Por Cleber Lourenço
A repressão sofrida pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) durante a marcha indígena do Acampamento Terra Livre, realizada em 10 de abril, em Brasília, provocou reações imediatas no Congresso e nas redes sociais. A parlamentar foi atingida por spray de pimenta e impedida de se aproximar do Congresso Nacional, mesmo após se identificar como integrante da Câmara. Precisou de atendimento médico ainda no local.
A manifestação, pacífica e previamente comunicada às autoridades, reuniu milhares de indígenas de diversas regiões do país. A marcha fazia parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL), em sua 21ª edição. Apesar do caráter simbólico do ato, agentes da Polícia Militar do Distrito Federal e da Polícia Legislativa do Congresso responderam com bombas de gás lacrimogêneo e contenções físicas.
Célia apresentou uma representação criminal ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Governo do Distrito Federal e os órgãos de segurança envolvidos. O documento lista crimes como racismo, violência política e de gênero, lesão corporal e omissão de socorro. Entre os elementos incluídos, está uma gravação de uma reunião da Secretaria de Segurança Pública do DF em que um agente, identificado como “iPhoneDeca”, diz: “Deixa descer logo… Deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça”.
A deputada também solicitou acesso aos registros audiovisuais da operação, além de um pedido formal de desculpas do GDF. Segundo a representação, a atuação das forças de segurança violou direitos constitucionais, incluindo a inviolabilidade parlamentar.
Em declaração exclusiva enviada ao ICL Notícias, a parlamentar afirmou: “Ontem, durante a marcha do Acampamento Terra Livre, mais uma vez o Estado brasileiro mostrou a face do seu racismo institucional”. E prosseguiu: “Essa violência não é um caso isolado, é um padrão. É a demonstração de como a repressão do Estado recai com brutalidade sobre os corpos indígenas, negros e periféricos que ousam ocupar espaços e reivindicar direitos.”
Violência contra indígenas
A comparação com os ataques de 8 de janeiro de 2023 surgiu de forma espontânea. “Enquanto os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, que destruíram as sedes dos Três Poderes, foram tratados com hesitação, tolerância e permissividade pelas mesmas forças de segurança, ontem fomos recebidos com bombas de gás e impedidos de acessar atendimento médico”, declarou.
A diferença de conduta entre os dois episódios gerou incômodo também entre defesas de policiais militares réus pelos atos de 8 de janeiro. Em conversas reservadas, advogados afirmaram que a atuação da Polícia Legislativa na contenção da marcha indígena contrastou com a omissão institucional observada durante a tentativa de golpe. Para essas defesas, o episódio mais recente revela que, quando há decisão política e comando claro, a proteção do Congresso é viável.
Segundo dados citados nos autos do processo, apenas 22 policiais legislativos estavam em serviço até as 15h do dia 8 de janeiro de 2023. Ainda assim, os advogados apontam que o número reduzido não justifica por completo a falha na contenção. Avaliam que a diferença está na disposição institucional de reagir e conter o avanço.
Embora reconheçam que a marcha indígena foi pacífica e não colocou em risco o patrimônio dos Três Poderes, os advogados sustentam que a resposta do Estado no caso atual ilustra como a repressão e a proteção podem ser acionadas seletivamente, de acordo com o perfil do grupo envolvido.
Para Célia Xakriabá, o que ocorreu em Brasília vai além da agressão física: “Essa não é apenas uma violência contra mim. É uma violência contra a democracia, contra os direitos constitucionais de livre manifestação, de liberdade religiosa, e contra as prerrogativas parlamentares que garantem a atuação livre de quem foi eleito para representar o povo. “
Fonte: ICL Notícias