Na Terra Indígena (TI) Erikpatsa, no noroeste do estado de Mato Grosso, Neiriane Taerik, de 25 anos, é a primeira presidente mulher da Associação Indígena da Aldeia Barranco Vermelho (ASIBV). É ela quem está à frente, na aldeia, do projeto de beneficiamento da castanha-do-pará, que leva renda principalmente para as mulheres da comunidade.
A castanheira é uma árvore abundante na Amazônia, e a castanha-do-pará fica dentro de uma espécie de coco, chamada ouriço. A comunidade costumava comercializar o ouriço e recebia pouco por isso. Parcerias comerciais e projetos socioambientais possibilitaram que os próprios indígenas fizessem o beneficiamento, ou seja, a retirada das castanhas e a venda delas, já sem casca, prontas para o consumo. Isso agregou valor ao produto que sai das aldeias e aumentou os ganhos.
“Está gerando renda”, diz Neiriane Taerik. “As mulheres ficam em casa, dependendo de tudo, cuidando dos filhos. Por isso que veio essa ideia de colocá-las para trabalhar e terem os recursos delas mesmas”, conta.
Ao todo, 16 mulheres trabalham no beneficiamento da castanha. Um galpão foi instalado na aldeia com máquinas para a retirada da casca da oleaginosa. E há fila de espera de interessadas em participar.
Em um ano, entre 2024 e 2025, a ASIBV, que abrange 12 aldeias, vendeu ao Império da Castanha 2,5 mil quilos (kg), a R$ 10 por Kg, arrecadando R$ 25 mil para as comunidades. Os dados são do projeto Biodiverso, que atua na região e apoia a cadeia produtiva da castanha.
O projeto Biodiverso oferece equipamentos de proteção para a coleta da castanha e beneficiamento e, ainda este ano, irá reformar o galpão onde é feito o beneficiamento do produto, colocando ar condicionado e instalando banheiros. Com a ampliação do galpão, a expectativa é que todas as mulheres interessadas possam participar do projeto.
Marinalva Kidy é mãe de Neiriane Taerik já é uma das integrantes. “Antes de quebrar castanha, a gente trabalhava com artesanato e coletava a castanha no mato. Depois, surgiu essa parceria, e a gente veio aqui para o barracão”, conta. “De lá para cá, melhorou muito para mim a parte financeira. Dá para pagar as contas na loja, as dívidas, a energia, tudo”, diz.
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Alternativa de renda
No território indígena, cercado por fazendas e disputado por madeireiras e pelo garimpo, a atividade surge como uma forma de manter os indígenas na terra e dar retorno financeiro sem que precisem deixar as aldeias.
Se o beneficiamento fica por conta das mulheres, a coleta e quebra dos ouriços é feita por toda a família. Dauri Tsoimy, 48 anos, é um dos que realiza essa atividade.
“Hoje nós estamos iniciando uma mini fábrica dentro da nossa TI. O que nós queremos é mais ampliação, e que dentro da nossa comunidade tenha um trabalho para poder sempre empregar o nosso povo, sem sair das nossas comunidades para ir trabalhar na fazenda ou em outros lugares. Isso é muito importante para nós usufruímos da riqueza que temos e do que a natureza nos dá”, diz.
Ermison Bybyimo, de 38 anos, trabalha junto com Dauri Tsoimy e explica que a castanha faz parte da cultura dos Rikbaktsa. “Nós cuidamos muito da floresta, da castanheira. Esse alimento é o que a gente utiliza no café da manhã, no almoço. A gente prepara nossas comidas tradicionais também, nas festas tradicionais. É um dos alimentos que estão presentes no nosso dia a dia. Por isso, a gente cuida muito da castanheira. Desde pequeno, a gente já tem esse cuidado de passar esse conhecimento para as crianças”, diz.
Ele reforça que, a partir da atividade que já é tradicionalmente praticada, é possível agora retirar sustento. “A gente tem muita opressão dos madeireiros, do garimpo. E hoje, no nosso território, não está tendo mais o peixe que nem há 20 anos. Então, isso é nossa preocupação. E a gente fica muito preocupado também com os jovens que estão saindo fora, por não ter emprego dentro da aldeia”, diz.
Sem atravessadores
De acordo com projeto Biodiverso, a ideia é que os indígenas possam garantir a renda sem precisar de atravessadores, recebendo todo o pagamento pelo produto produzido. Junto com a produção, o projeto atua também na educação ambiental, no reforço e resgate do cuidado com a natureza, mostrando que a floresta de pé vale muito e traz dinheiro para a comunidade.
Segundo o coordenador do Biodiverso, Sávio Gomes, os projetos têm gerado mudanças. “Os jovens não vão mais para as fazendas trabalhar de empregados, eles são donos dos próprios empreendimentos comunitários. A tendência é que eles tenham uma atratividade maior no território deles”, diz.
Sávio Gomes conhece de perto a realidade dos territórios. Além de ter vivido ali por mais de um ano com os indígenas, ele mesmo nasceu na Reserva Extrativista (Resex) Lago do Capanã Grande, no Amazonas, e, até os 17 anos, trabalhou com a quebra da castanha. “Um dia eu estava quebrando castanha, eu quebrava castanha ajoelhado, e um ouriço de castanha caiu aqui, perto da minha cabeça. Aí eu falei: ‘Acabou essa história, eu vou atrás de estudo, vou atrás de outra coisa’”, conta.
Ele formou-se Técnico Florestal pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Amazonas e Gestor Ambiental pela Universidade Estácio de Sá. E com o que aprendeu, busca como coordenador do Biodiverso transformar essa realidade. Sávio Gomes diz que sempre questionou a lógica das reservas extrativistas. Ele sentia como se, quando elas eram criadas, as pessoas ali eram abandonadas à própria sorte, muitas vezes sem estrutura ou sem contatos para geração de renda, algo necessário para viver em um mundo capitalista. Uma das inquietações que ele tinha era que as pessoas sempre falavam que tinha muita riqueza na Resex, mas ele não via essa riqueza.
“Tem a natureza, tem tudo isso aqui. Mas o que que a gente faz com essa riqueza toda? Como assim que eu sou rico e sou pobre ao mesmo tempo?”, questiona.
“Dentro dessas comunidades, têm pessoas, pessoas que precisam de saúde, precisam de escola, de educação, de geração de renda”, defende ele, que afirma que a intenção do projeto Biodiverso é justamente possibilitar esses contatos e proporcionar melhorias na qualidade de vida dos povos indígenas e extrativistas.
Além da TI Erikpatsa, o projeto Biodiverso, patrocinado pela Petrobras, é desenvolvido nas TIs Japuíra e Escondido, do povo Rikbaktsa; TI Aripuanã; TI Arara do Rio Branco e Resex Guariba Roosevelt. Juntas, produziram no último ano, 34,4 toneladas de castanha, gerando R$ 366.750 às comunidades.
Educação ambiental
Além do beneficiamento, outra ação do Projeto Biodiverso voltado para as mulheres é a produção de mel. O projeto começou a ser implementado na aldeia Pé de Mutum, na TI Japuíra, a partir de demanda da própria comunidade. A ação faz parte de um projeto de educação ambiental, que busca entender a relação com a natureza e desenvolver formas sustentáveis de renda e de subsistência.
O mel é usado para adoçar a chicha, bebida fermentada produzida a base de batata, milho, banana e outros tradicional dos povos indígenas da região. O problema é que ele estava cada vez mais raro, já que os enxames estão mais difíceis de serem encontrados.
Uma das integrantes do projeto, Genilda Madair Rikbaktatsa conta que a atividade não é apenas para ela, mas para toda a comunidade “Eu tenho interesse em aprender coisas novas. Eu sei que daqui para frente não vai servir só para mim, vai servir para outras pessoas também, principalmente para nossos filhos que estão vindo agora”, diz.
Projeto Biodiverso
O projeto Biodiverso é desenvolvido pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Pacto das Águas e tem como objetivo promover o uso sustentável da sociobiodiversidade, com povos indígenas e comunidades tradicionais no noroeste do estado de Mato Grosso, como estratégia para mitigar o aquecimento global e as mudanças climáticas pela defesa da conservação da floresta em pé. O projeto é patrocinado pela Petrobras.
O beneficiamento da castanha e a educação ambiental são algumas das ações desenvolvidas no âmbito do projeto, que tem como meta dar suporte a 300 extrativistas na produção de 800 toneladas de castanha, 90 toneladas de borracha e 15 toneladas de óleo de copaíba com boas práticas de produção padronizadas e com assistência técnica periódica, até 2027. Com isso, espera-se garantir a conservação de 1,4 milhão de hectares no bioma amazônico.
A convite da Petrobras, a equipe da Agência Brasil visitou as aldeias Barranco Vermelho e Beira Rio, na TI Erikpatsa e Pé de Mutum, na TI Japuíra, nos dias 8 e 9 de abril.
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Petrobras, patrocinadora do projeto Biodiverso
Fonte: Agência Brasil de Notícias