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Vivemos num turbilhão de conflitos e ameaças como raramente houve na história humana. Dois fatos escandalosos nos enchem de indignação e vergonha. Um deles é o genocídio a céu aberto que continua na
feroz guerra que Netanyahu move contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Tal crime contra a humanidade é perpetrado por uma coligação de forças cujas raízes se encontram no Cristianismo: a comunidade europeia e, nos EUA, um ex-presidente católico, o Joe Biden e outro que se apresenta também como católico, da mais perversa espécie, Donald Trump. Os futuros manuais de história (se houver ainda história) serão implacáveis contra essa inominável crueldade.
O outro fato, não se sabe se é mais ridículo que uma piada sem graça, ou é uma afirmação verdadeira: Donald Trump proclama-se presidente eleito dos EUA e do mundo, repito, presidente do mundo. Temos a impressão de que estamos nos tempos da decadência dos imperadores romanos, a maioria ensandecidos, que eram capazes de tais estultícies. Trump está levando uma guerra contra toda a humanidade, pois rompeu com todos, amigos e inimigos, e quer se impor como senhor do mundo, sem qualquer chance de ganhar. A humanidade é sábia e saberá como defender-se de tal arrogância.
Refiro tais eventos sinistros porque estamos em contexto de um conclave de cardeais, reunidos para escolher o sucessor do papa Francisco. Não sejamos ingênuos: lá dentro, fechados à chave, emergem também conflitos, a despeito da presença misteriosa do Espírito Santo. Eles, de certa maneira, são naturais, porque a Igreja Católica como instituição social-religiosa se organiza não ao redor do livro dos Evangelhos, mas ao redor da “sacra potestas” (do poder sagrado).
Desde o século 3º, a categoria central que monta a institucionalidade eclesial é o poder, herdado dos imperadores romanos. E isso continua até hoje, a ponto de o pequeno Estado do Vaticano ser a única
monarquia absolutista subsistente. Veja o que o direito canônico diz do cabeça da Igreja, no cânon 331: “O Pastor da Igreja Universal (o papa) tem na Igreja o poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal”. Esse poder é acrescido ainda, mais tarde, com a característica de ser o papa infalível em questões de fé e moral. Pode um ser humano mortal e pecador como todos, carregar todos esses atributos que,na verdade, cabem só a Deus?
Quem se orienta pelo poder, pouco importa seu qualificativo, se político, econômico ou religioso obedece a esta lógica tão bem formulada pelo grande teórico do poder que foi Hobbes: “Assinalo, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e de mais poder, que cessa apenas com a morte. A razão disso não reside num prazer mais intenso que se espera, mas no fato de que não se pode garantir o poder senão buscando mais poder ainda”. Observo: tudo isso nada tem a ver com o papa Francisco que, em seu primeiro pronunciamento disse claramente que iria conduzir a Igreja não pelo direito canônico (cânon 331), mas pelo amor e pelo evangelho.
No conclave, reverbera também o tema do poder. Há os ultra-conservadores — como os cardeais Robert Sarah (Guiné), o cardeal Leo Burke (EUA) e o cardeal Gerhad Müller (Alemanha) — que postulam uma Igreja extremamente conservadora, uma verdadeira cisterna de águas mortas. São contra todas as reformas já feitas e oficiais. Há um bom número de conservadores que se empenham em manter as estruturas da Igreja como estão, com a marginalização das mulheres e a obediência dos demais cristãos. Gostariam voltar à missa em latim e o padre de costas para o povo.
Para espanto geral, há ainda uma organização conspiratória, Red Hat Report, financiada por católicos conservadores norte-americanos, por magnatas ligados a Trump e ao ultra-conservador Bennan, que utilizam os serviços da CIA e do FBI para levantar os dados da vida privada de Cardeais progressistas, com o intento de manipulá-los e viciar o conclave. Seu interesse é evitar a eleição de um papa progressista, incômodo à orientação do governo e preferir um conservador que esteja afinado às políticas autoritárias da atual administração.
E há toda uma gama de orientações: alguns cardeais são mais progressistas no sentido de caminhar com o mundo moderno; outros são progressistas, mas críticos às modernidades e que tem receio de contaminar os fiéis com pensamentos pouco alinhados ao cristianismo oficial. Há outros francamente francisquistas, que optam pelos pobres, defendem uma moral mais flexível com referência aos divorciados e à moral em geral, que acolhem pessoas com outra opção sexual, abertos ao diálogo com todos como fazia o papa Francisco. Há um pouco de tudo.
Como se conhecerão os cardeais vindos de tantos países longínquos e com culturas diferentes? Na primeira semana do conclave, se discutem os problemas internos da Igreja e do mundo, de modo a identificar os desafios mais relevantes e suscitar a pergunta fundamental: qual dos cardeais seria o mais apto para assumir essa tarefa ingente?
Há o cardeal Tagle, de Manila (Filipinas), totalmente na linha do papa Francisco de uma escolha por uma Igreja pobre e especialmente dos pobres. Há o cardeal Zuppi, de Bologna (Itália), que vive numa comunidade de cristãos, vai ao palácio de bicicleta e que claramente defende a todos os marginalizados da sociedade e propõe uma Igreja de todos sem qualquer discriminação. Há o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado e amicíssimo do papa Francisco, um pouco conservador em doutrina, mas totalmente aberto a uma Igreja aos desafios da nova fase planetária.
Por onde irá a opção de tantos cardeais com tantas linhas teológicas e pastorais? Ninguém pode saber. No entanto conhece-se uma estratégia: quando não se chega a um certo consenso nem entre os “papabili”, procura-se alguém mais discreto, capaz de dialogar com as várias partes, bem preparado e apto a criar um consenso.
Sugiro o nome do cardeal de Manaus, Leonardo Ulrich Steiner, franciscano e parente do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Possui boa experiência mundial, é corrente em português, italiano e alemão, goza de uma segura formação teológico-espritual. E o mais decisivo: é o único cardeal do imenso bioma amazônico. A Amazônia, devido ao clamor ecológico e o aquecimento global,seguramente será um dos temas centrais nos debates entre os cardeais.
O cardeal Leonardo Steiner notabilizou-se pela defesa dos povos originários, dos ribeirinhos e povos da floresta, foi duro contra o ex-presidente Bolsonaro por deixar morrer muitos de Covid-19 deixando os hospitais sem oxigênio. Por temperamento, é sereno e terno e seu olhar é profundo sobre as pessoas, especilmente as que mais sofrem. Quem sabe, não será a figura de consenso? Se for, não me admiraria se assumisse o seguinte nome: papa Francisco II.
Que o espírito sopre nessa direção e repouse sobre esse cardeal.
Fonte: ICL Notícias