DEPOIS DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS!
Vamos sambar que o samba contagia! Vamos sambar que o samba é alegria, poesia e melodia, mas “fazer samba não é contar piada”¹ e para os sambistas de profissão, é uma forma de oração que precisa de muita devoção e sacrifício. O sambista não é sambista só porque quer, é sambista porque esse é o seu dom e a sua sina, ele sorri quando canta ou toca, se regozija quando ouve a canção que compôs, sente que cumpriu bem o seu oficio, vendo todo mundo sambando e tentando esquecer por um instante as adversidades da vida, o sambista é um arauto da felicidade, que vai deixando a sua marca nos passos incertos do seu gingado, pelas vielas e becos, pelas ruas, passarelas e pelos palcos da vida.
O sambista fica triste por um segundo e quando chora, chora no escuro. Muitas vezes não entende o mundo e o que vai descobrindo, vai colocando no papel, faz do instrumento o seu escudeiro fiel, tem na fé a sua espada contra a maldade, no amor a sua inspiração e na amizade o seu combustível para a felicidade, a sua sorte desafia a razão, é sangue bom e tem um grande coração, o que não impede de ter suas aflições, quando chora, chora no escuro e fica triste por um segundo, pois se tem o samba como sua única fonte de renda, tem que voltar a sorrir, cantar rouco, tocar com febre, cobrar pouco, ouvir discurso e depois de cinco saideiras, ainda ficar devendo a “expulsadeira”.
Todo sambista é famoso, na sua rua, na sua quebrada, no seu circulo de amizades. Alguns são famosos na sua cidade, no seu estado, no Brasil e no mundo. Não importa a patente, é gente da gente, quando tem aquela feijoada solidária, pode contar com ele, inauguração, aniversário e despedida, pode contar com ele, ele chega chegando, vai logo animando, é cavaquinho, surdo e pandeiro, tantã e tamborim, repique, cuíca e agogô, banjo e chocalho, o sambista é uma bateria inteira, é o diretor, o compositor, o ritmista e o mestre-sala, se precisar, pode contar com ele, pode contar com ele sempre e se ele, por acaso, não aparecer, foi por motivo de força maior, um chamado divino para aliviar uma dor, ou repentino, para nos encher de saudade….
“Quem rezar por mim que o faça sambando…”². Nós obedecemos aos prantos, com os olhos fitando o vazio do tempo, sem entender, sem acreditar. Aceitamos o inevitável, não temos como contestar, o surdo faz a marcação do último desfile, o cavaco chora e a cuíca agoniza, as lembranças são tão atuais, parece que foi ontem, mas não foi! Nunca, em tão pouco tempo, o coração ficou tão dolorido! A causa machuca! Aquela sensação de que tudo poderia ter sido evitado, é real, a incerteza paira no ar com a sua ausência, quem proverá o pão de cada dia da sua família, vai faltar um acorde na melodia da vida, aquela sua canção preferida, uma frase na nossa poesia, o apito para comandar o rufar da bateria….
“Finda o carnaval com suas cores, transformando-se em dores e cinza é o que restou…”³, mas depois dessa quarta-feira de cinzas, com o peito cheio de cicatrizes, somos obrigados a nos recompor, com a responsabilidade de honrar a memória dos que partiram, pela sua dedicação e contribuição ao samba e cuidar dos que precisam, pois dividir a dor, acalenta o coração.
A saudade é uma boa companheira, a lembrança que aqueles que partiram continuam vivos, cantando nos nossos ouvidos, sorrindo com as nossas piadas, alegres nas batucadas e românticos nas serenatas. Nós não veremos, mas eles estarão lá, ajudando a afinar os instrumentos antes do desfile na avenida, engrossando o coro nos arrastões do Morro, estarão nas rodas de samba, ora tocando o cavaco, ora tocando o violão, assoprando um verso no ouvido, que chamaremos de inspiração, não estaremos sozinhos na hora do brinde e sempre haverá mais uma canção, nas madrugadas, serão nossos anjos da guarda e durante o dia, uma boa energia que fará bem para alma.
A esses sambistas, a nossa gratidão!
Moraes, Vinicius de: Samba da Bênção;
Candeia: Testamento de Partideiro;
Rodrigues, Júnior / Vaz, Wander-Lãan: De volta ao samba