Por Fabiana Alves e Laura Kotscho
Em seus discursos defendendo sobretaxas na relação comercial com o México, o presidente Donald Trump responsabilizou o país pela crise de opioides vivida nos Estados Unidos. A substância ganhou notoriedade por causar uma crise de saúde pública em território norte-americano. Segundo a ONU, os opioides são responsáveis por 66% das mortes relacionadas ao uso de drogas, com cerca de 53 milhões consumidores em todo o mundo (UNODC, 2019a).
Diante desse cenário, autoridades e organizações têm intensificado esforços para alertar sobre os perigos do fentanil, um tipo de opioide sintético com efeito analgésico e anestésico. Uma pequena quantidade da substância pode levar à overdose, e ela costuma ser consumida misturada com outros remédios de ilegalmente.
A DEA (Agência de Combate às Drogas dos EUA) lançou a campanha “One Pill Can Kill” (Uma Pílula Pode Matar), destacando que seis em cada dez pílulas falsas analisadas em 2022 continham uma dose letal de fentanil. Essas pílulas são produzidas principalmente por cartéis mexicanos, como o Cartel de Sinaloa e o Cartel de Jalisco, e são quase indistinguíveis de medicamentos legítimos.
O professor e doutor em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Mauricio Yonamine, que realizou diversos estudos sobre o uso e efeito das drogas nos seres humanos, responde a algumas dúvidas sobre o fentanil :
ICL Notícias — O que é o fentanil? Há diferença entre o farmacêutico e o vendido ilicitamente?
Mauricio Yonamine — O fentanil é um opioide sintético, utilizado para tratar a dor aguda e crônica. É um potente analgésico, sendo cerca de 100 vezes mais potente que a morfina. A diferença entre o medicamento e a droga vendida ilicitamente é que o medicamento passa por controle de qualidade rigoroso e a droga ilícita pode conter não somente o fentanil, mas outros adulterantes e substâncias nocivas.
Como o fentanil age no corpo? Quais os efeitos do uso a longo prazo?
O fentanil se liga aos receptores opioides do cérebro e na medula espinhal, que são responsáveis pela percepção da dor. Ao mesmo tempo, o fentanil também promove a liberação de grande quantidade de dopamina no cérebro, um neurotransmissor associado à recompensa e prazer.
Ele pode causar depressão respiratória, redução da pressão arterial e frequência cardíaca, constipação, náuseas e vômitos. O uso em longo prazo pode provocar tolerância, ou seja, com o passar do tempo de uso, doses maiores são necessárias para induzir o mesmo efeito analgésico. Esse fenômeno contribui para a instalação da dependência à droga.
Quais são os principais sinais de uma overdose por fentanil?
Os sinais inicias da overdose por fentanil incluem letargia, confusão mental e dificuldade de fala. Com o passar do tempo, a pessoa pode ter dificuldade para respirar, apresentar cianose, progredindo para perda de consciência, parada cardíaca e morte.
O fentanil é mais perigoso que as outras drogas?
É difícil a comparação, pois cada droga apresenta mecanismos diferentes. Contudo, pode-se afirmar que o potencial de causar dependência e morte é muito grande com o fentanil.
O que é a “síndrome do peito de madeira”?
A chamada “síndrome do peito de madeira” é uma condição rara e grave em que a pessoa exposta ao fentanil apresenta rigidez na musculatura esquelética torácica, tornando difícil ou impossível a expansão pulmonar e, consequentemente, a respiração.
Há uma dose letal de fentanil? as formas diferentes de administração (inalação, injeção, etc.) influenciam sua toxicidade?
Estima-se que a dose letal seja em torno de 3 mg. Contudo, pode variar de acordo com idade da pessoa, condição pré-existente (por exemplo, pessoas com doenças respiratórias ou cardíacas) e a via de administração. A via injetada e a via inalatória tendem a promover maior rapidez de efeitos e, por isso, são vias com maior potencial de gerar efeitos tóxicos.

A dose letal de fentanil
O que acontece quando se mistura fentanil com outras drogas?
É muito difícil prever, pois depende da droga ou drogas que estão sendo misturadas com o fentanil, além das quantidades adicionadas. O certo é que, se o fentanil já é perigoso quando administrado isoladamente, os efeitos tendem a se potencializar com a administração concomitante a outras drogas.
O que tem causado a crise de overdose global?
A crise de opioides global é um problema complexo com várias causas subjacentes. Uma das principais causas foi a superprescrição de opioides para o tratamento da dor crônica, impulsionada por uma indústria farmacêutica nos Estados Unidos na década de 1980. Assim, muitas pessoas que começaram a usar opioides para tratar a dor crônica acabaram por se tornar dependentes e procuraram obter opioides ilegais, como a heroína e o fentanil, quando não conseguiram obter prescrições.
Qual o nível de disseminação do fentanil no Brasil?

Frascos de fentanil apreendidos em Cariacica, Grande Vitória, ES
No Brasil temos alguns dados de apreensão dessa droga pela Polícia. Contudo, parecem ser apreensões pontuais. Isso não significa que estamos seguros. Precisamos de monitoramento constante, pois já temos conhecimento suficiente e exemplos do perigo e potencial devastador dessa droga.
Existem tratamentos para dependência de fentanil?
A dependência não tem cura, mas há tratamento sim. O tratamento geralmente envolve a retirada gradual do fentanil e administração de metadona, que ajuda a gerenciar os sintomas de abstinência e o desejo de retornar ao uso da droga. Tratamentos psicológicos como terapia cognitivo-comportamental e terapia de grupo também têm sido utilizados.
Conheça a origem do fentanil
O fentanil foi sintetizado pela empresa belga Janssen Pharmaceutica no final dos anos 1950, devido a busca por um analgésico potente e de rápida ação. Em 1963, ele foi registrado na Europa e, cinco anos mais tarde, nos Estados Unidos, como um analgésico intravenoso.
Crescimento na América do Norte
A utilização excessiva do fentanil, que ia além da necessidade médica, se iniciou entre aqueles que possuíam fácil acesso à droga: médicos, enfermeiras e outros. Porém, houve um enorme aumento entre aqueles que já utilizam outras drogas, meio em que o abuso se tornou epidemiológico e ainda mais preocupante.

Usuários de fentanil costumam ficar curvados devido ao enfraquecimento motor, ao relaxamento muscular extremo e a ida e vinda da consciência. É comum que eles não consigam mais ficar eretos pelo tempo que passam encurvados. (Foto: reprodução X)
Medidas de controle
O controle do consumo excessivo de fentanil é uma preocupação global, e medidas internacionais têm sido estabelecidas para regular seu uso. A Convenção Única sobre Entorpecentes das Nações Unidas (ONU), de 1961, estabeleceu as bases do atual regime internacional de controle de substâncias. Essa convenção criou listas de drogas com diferentes graus de restrição, variando desde a proibição total da comercialização até o uso médico controlado. O fentanil, um opioide sintético altamente potente, já está incluído nessa lista desde 1964, o que demonstra o reconhecimento precoce dos riscos associados ao seu uso indevido.
Nos Estados Unidos, a administração Biden-Harris adotou medidas para combater a crise de overdose de opioides, incluindo o fentanil. Foram implementadas ações para ampliar o acesso a medicamentos que revertem overdoses, como a naloxona.
No âmbito legislativo, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou, em dezembro de 2023, o Support for Patients and Communities Reauthorization Act (H.R. 4351) Essa lei reautoriza e modifica programas até o ano de 2028, abordando questões como: o uso e o abuso de substâncias, incluindo coleta de dados, educação e vigilância, subsídios e apoio para prevenção, tratamento e recuperação de Transtornos por Uso de Substâncias (TUS), programas de reembolso de empréstimos estudantis e capacitação da força de trabalho especializada em TUS e iniciativas para lidar com traumas, especialmente em crianças, jovens e suas famílias.
A combinação de regulamentações globais, políticas públicas e investimentos em tratamento e prevenção demonstra um esforço coordenado para reduzir o consumo excessivo e os danos associados a essas drogas. No entanto, a eficácia dessas ações depende da implementação consistente e do apoio contínuo de governos, instituições e comunidades para garantir que os recursos e estratégias alcancem aqueles que mais precisam.
Fonte: ICL Notícias