Comando Militar do Planalto agiu como autoridade civil paralela para manter palanque golpista

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Por Cleber Lourenço

Uma série de ofícios obtidos pelo ICL Notícias revela que o Comando Militar do Planalto (CMP) assumiu, na prática, o controle administrativo e normativo da região do Setor Militar Urbano (SMU), em Brasília, durante os dois meses de ocupação golpista em frente ao Quartel-General do Exército (QGEx). Em documentos oficiais enviados a órgãos do GDF e a civis, o CMP determinava quem podia ou não permanecer na área, como deveria ser feito o controle de veículos, som e barracas, e tomava decisões semelhantes às de uma prefeitura. Essa postura configurou, na prática, uma gestão militarizada de um espaço público, sem qualquer base legal civil para tais determinações.

O acampamento em frente ao QG se consolidou não apenas como ponto de encontro de manifestantes, mas como um palanque permanente de discursos contra o resultado da eleição presidencial, sem qualquer tentativa do Exército de coibir sua continuidade. Ao contrário: o que mostram os documentos é que a área sob jurisdição militar passou a ser gerida com regras próprias. Tudo isso sem qualquer menção a riscos à ordem constitucional, mesmo com alertas reiterados de autoridades civis.

No Ofício nº 2114, de 7 de dezembro de 2022, o CMP responde a um comerciante que solicitava autorização para vender produtos na região da Praça dos Cristais, no SMU. O documento é direto: “Informo que tal permanência não está autorizada, bem como todos os demais comerciantes que desenvolvem comércio irregular na região do Setor Militar Urbano”. No mesmo texto, o Comando Militar do Planalto alerta que o material do solicitante poderia ser apreendido a qualquer momento e que medidas administrativas seriam tomadas. A resposta demonstra que o Exército agia como instância fiscalizatória sem qualquer delegação legal externa, definindo o que era ou não permitido dentro de um espaço público ocupado.

Planalto

Dias antes, em 6 de dezembro, o Ofício nº 2113 solicitava a atuação da Secretaria DF Legal para remover ambulantes e estruturas comerciais irregulares. O mesmo ofício pede a retirada de ligações de energia, água e internet feitas sem autorização formal, que estavam sendo utilizadas para sustentar a estrutura montada pelos manifestantes. Apesar disso, não há qualquer indício de que o Exército tenha efetivamente interditado ou impedido o funcionamento do acampamento com base nesses abusos. A solicitação de retirada parece ter tido caráter mais simbólico do que efetivo, dado que os acampamentos seguiram operando com toda a estrutura necessária nos dias seguintes.

No Ofício nº 2115, de 12 de dezembro, um civil solicita o cadastramento de um veículo com caixas de som, estacionado na Praça dos Cristais. A resposta do Exército é semelhante: não autoriza a permanência, mas também não informa que houve remoção. Com isso, evidencia-se que o Comando fazia uma distinção entre os usos “permitidos” do espaço, com base em critérios não divulgados, mas alinhados com a tolerância ao movimento golpista. Nenhum dos documentos deixa claro o critério objetivo utilizado para diferenciar ocupantes, o que reforça a percepção de seletividade institucional.

Comando Militar do Planalto geriu a ocupação golpista

As comunicações oficiais analisadas pela reportagem demonstram que o Exército brasileiro, por meio do Comando Militar do Planalto, não apenas tolerou a ocupação golpista em frente ao QG, mas a geriu de forma ativa e seletiva. Ao definir regras de convivência, restringir atividades econômicas e determinar usos específicos para o espaço urbano militarizado, o Exército ultrapassou sua função constitucional e assumiu papel semelhante ao de um ente civil regulador. Isso gerou uma situação anômala, em que o Estado brasileiro, através de uma instituição armada, exerceu poder regulatório sobre um ambiente cívico-político, sem base em qualquer instrumento jurídico democrático.

Enquanto barrava comerciantes e estruturas independentes, o Comando mantinha intacta a estrutura simbólica do acampamento, que incluiu tendas, caminhões, equipamentos de som e discursos abertamente contrários à democracia. O palanque político funcionava com visibilidade, acesso e proteção, amparado por normas que garantiam sua continuidade, mesmo diante de alertas do Ministério Público, da Justiça e da imprensa. Além disso, a presença constante de militares no entorno do QG servia como escudo simbólico e tático contra qualquer tentativa de desmobilização externa, criando uma espécie de bolha de proteção institucional.

O uso do Quartel-General do Exército como centro político informal durante dois meses, sem qualquer ação para sua desativação, representa um marco na relação entre Forças Armadas e radicalização política no Brasil. Ao assumir o papel de gestão do espaço e legitimar o discurso golpista pela omissão ou pela seleção de quem poderia ser reprimido ou expulso, o Comando Militar do Planalto atuou como agente ativo de um processo de ruptura com os limites institucionais estabelecidos pela Constituição. Essa atuação, ao não ser responsabilizada interna ou externamente, contribui para um perigoso precedente de uso militar de espaços para fins políticos e de ruptura.



Fonte: ICL Notícias

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