Militares com formação em Forças Especiais teriam, segundo a PF, detalhado o plano contra o ministro e os políticos em um documento denominado “Punhal Verde e Amarelo”
Conteúdo republicado de CARTA CAPITAL
O general de brigada Mário Fernandes foi preso pela PF na operação Contragolpe. Ao lado de outros fardados, o militar teria planejado um golpe de Estado e o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes em 2022. Foto: Isac Nóbrega/PR
A Polícia Federal deflagrou, nesta terça-feira 19, uma operação para prender militares que planejaram um golpe de Estado em 2022. Batizada de Operação Contragolpe, a ação mira agentes das Forças Especiais do Exército, conhecida também como ‘kids pretos’.
Segundo a PF, os militares do Exército teriam planejado assassinar o presidente eleito Lula (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB). Outro alvo seria o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O plano estaria detalhado em um documento denominado “Punhal Verde e Amarelo”. O objetivo central da ação era “impedir a posse do governo legitimamente eleito nas Eleições de 2022 e restringir o livre exercício do Poder Judiciário”. A ideia era que essa fase do golpe de Estado fosse colocada em prática no dia 15 de dezembro de 2022.
“As investigações apontam que a organização criminosa se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”, descreve a PF em nota. “Os investigados são, em sua maioria, militares com formação em Forças Especiais (FE)”, reforça a corporação.
Ainda de acordo com os investigadores, os militares presos nesta terça-feira formariam, após o golpe, um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”. Esse gabinete seria o responsável pelo “gerenciamento de conflitos institucionais originados em decorrência das ações” golpistas.
O documento “Punhal Verde e Amarelo” também descreveria, em detalhes, todos os “recursos humanos e bélicos necessários para o desencadeamento” do golpe, em especial o “uso de técnicas operacionais militares avançadas”.
Esse documento teria sido um dos arquivos recuperados por investigadores nos celulares e computadores do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL). A descoberta foi feita usando um programa espião israelense capaz de restaurar arquivos excluídos de equipamentos eletrônicos.
Sabia-se, desde a semana passada, que golpistas tinham monitorado, em detalhes, a equipe de segurança de Lula, descrevendo rotinas e listando técnicas e armas usadas pelos agentes responsáveis pela proteção do petista. O mesmo monitoramento havia sido feito com Moraes. A ação contra Alckmin ainda não havia sido citada.
A descoberta, que motivou a operação desta terça, também levou Cid novamente a ser convocado na sede da PF. O ex-assessor pessoal de Bolsonaro que se tornou um colaborador da Justiça terá que prestar novo depoimento aos agentes nesta terça-feira para esclarecer detalhes da descoberta. O acordo de delação estaria, inclusive, ameaçado após a omissão. Os advogados de Cid, porém, não acreditam que a colaboração será rompida.
O general de brigada Mário Fernandes, aliado de Jair Bolsonaro, é o principal alvo da operação da PF contra militares golpistas. Na foto, de 2019, o então presidente é recebido pelo general no Comando de Operações Especiais (‘kids pretos’), onde era ocupava a chefia.Foto: Isac Nóbrega/PR
O general de brigada Mário Fernandes, aliado de Jair Bolsonaro, é o principal alvo da operação da PF contra militares golpistas. Na foto, de 2019, o então presidente é recebido pelo general no Comando de Operações Especiais (‘kids pretos’), onde era ocupava a chefia. Foto: Isac Nóbrega/PROs presos
Ao todo, cinco pessoas foram presas preventivamente, quatro delas seriam militares do Exército, que acompanhou a ação da PF. A outra prisão, segundo o site G1, seria de um agente da própria Polícia Federal que participou da elaboração do plano. As identidades dos presos ainda não foram confirmadas oficialmente pela PF. De acordo com o site, a lista de presos é formada por:
Mario Fernandes, general de brigada (na reserva) e assessor do deputado General Eduardo Pazuello (PL) que já havia sido alvo da operação Tempus Veritatis;
Helio Ferreira Lima, tenente-coronel que já havia sido alvo da operação Tempus Veritatis;
Rodrigo Bezerra Azevedo, major;
Rafael Martins de Oliveira, major que também já havia sido preso por ordem do STF em outra operação;
Wladimir Matos Soares, policial federal.
A Operação Contragolpe foi autorizada pelo STF em decisão sigilosa. A ordem prevê também três mandados de busca e apreensão e 15 medidas cautelares diversas da prisão. Os alvos, espalhados pelos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas e também no Distrito Federal, estão proibidos, por exemplo, de manter contato com os demais investigados e de se ausentar do País. Todos precisaram entregar passaportes e foram suspensos das suas funções públicas.
Todos os alvos são investigados por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado e organização criminosa.
Os ‘kids pretos’
Os chamados ‘kids pretos’ são considerados a elite de combate do Exército brasileiro. Eles recebem treinamento qualificado em ações de sabotagem e de incentivo à insurgência popular. Nas operações, vestem gorros na cor preta, o motivo do apelido.
O grupo atua em ataques a pontos sensíveis da infraestrutura, como torres de transmissão elétrica, pontes e aeroportos. Entre os lemas desse grupo está “qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira.”
Desde o 8 de Janeiro, há suspeita de que o grupo tenha participado da tentativa de golpe de Estado, em especial da execução das ações violentas na Praça dos Três Poderes. Naquela ocasião, homens encapuzados e com perfil militar foram vistos liderando parte do grupo golpista que invadiu e depredou as sedes dos Poderes.
O grupo também é apontado como autor de distúrbios registrados em Brasília em dezembro de 2022. Um desses episódios data do dia 12 de dezembro, quando bolsonaristas tentaram entrar na sede da Polícia Federal após a prisão de um indígena apoiador do ex-capitão. O grupo, naquela ocasião, incendiou ônibus, automóveis e uma viatura dos Bombeiros. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) detectou que entre os xavantes havia pelo menos três ‘kids pretos’ infiltrados.
Parte dos agentes da elite do Exército já tinha sido presa pela PF em outras apurações sobre a tentativa de golpe de Estado, como a Tempus Veritatis. Outro ‘kid preto’, o coronel da reserva Marcelo Câmara, também foi implicado na investigação sobre a fraude nos cartões de vacinação do clã-Bolsonaro. O militar é outro ex-assessor direto do ex-capitão.