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Por Juliano Medeiros
Os últimos dez dias foram trágicos para a agenda socioambiental brasileira. Depois de aprovar o chamado “PL da Devastação”, que destrói os principais instrumentos de fiscalização ambiental contidos na legislação federal, o Senado promoveu um espetáculo dantesco contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em audiência pública promovida pela Comissão de Infraestrutura.
De uma só vez o Senado Federal mostrou o que tem de pior: formado majoritariamente por líderes políticos reacionários, homens ricos e poderosos que exercem influência em seus estados, a câmara alta usou o desmonte da legislação ambiental para fazer proselitismo junto aos setores mais atrasados da economia brasileira, enquanto pressionava o governo Lula por mais e mais concessões. Tudo isso, armando um palanque para que esses mesmos políticos extravasem toda a sua misoginia, seu racismo e seu ódio aos defensores do meio ambiente ao expor Marina Silva a todo tipo de desrespeito.
O próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que num episódio anterior – quando um senador disse sentir vontade de enforcar a ministra do Meio Ambiente – manifestou inconformidade com a agressão endereçada a Marina, agora calou-se, comprometido em aumentar a pressão sobre o governo para ver liberada a licença de prospecção de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, no Amapá. Se até pouco tempo o Senado parecia um espaço mais equilibrado em comparação com a Câmara dos Deputados sob o tacão de Arthur Lira, agora essa distinção desaparece.
A aprovação do PL da Devastação, no entanto, não passou despercebida pela opinião pública. Imprensa, organizações não-governamentais, artistas, intelectuais, partidos e movimentos sociais, dentro e fora do país, têm se manifestado contra o projeto que agora volta para a Câmara dos Deputados. Mas as perspectivas no parlamento não são boas. Mesmo que a Câmara rejeite todas as alterações, ainda assim aquilo que já foi aprovado em ambas as casas já traz retrocessos gravíssimos. Por isso setores do movimento socioambiental buscam um acordo com Hugo Motta para engavetar o projeto e elaborar um novo texto.
O principal retrocesso é o chamado “autolicenciamento”, que permite que empreendimentos possam obter a licença ambiental por meio da autodeclaração, dispensando a necessidade de estudos ambientais e de análise por órgãos técnicos. Essa proposta veio no texto original aprovado na Câmara dos Deputados e foi piorada pelo Senado, com uma emenda do próprio Alcolumbre, que estendeu o autolicenciamento para obras de enorme impacto ambiental, como a mineração e a exploração de petróleo e gás.
A situação, portanto, é grave. Por isso o movimento socioambiental deve se preparar para uma luta de médio e longo prazo. Isso porque, qualquer que seja o texto aprovado pela Câmara, o enfrentamento ao desmonte das políticas de proteção ambiental enfrentará ao menos três novos capítulos. O primeiro é a pressão que necessariamente terá de ser feita para o veto total do presidente Lula. Num momento em que o governo enfrenta dificuldades para manter unida sua base de apoio, vetar um texto aprovado com uma maioria tão expressiva pode ser mais um elemento de desgaste que, como sabemos, encontrará oposição até dentro do Palácio do Planalto.
Outro será escrito novamente no Congresso Nacional. Num cenário provável em que Lula vete total ou parcialmente o texto, os vetos terão de ser ratificados pelo Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Até lá, é preciso aumentar a pressão sobre os parlamentares, mesmo que não haja sinais de uma alteração significativa na correlação de forças.
Uma vez derrubados os vetos de Lula, o terceiro episódio será escrito no Supremo Tribunal Federal, já que o projeto é eivado de inconstitucionalidades e será objeto de judicialização no instante seguinte à sua aprovação. Trata-se, portanto, de uma nova etapa de mobilização, que passará a ser endereçada não mais ao mundo da política, mas aos ministros e ministras da Suprema Corte.
O movimento socioambiental pode vencer essa batalha em pelo menos dois momentos – o veto presidencial e o acolhimento total ou parcial de uma ação no STF –, mas para isso precisa estar altamente mobilizado. A convocação de manifestações nos próximos finais de semana é um bom sinal.
Não é possível vencer essa guerra apenas fazendo pressão nas redes sociais ou engajando personalidades. É preciso constituir um amplo movimento em defesa das leis ambientais no Brasil. Disso depende não só o sucesso da COP30 e do próprio governo Lula, mas o futuro do país.
Por fim, é preciso que os setores democráticos e populares não vacilem. É hora de todos os partidos de esquerda e centro-esquerda, movimentos sociais, influenciadores progressistas, e mídia independente engrossarem esse coro. Quem fizer corpo mole diante dessa luta assinará seu atestado de servidão ao que há de pior na política e na sociedade brasileiras. Será sócio do atraso e da morte. E deverá ser cobrado como tal.
*Historiador, Cientista Político, diretor do Instituto Futuro e comentarista no ICL Notícias.
Fonte: ICL Notícias
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