Das 10 entidades que mais arrecadam via folha do INSS, 5 atuam desde antes de 2023, aponta CGU

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Por Cleber Lourenço

Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), obtido pelo ICL Notícias, revela um esquema de convênios firmado entre o INSS e entidades associativas que operam com acesso direto à folha de pagamento de servidores ativos, inativos e pensionistas.

Segundo a CGU, essas entidades atuam sem comprovar finalidade pública e com diversos indícios de irregularidades estruturais, operacionais e jurídicas que colocam em risco o patrimônio público e os direitos dos servidores.

A auditoria foi conduzida com base em denúncias e análises de rotina do sistema de gestão de pessoas da Administração Pública Federal (SIAPE). Ao todo, foram identificadas 157 entidades com convênios ativos com o INSS. Destas, 96 foram analisadas em profundidade. Apenas uma minoria demonstrou possuir documentação regular, sede física real e práticas mínimas de transparência e governança.

A maioria das entidades funciona como clubes de benefícios, oferecendo vantagens como descontos em farmácias, planos odontológicos, serviços de assistência funeral, seguros de vida e até empréstimos consignados. De acordo com a CGU, essas atividades não se enquadram como de interesse público e tampouco justificam o uso da estrutura do Estado para facilitar sua arrecadação.

CGU

As associações se valem de convênios para realizar descontos diretos em folha dos contracheques dos servidores vinculados ao INSS. Segundo o relatório, os valores movimentados por essas entidades ultrapassam os milhões de reais mensalmente, sem que haja um controle efetivo por parte do órgão público. Os convênios são firmados com base em modelos padronizados, sem exigência formal de comprovação de representatividade ou de comprovação de que a entidade cumpre finalidade assistencial, cultural ou educacional, como exigido pela legislação.

A CGU aponta que muitas dessas entidades sequer têm CNPJ ativo na Receita Federal, apresentam endereços residenciais como sede e não prestam contas regularmente aos órgãos de controle. Há entidades que não realizam assembleias internas ou eleições há mais de uma década. Um dos casos destacados no relatório mostra que uma entidade permaneceu sob o comando do mesmo dirigente por 14 anos consecutivos, sem qualquer documento que comprove a realização de assembleias, atas ou mudanças de diretoria.

Conclusões da CGU

A ausência de autorização válida para os descontos também é considerada um dos pontos mais graves. A CGU identificou dezenas de casos em que servidores tiveram valores descontados de seus vencimentos sem qualquer tipo de anuência expressa. Em vários exemplos, os formulários de autorização não continham data, assinatura ou estavam digitalizados de forma genérica, dificultando a verificação da origem da autorização.

Além disso, os mecanismos de cancelamento dos descontos são falhos: muitos servidores relataram não conseguir sequer localizar ou identificar qual entidade estava promovendo os descontos, o que caracteriza uma violação ao direito básico de informação e consentimento.

Em meio a esse cenário, a CGU também verificou casos de conflito de interesse. Servidores ativos do próprio INSS figuram como presidentes ou representantes legais de entidades conveniadas. Em outras situações, os mesmos servidores participaram de trâmites internos relacionados à liberação ou renovação dos convênios em que as entidades tinham interesse direto. Essa sobreposição de papéis compromete a lisura dos processos administrativos e viola os princípios da impessoalidade e moralidade administrativa.

Segundo a CGU, o ambiente institucional dentro do INSS se mostra permissivo. O relatório menciona ausência de controles internos robustos, inexistência de critérios objetivos para aprovação de convênios e uma cultura de tolerância a práticas irregulares que, ao longo do tempo, consolidou a atuação dessas entidades na estrutura da autarquia.

A auditoria também identificou que em alguns casos havia sobreposição de convênios: servidores tinham descontos simultâneos de diversas entidades com objetos semelhantes, sem qualquer coordenação entre elas ou análise de compatibilidade. Há indícios de que algumas entidades compartilham bancos de dados de servidores para aumentar a base de associados sem consentimento prévio.

Entre as recomendações, a CGU propõe: a suspensão imediata dos convênios que não apresentem comprovação legal de finalidade pública; apuração individualizada da responsabilidade dos servidores envolvidos; a modernização e maior transparência no sistema de gestão de consignações; além do envio dos autos ao Ministério Público Federal, à Advocacia-Geral da União e à Corregedoria-Geral da União para apuração das possíveis responsabilizações civis, administrativas e penais.

A Controladoria também sugere que o Ministério da Gestão e da Inovação revise as normas que regulam o acesso à folha de pagamento da União, impondo critérios mais rigorosos e mecanismos de verificação documental e funcional das entidades proponentes.

Essas fragilidades não são recentes. O relatório aponta que desde 2019 órgãos de controle e o Ministério Público Federal vinham indicando irregularidades nos convênios do INSS com entidades associativas. Em novembro de 2023, a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS reforçou o alerta, apontando falhas estruturais e legais nos convênios vigentes. Apesar disso, o INSS manteve os contratos, ignorando recomendações técnicas e jurídicas.

Outro dado revelador é que, segundo a CGU, apenas 29% da amostra de beneficiários de descontos apresentava documentação completa. Em 71% dos casos, a documentação estava incompleta (32%) ou ausente (39%). Além disso, 76% das entidades não apresentaram contratos ou documentos que detalhassem os serviços prestados aos associados, evidenciando a ausência de controle sobre a natureza das contrapartidas oferecidas.

Mesmo com arrecadação expressiva, muitas dessas entidades não conseguiram comprovar possuir estrutura física ou capacidade operacional compatível com sua atuação nacional. A CGU destaca que esse descompasso entre atuação e infraestrutura é indicativo de que o sistema pode estar sendo usado como fachada para outras finalidades.

Auditoria realizada pela CGU

Em setembro de 2024, a Dataprev apresentou ao INSS uma nova solução tecnológica para registro e controle de autorizações de desconto. O sistema, porém, foi recusado pela direção do INSS, que optou por uma solução provisória menos segura e sujeita a falhas, permitindo a continuidade do modelo anterior. A CGU apontou que essa decisão contribuiu para manter um ambiente permissivo e de difícil fiscalização.

A auditoria também identificou fortes indícios de filiações em massa sem anuência individual, prática que, se comprovada, configura fraude contra o servidor público. Das 10 entidades que mais arrecadam via folha do INSS, 5 foram cadastradas antes de 2023, o que demonstra que a prática está consolidada e se mantém ativa mesmo após sucessivos alertas institucionais.

A expectativa, agora, é que os órgãos de controle e o Ministério Público atuem para garantir a responsabilização dos envolvidos e o fim do uso da folha de pagamento estatal como instrumento de arrecadação para entidades privadas com baixa transparência e finalidade duvidosa.



Fonte: ICL Notícias

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