Por Cleber Lourenço
A proposta de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro enfrenta obstáculos crescentes no Congresso Nacional. Nas últimas semanas, membros do Senado ligados ao MDB e integrantes da bancada petista apontam que a pauta, além de impopular, já é tratada como inviável mesmo nos bastidores mais indulgentes do Parlamento.
Um dos principais entraves está no Senado. A candidatura de Davi Alcolumbre à presidência da Casa contou com apoio formal da bancada do MDB — apoio que veio acompanhado de um compromisso escrito para pautar o chamado “pacote da democracia”, idealizado por Renan Calheiros. Esse conjunto inclui duas PECs e três projetos de lei que fortalecem o Estado Democrático de Direito e caminham na direção oposta à anistia. Um dos projetos, por exemplo, propõe a tipificação do crime de intolerância política, com foro reservado ao Supremo Tribunal Federal.
Esse pacto com a democracia foi um dos poucos apoios programáticos que Alcolumbre recebeu, diferentemente dos compromissos baseados em orçamento. A anistia, portanto, contraria esse compromisso inicial e é vista como descartada desde então.
Na Câmara, a situação tampouco é favorável. Embora o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), tenha dado declarações ambíguas no início da discussão, hoje há a percepção de que ele não pretende pautar o tema. A anistia não é considerada uma agenda com respaldo popular, tampouco mobiliza o centro político. A condução do tema também não tem qualquer relação com articulações pontuais de figuras da oposição ou com a atuação de parlamentares como Lindbergh Farias. A resistência ao projeto vem da própria arquitetura institucional e da leitura pragmática dos efeitos políticos do tema.
A ausência de apelo popular foi reforçada por levantamentos Datafolha após os principais atos organizados em defesa da anistia. Em São Paulo, a desaprovação chegou a 62% e subiu para 63% nas duas rodadas subsequentes. Além disso, os atos de rua vêm encolhendo em público — 385 mil na Paulista, depois 32 mil e, na sequência, 18 mil, segundo estimativas internas. Mesmo com mobilizações convocadas por lideranças bolsonaristas, o tema não encontrou ressonância significativa na opinião pública.

Jair Bolsonaro defende o projeto de anistia para golpistas
Fiel da balança para o projeto da anistia é o Centrão
A avaliação dentro da Secretaria de Relações Institucionais do governo é que a anistia encontra resistência tanto na base quanto na oposição. A chamada “base bruta” do bolsonarismo — a parcela que defende com afinco suas pautas — não ultrapassa 120 deputados. A base sólida do governo fica entre 120 e 140. Ou seja, nenhuma das pontas tem força para decidir sozinha. O fiel da balança, mais uma vez, é o Centrão — grupo que não pretende se envolver numa pauta sem retorno eleitoral claro e sem demanda social evidente.
Na prática, a proposta de anistia sofre com falta de tração tanto nas ruas quanto no Congresso. Ao contrário de temas como a isenção de Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, a taxação de grandes fortunas ou medidas contra a inflação, que têm apelo popular e mobilizam parlamentares, a anistia não gera engajamento.
Além disso, a boa relação entre Lula e Hugo Motta, reforçada durante a viagem do presidente ao Japão, deve contribuir para frear o avanço da pauta. O presidente da Câmara tem demonstrado alinhamento com o governo, sobretudo em temas econômicos, e não esconde o incômodo com o comportamento da ala mais extremada da Câmara — que frequentemente gera constrangimentos e desgastes públicos. O episódio recente em que Motta foi hostilizado em um evento dos Republicanos, durante um encontro de mulheres do partido, por uma apoiadora dos réus do 8 de janeiro, expôs o desconforto do presidente da Câmara com o bolsonarismo mais radical e contribuiu para ampliar sua distância dessa agenda. Motta avalia que qualquer aceno à anistia o colocaria na linha de ataque da militância bolsonarista e de parlamentares da extrema direita — risco que, neste momento, não pretende correr.
No Senado, a percepção de que a anistia não deve prosperar também tem respaldo entre senadores da base governista. A senadora Teresa Leitão (PT-PE) afirmou: “Eu acho muito pouco provável o PL da anistia ser aprovado. Acho até difícil que ele entre na pauta, considerando as evidências comprovadas no último julgamento dos presidentes Jair Bolsonaro e sete dos seus auxiliares mais próximos.”
Enquanto o bolsonarismo insiste em buscar apoio para a anistia, os movimentos no Congresso indicam que, por ora, o tema segue engavetado — rejeitado pelas ruas, ignorado pelo centrão e abandonado por seus antigos aliados institucionais.
Fonte: ICL Notícias