Na última semana, os brasileiros assistimos atônitos – e ao vivo – o STF (Supremo Tribunal Federal) tornar réu Bolsonaro e seus asseclas por tentativa de Golpe de Estado. Num país conhecido como o “país do golpe”, é um alento para a democracia brasileira, e para o mundo, que facínoras de tal calibre sejam julgados pelos crimes que cometeram. Ao fim e ao cabo, Jair Bolsonaro réu é um alento para as vítimas da ditadura, da milícia, da COVID e da tortura. Que os mortos recuperem sua paz e dignidade. Que os vivos o coloquem na cadeia e que ela seja o seu definitivo ostracismo.
Contudo, num passado autoritário que não cessa de passar, é preciso que a História, como narrativa e crítica científica, tenha cada vez mais espaço no debate público, na mídia, nas instituições, nas escolas, ruas e universidades. Não nos iludamos, o projeto autoritário que marca a História do Brasil não se reduz a apenas um homem e sua familícia. As “narrativas paralelas” de distorção, falsificação e violência estão por aí, sempre à espreita.
Considerando os 61 anos do Golpe de 1964, leiam a reflexão da ANPUH-SP|Associação Nacional de História – Seção São Paulo:
MANIFESTO DA ANPUH-SP
SOBRE OS 61 ANOS GOLPE DE 1964
Nos 61 anos do golpe de 1964 a História está sob ataque
Sem conhecimento histórico não existe democracia!
Todos os governos e Estados autoritários buscaram e buscam apagar, falsificar, manipular o passado. Foi assim com a ditadura militar implantada com a derrubada do governo de João Goulart em 1964. O ensino de História e sua disciplina específica nos currículos escolares foram atacados não apenas com censura de livros, perseguição de historiadores, mas com a criação dos famigerados “Estudos Sociais” e “Educação Moral e Cívica”, que passaram a substituir o espaço dedicado ao estudo específico da nossa história.
Nas universidades do Estado de São Paulo e de todo o país implantaram-se serviços de informação para denunciar, perseguir, prender e assassinar professores e estudantes. Inúmeros historiadores como a professora Emília Viotti da Costa, tiveram que abandonar o país. Livros de História foram banidos, bibliotecas confiscadas, aulas censuradas. O objetivo não era apenas apagar um passado, mas principalmente banir a possibilidade de que toda uma geração de jovens se tornasse cidadãos críticos e capazes de analisar e debater nossa sociedade, desigual e brutalmente violenta e pensar outro futuro.
O projeto para banir o conhecimento histórico e a capacidade crítica da juventude e da sociedade brasileira foi derrotado no contexto das lutas pela redemocratização desde o final da década de 1970. A luta obstinada entre outros da Associação de História, da ANPUH, que conseguiu desde 1961 congregar milhares de profissionais da História, professores universitários e do ensino fundamental e médio, foi decisiva.
A ANPUH participou dos debates para retomar a disciplina de História, elaborou propostas e iniciativas vitoriosas pela consolidação da pós-graduação da área e pela profissionalização dos historiadores.
Infelizmente, a Lei de anistia de 1979 manteve até agora impunidade dos torturadores, como dos assassinos do deputado Rubens Paiva e tantos outros. E a própria constituição de 1988 preservou instituições autoritárias criadas na ditadura como as polícias militarizadas. Isso permitiu que torturadores assassinos fossem exaltados em anos recentes publicamente em pleno congresso nacional sem qualquer punição. Esses mesmos setores seguem agora ameaçando e atacando as conquistas democráticas do país. Impunidade não garante a democracia.
Não por outro motivo se multiplicam novamente e com mais virulência ações e ameaças aos profissionais da História. Professores de História estão sendo assediados e ameaçados, censurados e monitorados. Publicações da área de História e ciências humanas, produtos de estudos e pesquisas qualificadas, baseadas em fontes documentais e debate científico e historiográfico reduzidas a narrativas e “pontos de vista”. Introdução de cultos religiosos e ações contra a laicidade na educação – um dos pilares da democracia – se multiplicam em escolas públicas e privadas. Há mesmo iniciativas por uma “História Paralela” que falsamente se pretende alternativa, mas essencialmente autoritária e falsificadora.
O mais grave no entanto é a ação do governo do Estado de São Paulo ao reduzir milhares de aulas de História do currículo paulista, excluir milhares de professores de História dos seus empregos, impor a exclusão do conhecimento histórico à juventude, banir publicações da área de História baseados no debate historiográfico crítico e construído coletivamente, para assim poderem fazer ressuscitar generalidades curriculares visando dissolver os espaços de reflexão e construção coletiva do conhecimento histórico. É a mesma orientação que leva a políticas de negacionismos e esquecimentos do que ocorreu durante a ditadura. A destruição ou esvaziamento das políticas de defesa dos espaços de memória sobre os crimes da ditadura militar são coerentes com essa mesma perspectiva para deseducar a democracia apagando a História.
Uma sociedade que não é capaz de defender sua memória histórica comum e preservar seu passado de forma crítica, construída coletivamente pelos historiadores em suas pesquisas e nas salas de aula, colocará em risco permanente a sua democracia. Não iremos esquecer, não iremos virar páginas feitas do sangue dos que defenderam a democracia. Queremos mais História para que tragédias como a ditadura militar iniciada em 1964 não se repitam.
Diretoria da ANPUH-SP – Gestão 2024-2026.
Everaldo Andrade (USP)
Sylvia Bassetto (USP)
Katya Braghini (PUC-SP)
Lindener Pareto (ICL)
David Ribeiro (USP)
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Fonte: ICL Notícias