Por Vinicius Konchinski – Brasil de Fato
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgaram na quinta-feira (10) dados sobre a produção agrícola nacional e confirmaram: o Brasil colherá uma safra recorde neste ano. Segundo especialistas, a notícia não deve representar baixa nos preços dos alimentos. Isso porque metade da safra recorde deve ser de soja, majoritariamente destinada à exportação.
Os dois órgãos federais indicam que o país deve produzir pelo menos 327 milhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas no ciclo entre 2024 e 2025. De acordo com dados vindos das duas fontes, a produção será pelo menos 10% maior do que a verificada no ciclo anterior (entre 2023 e 2024), o que criou dentro do governo uma expectativa de redução do preço dos alimentos.

IBGE estima que 164 milhões de toneladas de soja sejam colhidas no país em 2025. (Foto: Reprodução)
Em 2024, a comida subiu 7,69%, empurrando para cima o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que chegou a 4,83% – acima da meta estipulada. A alta teve relação com secas e enchentes, que comprometeram a safra passada.
Dados do IBGE, no entanto, apontam que a safra recorde não significa automaticamente mais comida disponível no país nem preços mais baixos. Isso porque pelo menos metade de tudo que o Brasil deve colher neste ano será soja, commodity produzida em solo nacional para atender ao mercado externo.
Produção de soja
Segundo o Ministério da Agricultura (Mapa), a produção total de soja na safra 2023/2024 foi de 147 milhões de toneladas. Desse total, 52 milhões de toneladas foram consumidas aqui – cerca de 35%. Os outros 92 milhões de toneladas – aproximadamente 65% – foram exportados.
Na safra 2024/2025, o IBGE estima que 164 milhões de toneladas de soja sejam colhidas no país. Isso representa 50,1% de todos os cereais, leguminosas e oleaginosas produzidos nacionalmente durante todo o ciclo agropecuário.
O IBGE tem estatísticas sobre a safra nacional desde 2006. Naquele ano, a soja representava 44% da produção nacional. Em 2012, esse percentual chegou a cair a 40%. De lá para cá, subiu, superando só em alguns anos a marca dos 50%.
Nesta safra, a produção de soja e milho, somada, será responsável por quase 89% de tudo que será colhido no Brasil.
Falta comida
“Não há basicamente arroz e feijão. O fundamental da safra é soja e milho, quase 80%”, criticou Gerson Teixeira, engenheiro agrônomo e diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
Teixeira disse que a safra de arroz até tende a crescer 12% neste ano em comparação com dados da safra passada. No entanto, ficará muito distante da produção histórica. “Em 1980, a produção per capita de arroz era 80 kg por pessoa. Agora são 40 kg”, afirmou. “E não houve uma mudança tão drástica no hábito alimentar do brasileiro que justificasse essa mudança.”
Para ele, portanto, não há como assegurar que a safra recorde reduzirá o preço dos alimentos. “A população come ultraprocessados porque tudo está caro. Se tivesse dinheiro para comprar arroz e feijão, essa safra não daria para nada.”
Na opinião de Teixeira, o governo precisa usar o crédito do Plano Safra para recuperar a capacidade do Brasil produzir alimentos básicos.
Foco na exportação
José Giacomo Baccarin, professor de economia e política agrícola da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e diretor do Instituto Fome Zero (IFZ), defende formas de direcionar a produção para que ela não seja tão voltada à exportação.
“Precisamos ter alguma capacidade de arbitrar publicamente entre o abastecimento do mercado interno e a exportação”, recomendou. “Hoje, quem faz essa arbitragem é a iniciativa privada, por grupos econômicos.”
Segundo ele, o foco no mercado internacional torna vulnerável o mercado brasileiro de comida. O especialista usa a carne para comprovar sua tese. O produto subiu 20,8% durante 2024. Isso porque os frigoríficos bateram recordes de exportação no ano, aumentando em 30% suas vendas ao exterior.
Diante da alta nos itens alimentícios, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu facilitar a importação de comida quando os alimentos estiverem mais caros no país e direcionar o Plano Safra para incentivar a produção nacional. Eventuais barreiras à exportação não foram citadas como solução para a alta. Rui Costa (PT), ministro da Casa Civil, aliás, descartou qualquer ação que pudesse ser vista como uma “intervenção” no mercado para a redução de preços.
Lula já prometeu recompor estoques públicos de alimentos assim que voltou à Presidência. A medida ainda não foi efetivada.
Para Teixeira, da Abra, apesar da safra recorde, a produção deste ano ainda não será suficiente para a recomposição dos estoques. “A safra pode ajudar, mas ainda é pouco para recuperar os padrões de oferta que nós precisamos”, concluiu.
Fonte: ICL Notícias