O mundo padece nas mãos dos “engenheiros” das obras prontas, dos “juízes” de todo mundo e dos “advogados” das causas próprias, mas na hora do fogo cruzado, nada disso importa. Quando lutamos pela vida, temos que nos agarrar a qualquer esperança, temos que unir forças, qualquer ajuda real é bem vinda, pois a sobrevivência, desde o primórdio dos tempos, só foi possível quando esquecemos as diferenças e priorizamos o bem comum.
E ficamos sem oxigênio!
O ar não pode faltar! É inadmissível que isso tenha acontecido e não há como entender, como acreditar, como perdoar essa falta de humanidade, esse excesso de insanidade, pois até na guerra existem tratados, que proíbem determinadas práticas desleais e cruéis, por exemplo: não se deve atacar civis e missões humanitárias; deve-se respeitar a integridade dos combatentes que se rendem; cuidar dos que estão feridos; e em hipótese alguma é permitido praticar a tortura. No entanto, o que podemos esperar do inimigo que quer vencer a qualquer preço? A asfixia! A asfixia do futuro, asfixia dos sonhos, do bom senso, asfixia do amor, da amizade, de tudo que representa a harmonia e a paz, a asfixia da vida!
Não se engane, somos civis no meio do fogo cruzado, de um lado a corrupção cancerígena e do outro, esse vírus infeccioso que assolou o nosso planeta. Em Manaus essa guerra atingiu o seu ápice, um mal potencializou o outro, podemos ouvir o estampido dos tiros sobre as nossas cabeças, grosso calibre de má gestão, ganância e falta de amor ao próximo, somos bombardeados pela realidade de um sistema de saúde abandonado, sucateado e sem o mínimo necessário de suporte aos seus profissionais heróis, e o mínimo de medicamentos e equipamentos para os que deles dependem para se agarrar a vida, também somos atingidos na face e no peito, pelos estilhaços das granadas de injustiças que fomentam a impunidade. A realidade é dura e dolorosa, o frio da morte se espalha, corpos amontoados, olhares vazios, partida sem despedida, desespero de quem se agarra em um fio de esperança, um pesadelo que nunca pensamos que iríamos viver. Aqueles que conseguem atravessar na madrugada, o terror da incerteza de presenciar o novo dia, agradecem aos céus por mais uma chance, mas as notícias não são boas para todos e o transtorno desse estresse pós-traumático, são feridas abertas que de vez em quando infeccionaram, todos são vitimas da insensatez dessa guerra, vitimas da crueldade desse momento, enfim, a nossa vida nunca mais será a mesma.
Não existe trégua, quem está no fogo cruzado não tem descanso, não podemos esperar, cada segundo é importante para quem não tem como respirar, temos que agir além da nossa capacidade, não podemos desperdiçar energia, temos que otimizar a nossa força, administrar tarefas, dividir para conquistar, manter a fé e aguçar a mente, para buscar saídas e encontrar soluções. Tudo tem que ser para ontem quando há vidas em jogo e mesmo com lágrimas nos olhos, com o coração dilacerado, com o corpo cansado e o psicológico em frangalhos, desistir não é uma opção. Desistir significa desistir de alguém e nós não aguentamos mais perder ninguém.
Não existe rota de fuga, também não podemos recuar, estamos encurralados no meio desse fogo cruzado. A nossa única estratégia é sobreviver e ajudar o próximo, agora é no mano a mano, no corpo a corpo, olho no olho e mangas arregaçadas, temos como escudo a nossa fé e a esperança, a nossa maior arma é a vontade de fazer o bem e a determinação para não desistir, o nosso maior trunfo é a solidariedade que se agiganta a cada momento, de pessoas comuns, de pessoas notáveis, anjos da guarda cheios de bondade no coração, fazendo a diferença independente da dimensão de cada ação, pois temos a consciência de que preservar a vida sempre vai ser o mais importante e deve estar acima de tudo.
No meio do fogo cruzado há um turbilhão de pensamentos involuntários, o “sim” fica martelando na cabeça, sim, há culpados, pois diante de tanto sofrimento é difícil conter a ira que flerta com a nossa indignação, quando ouvimos as gargalhadas dos mercadores da morte, anunciando dificuldades para vender facilidades superfaturadas, nesse instante os nossos piores instintos são postos à prova, pois encontramos todas as armadilhas da guerra e descobrimos quem a financia para obter lucro, sim, há culpados e eles não podem escapar. Os pensamentos não param, há também o temor de cair em combate no momento crucial da batalha, a carta de despedida que não foi feita, o beijo que não foi dado, as pazes que não foram feitas, o abraço que não foi compartilhado e a lembrança daqueles que ficaram pelo caminho, deixando um vazio no seu lar e uma cicatriz na alma que só o amor é capaz de suportar. Tudo o que precisamos é de ar, tudo o que queremos é mais uma chance antes do alívio final, milagres acontecem todos os dias até na vida daqueles que não acreditam.
Mesmo depois que tudo isso passar, quando não houver mais ninguém em perigo, quando o ar não faltar nos pulmões, nada apagará a tristeza, seguiremos tendo pesadelos com a agonia daqueles que não sobreviveram a esse fogo cruzado. Essa dor terá que caminhar ao nosso lado, pois a paz é o intervalo entre duas guerras e agora veteranos, não podemos deixar que todas as vidas perdidas tenham sido em vão, vamos vencer o vírus e temos que continuar combatendo a corrupção cancerígena, a verdadeira vilã e o mal que aflige a todos.
Sempre haverá um novo fogo cruzado! Sempre haverá uma nova cruzada! Mas provamos que somos fortes, somos determinados e quando estamos juntos, podemos mover montanhas! Dias melhores virão!!!
Wanderley Freitas é bacharel em turismo, é corretor de imóveis e é compositor da Escola de Samba Reino Unido da Liberdade.
