Escritora é alvo de intolerância após apresentar livro sobre cultura africana em escola de RO

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Por Gabriel Gomes

Mãe Zeneida de Navê (Zeneida Martins Azevedo), escritora rondoniense, líder religiosa e autora do livro infantil, “Meu Terreiro, Meu Axé”, tem sido alvo, nos últimos dias, de uma campanha de intolerância religiosa,  com ataques de parlamentares da extrema direita de Rondônia, após realizar uma apresentação da obra na Escola Municipal Joaquim Vicente Rondon, em Porto Velho, capital do estado. A escritora também recebeu comentários preconceituosos e ameaças nas redes sociais.

A obra “Meu Terreiro, Meu Axé” é protagonizada por Alice, uma menina preta de 10 anos que compartilha sua vivência dentro do terreiro, espaço que frequenta com sua mãe, Nochê da Casa.

“Tenho sofrido ataques de cunho racista e preconceito religioso, estando temerosa pelo risco de morte que estou correndo. Desde o lançamento do livro, me chegaram mensagens racistas e preconceituosas. As coisas se intensificaram na segunda-feira, dia 24 de março, quando minhas redes sociais e a rede social da produtora do livro passaram a ser atacadas, não só tentaram derrubar minhas contas, como também encheram de comentários ofensivos, preconceituosos, racistas e intimidadores”, publicou Zeneida nas redes sociais.

Após a apresentação da líder religiosa na escola municipal, uma vereadora da extrema direita de Porto Velho, Sofia Andrade (PL), subiu à tribuna da Câmara e apresentou um projeto para “assegurar aos pais e responsáveis legais o direito de serem previamente informados sobre atividades de cunho religioso nas escolas” da cidade. Nas redes sociais, a parlamentar gravou um vídeo expondo Mãe Zeneida e classificando a apresentação do livro como “evento de cunho religioso”. “O Estado é laico, mas eu sou cristã”, afirmou a vereadora.

“Não podemos ser afrontados dentro do município de Porto Velho. Estou aqui defendendo nossas crianças e as famílias. Precisamos de responsabilidade nas escolas para garantir que os pais sejam previamente informados e autorizem ou não a participação dos filhos em eventos religiosos, sejam eles palestras, cultos ou festas”, disse a parlamentar no vídeo. O deputado estadual de Rondônia, Eyder Brasil, correligionário de Sofia Andrade no Partido Liberal (PL), também publicou um vídeo, com falas preconceituosas, em suas redes, sobre o caso.

A apresentação de Mãe Zeneida na escola, segundo o advogado que a representa, dialogava com a Lei 10.639, que estabelece que, no ensino fundamental e médio, deve-se ensinar a história e a cultura africana, assim como a história e a cultura dos afro-brasileiros.

“Mãe Zeneida estava na escola para fazer cumprir a lei 10.639. Ensinar um pouco do que acontece dentro dos terreiros não é ensinar religião, mas sim a cultura de um povo. Ensinar religião afro-brasileira é fazer cumprir a legislação”, afirma Vitor Noé, advogado que representa Mãe Zeneida. A defesa tomará todas as “medidas cabíveis em todas as esferas”.

“Basta uma breve leitura no livro escrito pela Mãe Zeneida que você vai ver que não tem nada que possa incitar ou convidar alguém a fazer parte da religião”, completa o advogado.

 

Diante dos ataques, a “Casa das Minas Cabocla Mariana e Nochê Navezuarina”, comandada por Zeneida, organizou um ato, na tarde desta segunda-feira (31), em frente a Câmara Municipal de Porto Velho, contra o racismo e a intolerância religiosa.

“O livro, lançado no último dia 21, objetiva conscientizar e desmistificar o espaço de terreiro, a fim de promover uma sociedade mais tolerante. Não há qualquer conteúdo na obra ou página que remetam a qualquer forma de conversão. O livro é destinado a crianças, pois acredita-se que uma sociedade mais justa será possível a partir delas e da educação que lhes é ofertada”, diz em nota a “Casa das Minas Cabocla Mariana e Nochê Navezuarina”.

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Zeneida Martins Azevedo, autora do livro infantil “Meu terreiro, meu axé”. (Foto: reprodução)

O colunista do ICL Notícias Ivanir dos Santos, um dos principais opositores do racismo e da intolerância religiosa no Brasil, classificou as iniciativas e declarações dos parlamentares como “inaceitáveis”. Diversos grupos e setores, representando as comunidades afro-brasileiras, vieram à público manifestar nota de repúdio à atitude intolerante da vereadora Sofia Andrade.

“É inaceitável que iniciativas como essas busquem silenciar e invisibilizar a história do Brasil. As culturas das comunidades afro-brasileiras são essenciais para a preservação da memória e da identidade negra em nosso país. A intolerância religiosa, que é crime, e a imposição de censura são atitudes que não devem ser toleradas em uma sociedade democrática e plural. Vivemos em um país laico!”, declarou Ivanir dos Santos.

O projeto do livro de Mãe Zeneida de Navê foi contemplado com recursos da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar n.º 195/2022), por meio do Edital de Chamamento Público n.º 003/2023/FUNCULTURAL – Prefeitura de Porto Velho-RO, de incentivo à cultura e à literatura infantil.

Abaixo-assinado em favor da escritora

Diante dos ataques, foi criado um abaixo-assinado em defesa da escritora Zeneida Martins Azevedo e contra a intolerância religiosa. O documento está disponível para assinatura na internet.

“Manifestamos nosso repúdio e indignação diante dos atos de racismo, intolerância religiosa, terrorismo religioso e ameaças sofridos pela escritora Zeneida e também líder religiosa do Tambor de Mina, em decorrência da publicação e distribuição de seu livro de literatura infantil na Escola Municipal Joaquim Vicente Rondon”, diz.

Mãe Zeneida de Navê sofreu ataques de parlamentares da extrema direita de Rondônia; Escritora tem sido alvo de comentários preconceituosos e ameaças nas redes sociais

O abaixo-assinado pede a apuração rigorosa dos fatos, garantia da segurança da Mãe de Santo, promoção do respeito à diversidade religiosa e apoio à produção cultural afro-brasileira.

“Acreditamos que a literatura infantil é uma ferramenta poderosa para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, e que a diversidade cultural e religiosa deve ser celebrada e respeitada. Acreditamos que a Nochê Zeneida de Navêzuarina exerceu seu direito à liberdade de expressão e à promoção da cultura afro-brasileira, e que os ataques que sofreu são inaceitáveis e merecem o repúdio de toda a sociedade”.





Fonte: ICL Notícias

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