Após a posse de Lula (PT) em 2023, o novo governo enfrentará uma oposição muito diferente da que hoje confronta Jair Bolsonaro. O partido do atual presidente, o PL, anunciou o plano de compor o bloco de oposição na próxima legislatura. Seus quadros, porém, misturam seguidores ideológicos do presidente com parlamentares que fizeram parte do antigo governo petista. Há grupos que são menos ideológicos e mais pragmáticos. Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco explicam que essa conformação deverá tornar a oposição menos uniforme e mais fragmentada.
De acordo com o cientista político e historiador Alex Ribeiro, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a oposição a Lula deverá passar por duas etapas em seu comportamento. A primeira é de fragmentação dentro do próprio PL. “Boa parte dos atores do partido deve manter um discurso de extrema direita para sustentar sua base eleitoral. Mas o PL não é um partido orgânico. Então boa parte dele, e também do Republicanos, tende a ser governista, e deve acenar para o novo governo. Isso deverá criar rixas nos próprios partidos quando começarem a discutir propostas”.
No médio prazo, o especialista aponta para uma organização de parlamentares de oposição de diversos partidos ao redor de lideranças de destaque, não necessariamente de suas próprias legendas. Os filhos de Bolsonaro e também quadros chamados de ideológicos como Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF) são possíveis núcleos dessa oposição montada fora da lógica partidária. Alex avalia que essa nova oposição tende a ser pragmática e a adotar discursos mais afastados do extremismo como estratégia para ganhar apoio nos debates.
O professor e doutor em ciência política Davi Barboza Cavalcanti, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, concorda que a oposição a Lula tende a ser extrapartidária e comandada por bolsonaristas ideológicos, dada a tendência dos principais partidos brasileiros ao governismo e o bom relacionamento desses com o futuro presidente. Por outro lado, ele acha improvável que esse grupo abra mão do discurso de extrema direita em favor de um pragmatismo.
Barboza aponta para o elevado preço pago pelos políticos que pularam fora do discurso bolsonarista entre 2019 e 2022. “Nos últimos anos, vimos que ser bolsonarista e apoiar pautas conservadoras pode trazer excelentes frutos para políticos do legislativo. E mais: largar Bolsonaro e a pauta ideológica pode resultar em prejuízo político, como aconteceu com Joice Hasselmann e Alexandre Frota, que não conseguiram se reeleger”. Com isso, considera mais provável que os novos líderes da oposição permaneçam tentando “manter acesa a chama” do bolsonarismo.
Ele chama atenção, porém, para um fator que pode levar os deputados bolsonaristas a suavizar o discurso: sem apoio do governo e mal relacionados com o Judiciário, esses parlamentares acabam deixando de contar com a proteção jurídica que recebem durante a atual gestão. Discursos de ódio e propagação de fake news acabam se tornando práticas arriscadas, e podem diminuir com o tempo.
Já entre os parlamentares da família Bolsonaro, os dois consideram que o comportamento no futuro é incerto. O próprio presidente evitou falar ao público desde sua derrota eleitoral, pronunciando-se apenas duas vezes desde então. Seus filhos Eduardo (PL-SP) e Flávio (PL-RJ), antes figuras presentes nas redes sociais, têm atuado de maneira discreta, com apenas algumas publicações nas semanas que sucederam o segundo turno.
Em silêncio, a família Bolsonaro não tem dado sinais claros do que deverá ser a sua postura nos próximos anos. Os dois cientistas políticos temem que o silêncio seja estratégico. “Nos primeiros dias, o silêncio era apenas para o presidente se recompor. Feito isso, passou a servir para não legitimar abertamente o processo eleitoral, e também para não diminuir os protestos que ganharam espaço nas ruas, em atos que criticam o sistema eleitoral em todo o Brasil. Bolsonaro sabe que, nesse momento, um confronto aberto seria prejudicial. Então mantém o silêncio e usa para se planejar”, explica Alex.