‘Queremos o corpo do nosso filho’

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Por Heloisa Villela

A família do brasileiro-palestino, Walid Khaled Abdallah Ahmad, reclama o corpo do jovem que até hoje não foi entregue aos pais. Walid morreu no dia 22 de março, em uma penitenciária israelense. Segundo o resultado da autópsia, feita pelo Instituto Forense Abu Kabir, em Tel Aviv, ele morreu de desnutrição profunda. De fome.

Nesta entrevista exclusiva ao ICL Notícias, o pai e a mãe de Walid apelaram ao governo brasileiro para que pressione as autoridades de Israel. “Gostaria de implorar ao governo brasileiro que faça pressão sobre o governo ultra-racista de Israel para entregar o corpo do meu filho. Queremos enterrá-lo de acordo com as tradições da religião islâmica, para que ele descanse e nós tenhamos um mínimo de paz”, disse o pai, Khaled Abdalla Fadel Ahmad.

Walid tinha 17 anos e se preparava para começar a treinar na escola de futebol da seleção Palestina. Ele foi convidado porque se destacou como goleiro. Mas não teve tempo de começar os treinos. Na madrugada do dia 30 de setembro de 2024 a família acordou sobressaltada, em Silwad, na Cisjordânia. Soldados do exército israelense arrombaram a porta da casa deles, quebraram as janelas e levaram Walid embora. Ele não pode nem trocar de roupa. Foi com o short que usava para dormir. Foi a última vez que o pai, a mãe e os irmãos viram Walid ao vivo, de perto.

“Quando olho para os meus filhos agora, o que vejo é um grande vazio. Eles dificilmente sorriem. O Walid era a alegria da casa”, diz Khaled. O jovem era o mais velho dos quatro filhos do casal. Eles têm uma menina de 16, outra de 15, e o caçula de 7 anos. Todos os dias, iam para a escola com o irmão mais velho. “Essa ida para a escola, agora, ficou muito difícil”, conta o pai.

Khaled nasceu na Palestina, mas tem a cidadania brasileira porque o pai viveu e se casou no Brasil. Ele é um dos sete filhos de um palestino com uma brasileira de Catanduva, em São Paulo. Khaled mantém contato com a parte da família que permaneceu no Brasil. As tias paulistas já foram visitar os parentes palestinos que voltaram à terra natal em 1974.

Israel; corpo

Walid queria ser goleiro

Corpo tinha sinais de “desnutrição extrema”

Depois da prisão do filho mais velho, Khaled começou a peregrinação que tantas famílias palestinas já experimentaram e continuam enfrentando. Nas primeiras 24 horas, foi o desespero para localizar o filho até que o encontraram. Ele estava nas masmorras de Megiddo, uma penitenciária conhecida pela prática de abusos e tortura sobre os detidos palestinos. O pai nunca mais falou com o rapaz, mas foi a todas as sete audiências na Justiça na prisão de Ofer, em Ramallah, enquanto o filho entrava por videoconferência, direto da penitenciária de Megiddo.

Os dois nunca mais puderam trocar qualquer palavra, apenas olhares. Na primeira audiência, mesmo que o contato visual fosse muito breve, Walid dava um jeito de sorrir para o pai. Nas audiências seguintes, Khaled notou o filho cada vez mais abatido. A última, no dia 10 de fevereiro deste ano, a mudança era grande. “Ele já estava bem mais magro, em outras condições”, conta o pai. A audiência seguinte estava marcada para o dia 21 de abril, mas ela não aconteceu. Walid morreu antes e nunca foi julgado pelas 56 acusações apresentadas contra ele. As mesmas apresentadas contra os jovens da Palestina: planejar ataques contra o exército de Israel, tacar pedras nos soldados, etc. O rapaz dizia que era tudo mentira. Não confessaria crimes que não havia cometido. E mesmo que tivesse feito tudo que o acusaram de fazer, não seria justificativa para o tratamento que recebeu e que o levou à morte.

Walid era um atleta que cuidava bem da saúde. Mas a autópsia descreve um estado físico totalmente diferente depois de seis meses de prisão. O documento fala da perda severa de peso e músculos, da aparência afundada do abdômen e de massa muscular, ou gordura subcutânea, quase ausente no tronco e extremidades. “Os resultados da autópsia sugerem que ele sofria de desnutrição extrema, provavelmente prolongada, conforme observado pelo estado profundamente caquético e queixas de ingestão alimentar inadequada desde pelo menos dezembro de 2024”, diz o relatório.

O pai diz que Walid não tinha envolvimento algum com a resistência. “Ele não tinha nem tempo”, afirma. Ía para a escola, fazia os deveres, jogava futebol e estava se preparando para fazer as provas para entrar na faculdade. Queria estudar economia ou administração para tocar o pequeno negócio da família. Sonhava, inclusive, em ir ao Brasil para entender melhor o mercado de café e cacau para, quem sabe, vender produtos brasileiros na Palestina.

A família também constatou que ele tinha várias doenças, adquiridas na cadeia, além de sede constante, sarna e as marcas de uma pancada na cabeça. Um primo de Walid, também palestino-brasileiro, está na cadeia e a família teme pelo pior. “Ele está sofrendo o que todos os presos palestinos sofrem”, diz Khaled, “tortura, fome, sede, falta de higiene, ausência de lugar para dormir ou de cobertas, sem falar na tortura”.

Futuro é uma palavra que não faz parte do vocabulário de Khaled no momento. Ele se voltam para a história e para o que resta de possibilidade de solução:

“Em primeiro lugar, não podemos esquecer que Israel é uma força de ocupação patrocinada por grandes potências, especialmente os Estados Unidos. E a mídia desses países é responsável por tratar Israel como inocente, como a vítima. Mas é o contrário. Hoje o povo palestino tem certeza de que para salvar o pouco que sobrou vai depender da mídia da Europa, dos Estados Unidos, do Brasil, da Argentina, ser ética e falar a verdade. Se os povos do mundo não saírem às ruas com consciência, não seremos livres”.

O governo brasileiro pediu explicações a Israel sobre a morte de Walid, mas passadas três semanas, ainda não obteve resposta.



Fonte: ICL Notícias

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