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Por Heloisa Villela e Juliana Dal Piva
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta segunda-feira (19) a fase dos depoimentos de testemunhas de acusação e defesa dos réus do núcleo 1 da trama golpista, formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O ICL Notícias acompanhou a audiência de dentro do STF e detalha tudo a seguir.
Entre as primeiras pessoas ouvidas, o destaque foi o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes. O militar foi o primeiro a confirmar à Polícia Federal que Bolsonaro o convocou para uma reunião no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022. Ele disse aos investigadores que o então presidente apresentou aos chefes militares o documento que ficou conhecido como minuta golpista, que previa intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após as eleições.
A audiência foi conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, e o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma. Pela primeira vez, houve a imagem do general Braga Netto, preso em dezembro de 2024. De terno, ele acompanhou a audiência ao lado dos advogados de dentro do quartel onde está preso no Rio de Janeiro.
O depoimento do governador do DF, Ibaneis Rocha, previsto para esta segunda-feira (19) foi dispensado no início das audiências. Imagens e áudios não puderam ser captados, uma vez que não poderão ser divulgados antes do fim de todos os depoimentos, no dia 2 de junho.
Depoimento do General Freire Gomes
O depoimento mais esperado, do general Freire Gomes, comandante do Exército no governo Bolsonaro, foi o quarto desta segunda-feira. O general surgiu de terno e gravata e se apresentou claramente nervoso. Ao dizer que tinha apenas relação profissional com os réus, gaguejou levemente.
A primeira pergunta de Gonet para o general foi sobre a reunião dia 5 de julho de 2022 em que se criticou o sistema das urnas. “Nós os comandantes, apenas ouvimos”, disse o general. “Nos foi dito que era para estudar vulnerabilidades”, completou.
“Em nenhum momento foi apresentado qualquer indicio de fraude”, afirmou o general sobre o trabalho da comissão das Forças Armadas que ia apurar a situação do sistema eletrônico de votação. Gonet perguntou se o ex-presidente foi informado da falta de indícios de fraude e o general respondeu: “Acredito que sim”.
Sobre a carta dos comandantes do dia 28 de outubro de 2022: “Embora entenda que esse movimento possa ter vindo de fora e não da ativa, esse tipo de procedimento de militares da ativa é inaceitável do ponto de vista da hierarquia do Exército. Não cabe a qualquer militar da ativa se pronunciar e se dirigir ao comandante diretamente. Tomamos as providências cabíveis”, disse o general.
“Houve um assessor que eu não conhecia (possivelmente Filipe Martins). Foi apresentado uma memoria, um documento, foi lido uns considerados e tinha aspectos que consideravam uma GLO, um Estado de Defesa, um Estado de Sítio. Nesse dia, o presidente apresentou apenas como informação e o brigadeiro Baptista Junior não estava naquele dia”. O general disse que os “considerados” foram apresentados como algo dentro da Constituição e que seria aprofundado. Aqui, o general respondia sobre a primeira versão da minuta golpista.
General: “Talvez” ele tenha nos apresentado por consideração. Não me pareceu que ele estivesse nos influenciado. (O tom do general Freire Gomes é de evitar acusar Bolsonaro). “Eu alertei com toda a educação, numa aspecto cordial, que as medidas que ele deveria tomar deveria estar atento a apoios, os mais variados, e teria implicação jurídica. A mídia até reportou aí que eu teria dado voz de prisão e isso não aconteceu”.
Com a declaração, ele coloca o brigadeiro Baptista Junior em uma situação delicada porque veio do depoimento dele a versão de que o episódio teria chegado a essa situação. Baptista Junior relatou o episódio para a PF e vai depor no STF na próxima quarta-feira (21).
Moraes se irrita com Freire Gomes
O general disse, sobre Anderson Torres, que ele “nunca tentou nos influenciar. O que falei sobre o documento encontrado na casa dele é que o conteúdo era semelhante, mas não sei quem era o autor do documento”.
“Meu contato com ministro Anderson Torres foi muito reduzido. As vezes que nos reuníamos com presidente da república, eram assuntos militares e ministro Torres participou uma ou duas vezes para assessoras aspectos jurídicos. nunca tive contato em paralelo com ele”, disse o general.
Freire Gomes sobre Filipe Martins: “Eu falei que não conhecia aquela pessoa. Ele, o assessor, apenas apresentou o documento e se retirou”. A fala do general tenta isentar o papel de Filipe Martins de entregar a minuta. No entanto, esse é um episódio que também é relatado por Mauro Cid que identifica sim Filipe Martins como o assessor que entregou a minuta.
Freire Gomes sobre o almirante Garnier colocar a Marinha à disposição do golpe: “Não me lembro de ele ter dito…não interpretei como nenhum tipo de conluio”.
Alexandre de Moraes intervém no depoimento do general e o adverte sobre as mudanças de versão. “A testemunha tem que falar a verdade. Se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia, mas não pode mentir no STF. Vou dar outra chance. É comandante do Exército, preparado para lidar com situação de tensão. Antes de responder pense bem. Disse expressamente na Justiça que ele e Baptista jr que não tinham.. e Garnier teria se colocado à disposição. Então ou o senhor falseou na polícia ou aqui”.
Freire Gomes respondeu: “Com 50 anos de Exército, jamais mentiria. Eu e Baptista Jr nos colocamos contrários ao assunto, não me recordo da posição da Defesa e Garnier tomou a postura de ficar com o presidente, mas não posso inferir o que quis dizer com ficar com o presidente. A intenção do que quis dizer com isso não me cabe”.
Em um tom nervoso, e novamente gaguejando, o general admitiu que o documento evoluiu para prisão de autoridades. “Primeiro documento não se falava em prisão de autoridades. Depois aprofundaram questão de GLO. No último contato, fazia referência a prisão de autoridade”, afirma o general. Questionado por Gonet, gaguejando, o general admite: “Acho que era o caso do ministro Alexandre de Moraes”.
“Nas reunioes anteriores ja tinhamos a conversa e a concordância do presidente de que nao tinha mais o que fazer”, diz Freire Gomes. O general afirma que Bolsonaro era pressionado por “pessoas de fora”para tomar uma atitude de coisas que ele nao sabia exatamente o que era”. O general tenta amenizar o papel de Bolsonaro o tempo todo.

Primeira Turma do STF (Foto: Antonio Augusto/STF)
Outros depoimentos desta segunda (19)
Eder Lindsay Magalhães Balbino:
O primeiro depoimento foi o de Eder Lindsay Magalhães Balbino, dono de uma empresa de tecnologia da informação. Ele teria ajudado a montar um falso dossiê sobre fraude nas urnas eletrônicas. Quem inicia as perguntas é Paulo Gonet, procurador-geral da República
Para a PF, no ano passado, Balbino já tinha dito que não viu fraude. Ao STF, ele ressaltou que seu trabalho não era para produzir o relatório e só para gerar dados e gráficos. Ele é dono da empresa que colaborou com a auditoria do PL, que alegou fraude nas urnas. O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, citou à época que Balbino seria um “gênio lá de Uberlândia”, cidade em que a empresa está instalada.
Clebson Ferreira de Paula Vieira:
O segundo depoimento foi o de Clebson Ferreira de Paula Vieira, analista de inteligência da Coordenação-Geral de Inteligência do Ministério da Justiça. Vieira foi apontado como o responsável por fazer um levantamento com municípios em que Lula e Bolsonaro concentraram votação superior a 75% no 1º turno da eleição de 2022.
Gonet pergunta a ele se lembra e confirma do que depôs para a PF e garantiu que sim. Vieira disse que o pedido de levantamento de dados sobre a porcentagem de dados acima de 75% tanto de Lula como de Bolsonaro no segundo turno foi feita por Marilia Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
Além disso, ela pediu dados sobre distribuição de efetivo da PRF. Vieira disse que tudo era pedido por ela com um “ar de desespero”. E também que existia um “viés político”.
O analista disse ainda que guardou provas e elementos para uma oportunidade como essa agora.
Após a visita de Lula ao Complexo do Alemão, durante a eleição de 2022, foi pedido a ele uma análise de dados sobre tendência nas urnas para qualquer um dos candidatos na região que seria de domínio do comando vermelho. Ele relatou que após a análise ser realizada o resultado foi inconclusivo.
Questionado por Gonet se a PRF foi usada politicamente na eleição, o analista disse que sim: “Eu fiquei particularmente apavorado. Uma analise técnica minha foi usada pra uma tomada de decisão ilegal”
Vieira quase chorou ao admitir o episódio e disse que guardou dados e provas para quando surgisse uma oportunidade para denunciar e ressaltou que depôs voluntariamente na PF.
“Guardei dcumentos antes do fim da eleição. Guardei todas as informações logo pela parte da manhã. Da minha perspectiva analítica, estava vendo todo o escalão de chefia enviesado e estava com receio de distorção da realidade sobrar pra mim”, disse.
Vieira disse que não sabe dizer se Anderson Torres participou ou não dos pedidos de informação que chegavam até ele. Nunca participou de reunião com o ex-ministro da Justiça.
O advogado de Anderson Torres aproveita o momento para ressaltar que na denúncia está descrito que Vieira teria participado de reuniões com o ex-ministro.
“Não queremos suas conclusões’, disse o ministro Alexandre de Moraes para o advogado de Anderson Torres. O advogado Eumar Novacki elogiou quando Vieira disse que não recebeu “ordens absurdas”, mas a testemunha explicou que não sabia qual seria o “dolo” com que suas análises seriam utilizadas.
Adiel Pereira Alcântara:
O terceiro depoimento foi de Adiel Pereira Alcântara, coordenador de análise de inteligência da PRF. Ele trabalhou na operação de eleições. Relatou que foi chamado para uma reunião com pedido de inteligência para indicar abordagens de ônibus e vans de Goiás, SP, MG, RJ com destino para o nordeste. Adiel disse que achou estranho o pedido. Disse que foi falado a ele que era uma ordem do diretor-geral da PRF e que era “hora de tomar lado”.
“Nessa reunião fui convidado pelo diretor de inteligência para demonstrar qual era o papel da coordenador de análise no gabinete de crise das eleições. Foi na diretoria de operações, presidida pelo diretor, tinha 6 ou 7 outros participantes”.
“Essa reunião com todo o staff da diretoria de inteligencia de manhã. De tarde convoquei os dois na minha sala e falei da reunião na diretoria, achei ordem muito estranha. Não estamos autorizados por nenhum servidor a fazer qualquer acompanhamento de fluxo. Coordenador depois me disse: se fizermos alguma coisa, vou sair da coordenação. E não fizemos mesmo”.
Adiel participou de uma única reunião com Silvinei Vasques, mas foi bem técnica, sobre central nacional de inteligência.
Adiel disse que existiram mensagens com o seguinte conteúdo: o “DG (Diretor-geral) da PRF está cobrando até fotos das abordagens aos ônibus”.
“Eu era muito crítico à gestão do (Silvinei) Vasquez. Ele estava buscando uma proximidade muito grande com o ex-presidente. Chamavam a PRF de “bolsonarista”
Sobre descontentamento com relação à postura do Silvinei, Adiel respondeu: “Sim. Não era só meu. Grande parte do efetivo não via com bons olhos essa proximidade e vinculação. Motociatas com motos da PRF, ele compartilhava nas redes, ia a formaturas da PRF. Teve aquele presente da camisa do Flamengo com número 22. Fazia revista, parecia querer militarizar a PRF. Não era visto com bons olhos”
Encerramento e perguntas dos advogados
O advogado de Anderson Torres insistiu 4 vezes na pergunta para saber se a minuta golpista era igual a que foi encontrada na casa de Anderson Torres. Moraes interrompeu o advogado e disse: “Dr. não vou deixar o senhor fazer circo aqui no meu tribunal”.
Fonte: ICL Notícias