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A sigla CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) virou sinônimo de perrengue nas conversas e nas redes sociais entre parte da juventude brasileira. Para muitos adolescentes e jovens, a ideia de acordar cedo, pegar ônibus lotado e enfrentar um chefe em troca de um salário mínimo passou a representar fracasso, segundo reportagem do g1.
Uma das entrevistadas da reportagem, a publicitária Fabiana Sobrinho, de Mogi das Cruzes (SP), disse ter se surpreendido ao ouvir da filha de 12 anos a frase: “Vou estudar para não virar um CLT.” O termo já circula como forma de deboche entre os mais novos. “Conversei com outros adolescentes e todos tinham o mesmo pensamento: de que ser CLT é ser fracassado”, relatou Fabiana.
A tendência, que ganha força no TikTok e no Instagram, se manifesta em memes e desabafos como: “Imagina ser CLT a vida toda. Deus me livre!”. A aversão ao regime de trabalho formal, porém, não é novidade — mas se intensifica com uma combinação de insatisfação histórica, precarização laboral e a promessa fácil de sucesso no empreendedorismo digital.
Raízes históricas da rejeição à CLT e a fantasia da liberdade
A insatisfação com o trabalho formal no Brasil tem raízes profundas. A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que estuda transformações no mundo do trabalho, aponta uma herança da escravidão e a crônica desvalorização do emprego no país. “As pessoas preferem se virar e sentir que são livres a ter um patrão que as humilha”, disse ao g1.
Para a pesquisadora, a juventude, especialmente de baixa renda, cresce vendo o desgaste dos pais e, ao mesmo tempo, sendo bombardeada por influenciadores digitais que propagam a ideia de que trabalhar por conta própria e enriquecer na internet é o caminho mais inteligente — e possível.
Erick Chaves, de 19 anos, conhecido como Kinho no TikTok, viralizou ironizando o regime CLT: “Quem quer pegar trem às seis da manhã pra ir pro Brás, seus adultos irresponsáveis?” Ele diz ganhar entre R$ 3 mil e R$ 5 mil mensais com vídeos e já é inspiração para outros jovens do seu bairro, embora reconheça: “É muito difícil crescer nas redes.”
Estudo
O problema é que poucos conseguem repetir essa trajetória. Um estudo da University College Dublin (UCD) analisou 40 mil contas de pequenos aspirantes a influenciadores. Em quatro meses, apenas 1,4% superaram 5 mil seguidores. “A maioria não cresce. Isso gera frustração e autoculpa”, disse Rosana.
Segundo ela, influenciadores aproveitam essa insatisfação legítima para vender cursos e mentorias – como o “coach” e ex-candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal -, o que, muitas vezes, reforça ilusões e estimula decisões arriscadas — como a evasão escolar ou a recusa de oportunidades de Jovem Aprendiz.
CLT ainda é desejo — mas precisa melhorar
Apesar da onda de rejeição, a maioria dos trabalhadores ainda valoriza a carteira assinada, mostra uma sondagem do FGV Ibre. Segundo o levantamento, 67,7% dos autônomos entrevistados gostariam de ter vínculo formal e 45% deles atuam por conta própria por necessidade, não por escolha.
Para a designer Fernanda Smaniotto Netto, de Porto Alegre (RS), o modelo CLT oferece benefícios que fazem falta na vida do autônomo. “Para ser PJ, tem que ganhar quase o dobro para compensar. Plano de saúde, vale-alimentação e estabilidade pesam muito.”
Essa realidade desmonta o mito de que todos que abandonam a CLT prosperam como empreendedores. Como resume o economista Rodolpho Tobler, do FGV Ibre: “Não é algo tão espontâneo quanto parece.”
Um pacto social pela valorização do trabalho
Antes da CLT, não havia jornada de trabalho, salário garantido em caso de doença ou proteção contra o trabalho infantil. A legislação trabalhista foi criada para dar um mínimo de segurança em um país marcado por desigualdade extrema, lembra o historiador Paulo Fontes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ele vê com preocupação os apelos por flexibilização. “Isso tem criado um mundo de trabalho muito mais precarizado. E parte dessa precarização vem com ideologias que culpam a CLT por problemas que são do sistema capitalista.”
Para ele e para Rosana, o debate deveria ser sobre como melhorar a CLT — e não eliminá-la. “Temos que mostrar que estudar, trabalhar e se qualificar vale a pena. Isso é o que os países mais desenvolvidos fazem. Mas estamos indo no sentido oposto”, alertou Rosana.
Fonte: ICL Notícias
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