Exército mente quanto a existência de documentos sobre acampamentos golpistas

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Por Cleber Lourenço

Desde novembro de 2022, o Exército Brasileiro adota uma postura sistemática de recusa ao acesso público de documentos que tratam dos acampamentos golpistas montados em frente a quartéis militares após o segundo turno das eleições presidenciais. Esses acampamentos, em sua maioria instalados diante de unidades do Exército em capitais e grandes cidades, funcionaram como núcleos de radicalização e de apoio logístico a atos que culminaram na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. Apesar da repercussão nacional e do envolvimento de diversos órgãos de segurança, a Força Terrestre insiste em negar, por vias administrativas, o acesso à documentação que produziu ou recebeu sobre o tema.

Pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) vêm sendo respondidos com alegações inconsistentes, contraditórias e, como agora se comprova, falsas. Documentos analisados pela reportagem mostram que os requerimentos começaram ainda em 11 de novembro de 2022. No primeiro deles, registrado sob o número 60143009582022419, o Exército alegou inexistência de qualquer documentação sobre o tema. Isso ocorreu quando os acampamentos já estavam montados em diversos estados e sendo monitorados por órgãos de inteligência federais e estaduais.

Em outro pedido, datado de janeiro de 2023 (60143000979202352), a Força reconheceu a existência de decisões judiciais que motivaram a desmobilização do acampamento instalado em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília, mas evitou revelar qualquer informação sobre a operação em si, os responsáveis, ou as orientações internas da Força sobre a resistência dos acampados ou a atuação da Polícia Militar do Distrito Federal na área militar.

Durante o ano de 2023, a negativa foi se sofisticando. Em 24 de janeiro (601430006585202313), o Exército declarou que não poderia fornecer relatórios do Centro de Inteligência do Exército (CIE) por estarem sob sigilo, com base na Lei nº 9.883/1999, que rege o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Já em 17 de junho (60143003970202369), argumentou que os documentos estariam sob guarda da Polícia Federal por conta de inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal, o que impediria seu compartilhamento com o público. A inconsistência se aprofunda em outro pedido, datado de 30 de março (60143002147202336), quando a resposta foi de que os documentos sequer existiam. Em diferentes momentos, portanto, o Exército afirmou que não tinha os documentos, que eles existiam mas eram sigilosos, ou que estavam sob custódia de outro órgão.

Em novembro de 2024, uma nova solicitação foi enviada sob o número 60143005250202419. Nela, o requerente pediu apenas documentos já consolidados junto ao Comando do Exército e ao CIE, solicitando relatórios, pareceres e registros administrativos sobre os acampamentos. A resposta, porém, foi que o pedido era “desproporcional”, pois envolveria mais de 670 unidades militares. Esse argumento foi reiterado mesmo após o pedido ser explicitamente restringido às duas instâncias centrais em Brasília, sem qualquer menção a unidades subordinadas. O caso seguiu em recurso até a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), instância máxima recursal prevista na LAI.

Exército

Acampamento golpista

Exército infringe princípio da transparência

O que torna o caso mais grave é que a Procuradoria-Geral da República, em denúncia oferecida ao STF no âmbito das investigações sobre os organizadores da tentativa de golpe, revelou a existência de um documento produzido pela própria Força. Trata-se do relatório intitulado “Eventos Relevantes Pós 2º Turno das Eleições de 2022”, elaborado pela 7ª Companhia de Inteligência do Exército e compartilhado com outras instâncias militares no dia 5 de janeiro de 2023. O conteúdo, segundo a PGR, confirma que os militares acompanhavam, registravam e avaliavam os impactos políticos e operacionais dos acampamentos.

Ou seja, mesmo diante de um documento formal, datado e localizado — produzido dentro da própria estrutura militar — o Exército mentiu reiteradamente em suas respostas à sociedade. Essa postura viola os princípios de transparência e publicidade previstos no artigo 37 da Constituição Federal e também infringe dispositivos centrais da própria Lei de Acesso à Informação, que prevê a obrigatoriedade de fornecimento de dados públicos, mesmo que parcialmente, e veda a negativa injustificada ou genérica.

A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por julgar recursos em pedidos de acesso, tem reiterado que alegações de desproporcionalidade devem ser justificadas com precisão e acompanhadas de sugestões alternativas, como o fornecimento de parte da informação solicitada, consulta in loco ou prazos escalonados de resposta. Em diversas decisões anteriores, a CGU também já afirmou que a simples existência de inquérito ou de sigilo não exime o órgão de avaliar qual conteúdo pode ser divulgado de forma parcial, com tarjas ou resumos, conforme prevê a LAI.

A recusa sistemática, acompanhada agora de uma confirmação oficial de que os documentos existem, expõe o Exército a uma crise de credibilidade institucional. Além de negar documentos produzidos com recursos públicos e de interesse evidente à sociedade, a Força demonstra que pode ter agido com dolo ao prestar informações falsas no âmbito de uma política pública de acesso à informação.

A existência do relatório da 7ª Companhia já coloca o governo federal em uma situação delicada: ou força o Exército a cumprir a lei e revelar ao menos parte do conteúdo, ou se omite diante de uma das mais graves recusas institucionais à transparência desde a sanção da LAI em 2011.



Fonte: ICL Notícias

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