A Justiça Federal concedeu um habeas corpus que garante a uma amazonense o direito de importar sementes e plantar até 21 cannabis (maconha) para fins medicinais. A paciente, que terá o nome preservado, tem diagnóstico para uma série de transtornos neurológicos, incluindo ansiedade, depressão e transtorno de pânico. Subprodutos da cannabis, como a substância canabidiol, já são utilizados em determinados tratamentos de saúde, embora não haja regulamentação sobre o tema.
A decisão do último dia 11 de julho é assinada pela juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, que estava como substituta na 4ª Vara Federal Criminal, no período. O pedido de habeas corpus era para garantir que a paciente pudesse importar as sementes e realizar o plantio sem correr o risco de ser presa.
“Concedo a ordem de habeas corpus (salvo conduto) para determinar que os órgãos de polícia preventiva ou judiciária, agentes policiais (civis, federais, rodoviários ou militares) se abstenham da prática de atos de prisão, apreensão ou investigação que tenham por objeto a causa de pedir da presente ação: o cultivo, uso e porte de cannabis (maconha), sementes e derivados pela paciente”, determinou Jaiza Fraxe.
A paciente apresentou laudos médicos que atestam os transtornos neurológicos, a ineficiência dos medicamentos convencionais para tratar a condição de saúde e a melhora do quadro após uso de derivados da cannabis. Ela já possui autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar canabidiol, no entanto, buscava o plantio, por ser considerado de menor custo.
“Fica evidente que é excessivo permitir a persecução penal contra aqueles que, enfrentando doenças de difícil tratamento, recorrem ao uso de entorpecentes com o intuito de aliviar o sofrimento ou melhorar os sintomas”, entendeu a magistrada.
Custo
Para o advogado que assina a petição, Nivaldo Luiz Pereira da Silva Junior, a decisão da Justiça Federal é histórica no Amazonas. Ele atua no chamado ‘direito canábico’ especializado em ações semelhantes, desde 2021. A reportagem procurou a Justiça Federal para saber se a decisão é a primeira que autoriza o ‘plantio’, especificamente, e aguarda retorno. Habeas corpus que garantem o uso das substâncias para fins medicinais não são novidade.
“Ela pode ser considerada histórica no Amazonas, porque eu atuo no tema desde 2021 e não tenho conhecimento de outro habeas corpus concedido para um paciente aqui em Manaus. Pode ser que tenha e o caso esteja em segredo de justiça, mas em busca nas principais fontes, na justiça estadual e federal, não encontramos outra como essa”, disse para A CRÍTICA.
Nivaldo afirma que a paciente já possuía indicação médica e autorização da Anvisa para importar o fármaco, no entanto, era prejudicada com o alto custo da operação. “Os valores dependem da substância e da posologia [quantidade] para cada paciente, mas a importação de países como Estados Unidos, Inglaterra e Paraguai, chega a cerca de R$ 500 a R$ 3 mil por mês, sem as taxas”, diz.
“Por outro lado, tem a opção do plantio. Você gasta entre R$ 100 e R$ 300 em seis sementes, só que você ainda pode tirar clones dela, fazer mudas a partir de galhos, então sai muito mais econômico para o paciente que precisa de um tratamento continuado”, explica o advogado.
Jurisprudência
Na decisão que autorizou o plantio, a juíza Jaiza Fraxe ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça(STJ) vem, reiteradamente, concedendo habeas corpus para plantio de cannabis no caso de pacientes que fazem uso medicinal das substâncias da planta. Ela também citou que o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou favorável ao cultivo no caso da paciente amazonense.
No último dia 26 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento que definiu como 40 gramas ou seis plantas fêmeas o limite máximo que uma pessoa pode portar para ser considerada usuário e não traficante. Na prática, a decisão foi vista como uma descriminalização da maconha, embora o uso já não fosse crime, mas sim a comercialização.
O advogado Nivaldo Luiz Pereira da Silva Junior diz que a decisão do STF pouco influenciou no habeas corpus do caso amazonense, já que o STJ já tinha jurisprudência anterior sobre casos de plantio. No entanto, ele considera o julgamento na Suprema Corte importante para desmistificar o debate.
“Agora quando os juízes forem julgar algo, vão ter mais atenção, porque há essa previsão. Isso vai evitar muita judicialização. Muitas pessoas que portam ou plantam para uso pessoal vão se sentir mais livres. Ainda não pode fazer isso sem autorização como a de um HC, mas é algo que vai fazer dar uma respirada, porque não será visto como tráfico”, avalia.
Tratamento
O médico amazonense Alberone Sales, que estuda o uso de cannabis como tratamento de saúde, diz que a planta tem substâncias que interagem com o corpo humano e promovem o alívio de sintomas para uma série de doenças e transtornos neurológicos.
“Esse sistema do nosso corpo humano com o qual as substâncias interagem se chama endocanabinoide. Ele foi batizado dessa forma, porque nós nem sabíamos que ele existia.
E é por isso que as pessoas que utilizam a planta têm sensações, porque o nosso corpo produz a anandamida, que é um ácido graxo que se assemelha aos produtos da cannabis nos efeitos”, explica.
Conforme o profissional, os subprodutos da cannabis podem ser indicados para controle de convulsão, dores e tratamento de insônia, ansiedade ou depressão. De acordo com a Kaya Mind, especializada em dados sobre o mercado da cannabis medicinal, existem cerca de 50 mil usuários autorizados no Brasil. Com uma regulamentação ampla, o número poderia chegar a 6,9 milhões, estima a empresa.
“O uso da cannabis é uma salvação aos chamados tratamentos refratários, que são aqueles que não responderam bem à terapia inicial. Isso pode mudar com o avançar da medida, mas ela tem sido muito importante naqueles casos em que parece que nada ajuda o paciente”, comenta o médico.
Mercado
Ainda conforme a Kaya Mind, o Brasil tem 153 empresas que atuam no mercado e há 439 produtos à base de cannabis autorizados para importação pelos brasileiros. A estimativa é que, caso haja regulamentação ampla, o mercado movimente cerca de R$ 9,5 bilhões por ano.
Uma pesquisa conduzida pelo Instituto Datafolha revelou que 76% dos brasileiros manifestaram apoio ao uso medicinal da cannabis, enquanto 22% se mostraram contrários. Uma minoria de 1% afirmou ser indiferente à questão e 2% não tinham uma opinião formada.
Fonte: Acritica