e os bastões de apontar. E os mapas. Os enormes mapas nas paredes do bunker que representavam os territórios da União Soviética e da China – na altura, o bloco comunista sino-soviético.
O ataque americano dar-se-ia em várias vagas, sendo que a maioria dos ataques seria feito por aviões de combate. Rubel confessa o que o impressionou: “o plano previa um total de 40 megatoneladas sobre Moscovo, cerca de quatro mil vezes mais que a bomba de Hiroshima”. Pronto, era isto que não deixava dormir: quatro mil vezes mais que Hiroshima. Quando li a história também me perguntei-me o que isto significava – não sei. Para mim só existe Hiroshima. Na minha geração esse era o horror absoluto. E no entanto outro horror ainda maior esteve planeado.
Os cientistas americanos também calcularam as vítimas de um ataque preventivo a Moscovo: 600 milhões de mortos. 275 milhões na primeira hora, 325 milhões nos seis meses seguintes consequência das radiações. O que mais me impressionou na história é que ninguém objetou. Ninguém contestou um plano tão absurdo. Parece que só um general se opôs fazendo notar que muitas das vítimas seriam chineses ( atingidos secundariamente por radiações) que não estavam em guerra com a América. Seja como for, os cálculos eram esses – 600 milhões de mortos. O planeta Terra tinha, à época, três bilhões de pessoas.
Há poucos dias um dos mais antigos jornais portugueses, o Diário de Notícias, decidiu fazer uma Grande Conferência sobre Defesa Nacional e a Nova Ordem Mundial. Isso mesmo, tudo em maiúsculas. Na Europa, o politicamente correto é falar de guerra e pregar a corrida aos armamentos. O orador principal, Durão Barroso, não falou da guerra do Iraque, nem da cimeira dos Açores, mas disse umas coisas muito inteligentes que estão de acordo com a especialidade geopolítica europeia: maldizer Putin e lamentar o povo russo, constituído por pessoas das quais é razoável duvidar da sua inteligência.
Mas, enfim, até aí nada de novo. O que me soou diferente foi uma observação feita por um dos especialistas convidados. Cito com todo o cuidado: “A guerra tem uma actividade destrutiva, mas também criativa que permite um desenvolvimento tecnológico”. Volto ao livro. O plano americano era usar bombas nucleares equivalentes a quatro mil vezes mais do que a bomba de Hiroshima. Ontem houve um apagão aqui em Portugal e um amigo perguntou-me se era assim o fim do mundo. Respondi que não, que não me parecia – o fim do mundo será outro.
Ericeira, 29 de abril de 2025
Fonte: ICL Notícias