Por Italo Nogueira
(Folhapress) – A gestão Cláudio Castro (PL) reativou um banco privado, tido como extinto há seis décadas, que disputa a titularidade de precatório estimado em mais de R$ 1 bilhão a ser pago pelo Governo do Rio de Janeiro.
A empresa, que também reivindica a propriedade de áreas na zona oeste da capital fluminense, escolheu como diretora jurídica Mariana Felippe, atualmente responsável pela regularização fundiária no Iterj (Instituto de Terras do Rio de Janeiro), do governo estadual. Ela é casada com o deputado estadual Jorge Felippe Neto (Avante), aliado de Castro.

Jorge Felippe Neto (Avante) e Mariana Felippe.
O movimento envolveu a Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerja), da gestão Castro, que contrariou parecer da Procuradoria do Estado contra a reativação. Uma das atas de assembleia arquivadas no órgão fala de “grande quantidade de negociações e tratativas políticas” envolvendo a empresa.
O Ministério Público determinou à Polícia Civil a instauração de um inquérito sobre a atuação de agentes públicos no caso. Órgão do governo federal anulou a reativação, considerando a empresa extinta. A decisão, porém, está suspensa para análise de recurso.
Em nota, o governo estadual afirmou que “na gestão Cláudio Castro não houve qualquer tipo de favorecimento” ao banco reativado. Declarou também que Mariana não tomou posse no cargo da empresa e segue como diretora do Iterj.
A ação gira em torno do antigo Banco de Crédito Móvel, instituição considerada extinta desde 1964 quando era dona da área que abrange Barra da Tijuca, Recreio e Vargem Grande. A região é hoje foco da expansão imobiliária com forte disputa de terras, em alguns casos envolvendo milícias.

Ação gira em torno do antigo Banco de Crédito Móvel, instituição considerada extinta desde 1964. (Foto: Reprodução)
Um grupo buscou reativar os registros do banco na Jucerja sob o nome BCM Ativos Imobiliários, a fim de obter o controle dos terrenos que alega serem seus. Duas dessas áreas foram desapropriadas na década de 1960 e geraram precatórios (títulos de dívidas do Estado) avaliados em mais de R$ 1 bilhão, valor que os envolvidos também reivindicam.
Os precatórios estão atualmente em nome dos herdeiros de Holophernes Castro e Pasquale Mauro, antigos sócios do banco que assumiram grande parte dos terrenos após sua dissolução.
A regularidade da propriedade atribuída a eles também é alvo de questionamentos, embora tenham obtido ao longo dos anos vitórias judiciais. Em 2024, a Procuradoria-Geral do Estado alegou fraude nos registros dos imóveis desapropriados e conseguiu liminar para suspender o pagamento do precatório. Os herdeiros negam irregularidades.
A ação da PGE também teve como alvo o BCM, mas os herdeiros da dupla tentam tirar a empresa do processo. A presença em ações judiciais é um dos argumentos dela para questionar a real extinção do banco em 1964.
O movimento começou em 2016, quando Heitor Castro, filho de Holophernes, se juntou a um grupo de advogados e empresários para reativar o banco. Para isso, se considerou único sócio com direito sobre a instituição e questionou sua real extinção, alegando que ela ainda era alvo de processos envolvendo terrenos.
O grupo conseguiu arquivar na Jucerja em 2018 uma ata de assembleia com os sócios do BCM e obteve CNPJ na Receita Federal. A Justiça determinou, a pedido dos outros herdeiros, o cancelamento do registro no Fisco.
Heitor Castro morreu em 2018, mas seus sócios no BCM continuaram a ação. Alguns chegaram a ser indiciados sob suspeita de falsidade ideológica, mas a Justiça arquivou o caso em 2022.
Foram realizadas outras três assembleias do BCM a partir de 2022. A Jucerja arquivou duas atas, contrariando posicionamento da Procuradoria do Estado, que alegou não ser possível movimentar o banco após a ordem judicial de 2018.
A Jucerja é área de influência do deputado estadual André Corrêa (PP), aliado de Castro, que indicou o ex-assessor Sérgio Romay para presidir o órgão. Ele nega interferência no caso.
A última assembleia, de maio de 2023, criou a Diretoria de Assuntos Estratégicos e Institucionais em razão “da grande quantidade de negociações e tratativas políticas que envolvem a companhia e que se mostram cada vez mais crescente”.
Ela também registrou a aceitação de Mariana Felippe ao cargo. Seu marido, deputado estadual, é neto do vereador Jorge Felippe (PP), ex-presidente da Câmara Municipal.
O encontro também decidiu pela transferência do banco para Brasília. A empresa registrou a ata da assembleia de 2023 na Junta Comercial do DF e recebeu novo CNPJ. A Justiça determinou nova cassação do registro na Receita.
Em fevereiro deste ano, a Diretoria Nacional de Registro Empresarial e Integração, da União, determinou a revogação dos arquivamentos das atas do BCM. Na terça-feira (25), os efeitos da decisão foram suspensos para análise de recurso.
Não houve qualquer tipo de favorecimento, diz gestão Castro
A gestão Castro negou favorecimento à empresa BCM.
“A PGE ingressou com uma ação civil pública na qual obteve liminar do TJ, determinando a suspensão de qualquer levantamento de depósito de precatórios ao banco. Portanto, na gestão Cláudio Castro não houve qualquer tipo de favorecimento ao BCM”, diz a nota.
“Desde 2018, o CNPJ do banco é considerado nulo na Receita. Na última semana, o governo federal determinou a extinção da empresa na Jucerja, que está trabalhando para cumprir a decisão”, declarou.
A gestão Castro disse ainda que Mariana Felippe não foi empossada no BCM.
“Ela segue atuando no Iterj, que trabalha exclusivamente com a regularização fundiária de interesse social voltada para moradias populares, compreendendo famílias que recebem até 5 salários mínimos, conforme lei federal, atividade completamente destoante da exercida pelo BCM, que negocia áreas nobres da cidade”, diz a nota.
Felippe Neto disse que não se envolveu com o tema da empresa.
Correa negou ter interferido na Jucerja. “Não tenho o poder de defender registro de atas e não o fiz. Desconheço detalhes do tema.”
Romay disse que o tema está judicializado e não iria se pronunciar.
O BCM declarou que é a nova razão social do Banco de Crédito Móvel desde 2018 e que os questionamentos ocorrem em “razão das barbáries ilegais e criminosas que se enfrentam”. A empresa disse que suspeitas sobre suas articulações políticas é “de quem vê perder sua influência, seu poder”.
A empresa também afirmou que escolheu Mariana como diretora jurídica porque ela é excelente profissional e “estava insatisfeita com o cargo que ocupava no governo, do qual iria se afastar”. Negou que seu vínculo com o deputado tenha influenciado na indicação.
Os herdeiros de Pasquale afirmaram, em nota, que o banco foi liquidado extrajudicialmente em 1964, “sendo ilícita qualquer tentativa de recriação de uma companhia extinta e sem sucessores”.
Em relação à ação da PGE, disseram que a “alegação de fraude é uma tentativa do Estado de desonerar-se da obrigação de pagar precatório judicial expedido em virtude de desapropriação já transitada em julgado”.
“Nos autos do processo, foi esclarecido pelo oficial do registro de imóveis competente que a fraude alegada é absolutamente infundada, correspondendo a simples erro material”, afirmaram.
Fonte: ICL Notícias