Milhares que estão na fronteira norte do México e em outras partes da rota seguem enfrentando condições duras por causa de políticas que criminalizam a migração
Nesta quinta-feira, 11 de maio, se encerra a aplicação da medida conhecida como Title 42, uma decisão aguardada desde que Joe Biden assumiu a presidência dos EUA em 2021. Introduzida na era Trump com a desculpa nunca sustentada de proteção frente à pandemia de Covid-19, a norma permitiu mais de 2,8 milhões de expulsões migrantes que se encontravam nos EUA para cidades mexicanas, principalmente da fronteira norte, que não contam nem com a segurança nem com os recursos necessários para atender suas necessidades humanitárias.
Durante os três anos de sua aplicação, o Title 42 causou uma catástrofe humanitária para as pessoas migrantes que buscam segurança e bem-estar nos Estados Unidos. Equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em cidades como Reynosa, Matamoros, Piedras Negras e Nuevo Laredo têm sido testemunhas de como por causa desta política, milhares ficaram expostas a condições climáticas extremas, falta de abrigo, acesso insuficiente a alimentação, água e saneamento e a diferentes problemas físicos e mentais, assim como a episódios de insegurança.
“Durante três anos pedimos que se encerrasse a aplicação do Title 42”, explica Adriana Palomares, coordenadora de projeto de MSF no México e América Central. “Esperávamos que os processos para acolher os que buscam proteção se restabelecessem com o fim desta norma. Infelizmente, o governo Biden parece focado em erguer novas barreiras no acesso ao asilo, inclusive mediante uma nova normativa conhecida como “asylum ban”, que vai impedir muitas pessoas de ter acesso à proteção de que necessitam desesperadamente. Sabemos que as políticas de dissuasão não funcionam, e tudo que isso vai fazer é expor mais pessoas à violência e ao perigo”, afirma Palomares.
Além de uma série de novas políticas migratórias implantadas recentemente pelo governo Biden, a partir do fim do Title 42, o governo dos EUA voltará a processar os migrantes com base na lei de imigração conhecida como Title 8. Essa norma prevê que possam ser multados ou punidos antes de serem deportados. Caso sejam surpreendidos tentando voltar a entrar nos EUA, podem ser processados penalmente e ter vetada sua entrada no país e a realização de pedidos de asilo por pelo menos cinco anos.
“Esta realidade mostra que, ao contrário do que foi prometido na campanha, a administração atual dos Estados Unidos não conseguiu restabelecer um sistema de asilo digno. A aplicação do Title 8, assim como de outras novas regras para obstruir a migração, continuarão gerando graves efeitos sobre a saúde, a proteção e o bem-estar das pessoas migrantes”, afirma Palomares.
Para muitos dos pacientes atendidos por MSF ao longo da rota migratória, voltar para casa não é uma opção. Fazer com que os migrantes recuem, prendê-los, detê-los, abandoná-los em cidades inseguras ou dificultar o processo para que desistam de chegar aos EUA é uma política cruel que só traz consequências negativas.
Atualmente, as milhares de pessoas que se encontram na fronteira norte do México ou em algum ponto da rota migratória contam com uma única via legal, um aplicativo digital chamado CBP One, que é uma barreira digital que as retêm durante meses em péssimas condições de abrigo e segurança.
É o caso de Magaly Margarita, uma venezuelana de 29 anos que está en Matamoros há quatro meses. Ela vive com suas duas filhas, de 3 e 5 anos, em uma pequena barraca dentro do acampamento de migrantes às margens do rio Bravo. Magaly havia conseguido uma audiência por meio do CBP One para 28 de fevereiro, mas foi recusada pelos funcionários da imigração porque não havia registrado suas filhas previamente devido a problemas no sistema.
Desde então, não conseguiu marcar uma nova data, e há alguns dias seu celular parou de funcionar. “Já faz cinco dias que não entro no aplicativo, antes entrava todos os dias. Dava erro, que não havia espaço para as três, que não tem horário, não tem data. É um processo muito difícil”, lamenta ela, que vende sorvetes de palito e balas nas ruas de Matamoros para conseguir comida para ela e suas filhas.
“Qual vai ser o futuro de pessoas como Margarita, que esperam na fronteira norte do México ou em algum ponto da rota migratória na região?”, pergunta Palomares, de MSF. “O endurecimiento das medidas contra os que cruzam a fronteira de forma irregular e a falta de opções legais eficientes para chegar aos EUA têm um grave impacto sobre a saúde das pessoas migrantes. É urgente que se reestabeleça um sistema de asilo digno e seguro para todos e todas”, conclui.
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