Por Cleber Lourenço
A manifestação liderada por Jair Bolsonaro neste domingo (6), em defesa da anistia para os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro, teve efeito contrário ao esperado por seus articuladores. Em vez de ampliar o apoio parlamentar à proposta, o ato escancarou as divisões internas na Câmara dos Deputados, intensificou pressões sobre lideranças políticas e provocou preocupação com a segurança institucional. O movimento, que mobilizou milhares de apoiadores na Avenida Paulista, agravou a crise em torno da tramitação do projeto de anistia, colocando o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) no centro do conflito.
Até a semana passada, Motta era apontado como peça-chave na articulação da pauta dentro da Câmara. No entanto, sua posição isso mudou e ele se tornou alvo preferencial de grupos bolsonaristas em redes sociais e aplicativos de mensagens. Monitoramentos detectaram uma escalada da agressividade no tom das mensagens, que passaram de cobranças e críticas a ataques diretos, acusações de traição e insinuações conspiratórias. Segundo integrantes da Câmara dos Deputados e próximos de Motta, esse material chegou diretamente ao conhecimento do presidente da Casa e gerou incômodo.
As mensagens coletadas incluem postagens como “Hugo Motta: de aclamado a persona non grata para o bolsonarismo” e “Hugo Motta envergonha o povo da Paraíba”, além de teorias que sugerem ligações com investigações: “Operação da PF e Hugo Motta, tudo conectado. É difícil acreditar em coincidência em Brasília”. Outra mensagem convocava a militância: “O presidente da Câmara, Hugo Motta, precisa pautar urgentemente a ANISTIA e corrigir essa injustiça!”. As publicações foram rastreadas em grupos de WhatsApp e geraram alerta na área de segurança da presidência da Câmara.
O tom das mensagens mistura pressão política, desinformação e incitação. Em uma delas, compartilhada em canais abertos, Motta é descrito como “um comunista pior que PSOLista segundo o refugiado dos EUA”. Há também conteúdo inflamado como “O julgamento final, o fim da era”, em referência à necessidade de pautar a anistia e pressionar o Congresso. A escalada verbal, segundo fontes com acesso à Mesa Diretora, levou a preocupações com a segurança institucional e pessoal do parlamentar. Embora ainda não haja ameaças diretas, a frequência e intensidade dos ataques virtuais acenderam o sinal de alerta.
A radicalização do discurso nos canais bolsonaristas reflete uma mudança de estratégia após a manifestação. O foco que antes era direcionado quase exclusivamente ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, se deslocou para lideranças políticas do Congresso, especialmente aquelas vistas como obstáculos à anistia. Esse redirecionamento de hostilidade tem gerado desconforto mesmo entre parlamentares do PL e de partidos aliados, que consideram a escalada como um risco à estabilidade institucional da Câmara.

Mensagens em grupos de mensagens bolsonaristas
Malafaia provocou Hugo Motta
Durante o ato, ao se referir ao presidente da Câmara, o pastor Silas Malafaia disse: “Se Hugo Motta está assistindo isso aqui, que ele mude. Pois você está envergonhando o honrado povo da Paraíba”. A fala do pastor foi feita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos beneficiários de uma eventual anistia.
Não seria a primeira vez que Motta é alvo do núcleo do bolsonarismo, dois dias antes o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também expressou descontentamento com Hugo Motta. Em entrevista, Eduardo disse: “ele [Motta] tem falado basicamente igual um esquerdista do PSOL, falando que é contra a anistia, democracia, e aquelas questões todas que estamos acostumados a ouvir da boca de Lula e dos puxadinhos do PT”.
Em entrevista ao ICL Notícias o líder da bancada petista na Câmara, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou que, após os ataques feitos contra o presidente da Câmara, no ato da avenida paulista, “a chance do Hugo Motta pautar isso [o PL da anistia] é zero”.
A definição sobre o destino da proposta depende da reunião de líderes partidários marcada para esta semana. Duas alternativas estão em análise: a criação de uma comissão especial para discutir a proposta sem previsão de votação a curto prazo, ou o protocolo de um requerimento de urgência para votação direta no plenário. A segunda hipótese, segundo fontes, conta com apoio de uma ala que deseja encerrar a discussão de forma definitiva. Nesse cenário, a expectativa é que a urgência seja aprovada, mas o mérito rejeitado, sepultando politicamente o tema, tal como ocorreu com o projeto do voto impresso em 2021.
Apesar disso, protocolar o requerimento de urgência não garante sua inclusão automática na pauta. Essa decisão cabe exclusivamente ao presidente da Câmara. Caso opte por não pautá-lo, a votação só ocorreria por meio de requerimento extra pauta, o que exige apoio formal de dois terços dos deputados — número que dificilmente seria alcançado. Essa limitação técnica tem sido usada como barreira para conter o avanço da proposta.
Motta, por sua vez, tem evitado se vincular a qualquer das duas soluções. Fontes próximas relatam que ele avalia a instalação de uma comissão especial como um caminho para atender à base mobilizada sem comprometer a estabilidade política da Casa. Essa alternativa permitiria que parlamentares próximos do bolsonarismo continuassem tratando do tema, mantendo a pauta viva do ponto de vista simbólico, mas sem o risco de derrota formal em plenário. O objetivo, segundo esses interlocutores, não é aprovar o texto, mas manter a militância engajada.
No Senado, a proposta enfrenta resistência ainda maior. Diversos senadores têm manifestado reserva quanto à legalidade e à repercussão de uma eventual anistia, especialmente diante da jurisprudência construída pelo STF. A avaliação predominante é que o texto, mesmo se aprovado na Câmara, não teria ambiente político para prosperar na outra Casa.
A proposta de anistia segue como bandeira central do bolsonarismo, mobilizando parte relevante da militância e de sua bancada, mas sem perspectiva concreta de aprovação. Para o núcleo duro da oposição, o projeto tem valor mais simbólico do que legislativo. Ele serve como ferramenta de pressão e fidelização da base, além de funcionar como termômetro para medir o alinhamento e a lealdade de deputados e senadores.
Fonte: ICL Notícias