viva Mujica. o militante socialista!

0
1


ouça este conteúdo

00:00 / 00:00

1x

Por Bernardo Cotrim*

José “Pepe” Mujica nos deixou nesta terça, 13 de maio, exatos 7 dias antes de completar seu 90º aniversário. O anúncio da sua morte, feito pelo presidente uruguaio Yamandú Orsí, foi seguido de várias homenagens, vindas dos quatro cantos do mundo: partidos políticos, lideranças, chefes e ex-chefes de Estado, movimentos, sindicatos, artistas e até clubes de futebol, como o pequeno Cerro, seu time do coração, e os gigantes Nacional e Peñarol.

É preciso, no entanto, antecipar e resistir ao esvaziamento político da figura de Pepe Mujica que dá o tom de algumas das homenagens. Se até Ernesto “Che” Guevara foi transformado em ícone pop, imagem de “aventureiro” a estampar camisas y otras cositas más, não é de se espantar que algo semelhante seja feito com o uruguaio.

Pepe Mujica não era um homem santo, a praticar milagres por onde passava, ou um velhinho bondoso, sentado num banco de praça a alimentar os pombos e prosear com transeuntes. Tampouco era um poeta errante a encantar as gentes com seus versos, ou um sábio dono de chácara a filosofar. Pepe era um militante socialista, e como militante socialista viveu todos os momentos da sua vida.

Mujica foi o líder da esquerda contemporânea a melhor conjugar teoria e prática. Um homem do seu tempo, ele viveu de acordo com o que julgou necessário em cada conjuntura para fazer avançar a luta. Foi dissidente do Partido Nacional e fundador da União Popular junto com o Partido Socialista; militante do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, que, influenciado pela revolução cubana, adotou táticas de guerrilha, incluindo ações armadas.

Preso, passou quase 15 anos na cadeia, sendo usado como refém pela ditadura militar uruguaia, que ameaçou executá-lo caso os Tupamaros não abandonassem o enfrentamento com o regime. Posto em liberdade com o retorno à democracia e beneficiado pela lei de anistia, fundou o Movimento de Participação Popular (MPP), organizado no interior da Frente Ampla (FA).

Mujica casou-se com a também militante dos Tupamaros e fundadora do MPP Lucía Topolansky, sua companheira de vida. E foi ao lado de Lucía, como dirigente do MPP e da Frente Ampla, que Mujica viveu a maior parte da sua vida política.

Foi construtor destacado de uma experiência ímpar de frente orgânica de esquerda, a reunir partidos, movimentos e lideranças em torno de uma plataforma programática comum e uma única legenda eleitoral, mas não se furtou à luta interna quando julgou necessário, construindo maioria e inclusive combatendo setores mais radicais da FA quando considerou que a moderação era mais adequada.

Pepe foi senador, ministro da agricultura e presidente da república. Recebeu a faixa presidencial das mãos de Topolansky, eleita senadora mais votada. Construiu arranjos institucionais virtuosos que impulsionaram um ciclo de redução das desigualdades e, com redução da pobreza em 50%, valorização do salário mínimo e redução do desemprego. Durante o seu governo, o Uruguai é considerado pela Confederação Sindical Internacional (CSI) o país mais avançado das Américas em termos de respeito aos direitos dos trabalhadores.

Foi tembém em seu governo que a descriminalização do aborto foi aprovada, em um processo combinado com a construção de uma estrutura pública de atendimento de saúde, abrindo um debate na sociedade sobre a ampliação de direitos do povo uruguaio que impactou na construção de uma nova agenda de direitos em toda a esquerda latinoamericana. As iniciativas posteriores, como a legalização da maconha – com controle estatal da produção, distribuição e venda – e a aprovação do matrimônio igualitário, com direito à adoção, inscrevem-se neste mesmo processo.

No exercício da Presidência e também fora dela, Mujica foi figura destacada na promoção da solidariedade entre os povos. Construiu pontes entre as diversas experiências de organização partidária e de governos progressistas na América Latina, respeitando as particularidades da luta e dos desafios enfrentados em cada país. Presidiu o Mercosul, participou do Foro de São Paulo e ajudou a fundar o Grupo de Puebla.

Sua vida simples nada mais era do que coerência política com sua posição anticapitalista, seu enfrentamento à mercantilização da vida e ao modo de produção capitalista que põe o planeta em marcha insensata e acelerada rumo à extinção. Pepe era ateu, detestava heroísmos e jamais romantizou a própria trajetória. Sua capacidade ímpar de traduzir com poesia e simplicidade as suas posições políticas guardavam a preocupação permanente de ser compreendido por todos.

Que seu nome e seus ensinamentos sejam lembrados como Mujica os transmitiu em vida: o compromisso com a organização da classe trabalhadora e a construção coletiva, com a luta contra o capital e com a necessidade de vivermos na prática de acordo com os valores que dizemos defender. Nem santo, nem herói: viva Mujica, o militante socialista!

*Bernardo Cotrim é jornalista e gerente de mídias do ICL



Fonte: ICL Notícias

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui