Caminhoneiros atacam indígenas no PA

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Afonso Bezerra, do Brasil de Fato

Os indígenas Munduruku, acampados na rodovia BR-230 desde a última terça-feira (25) em protesto contra o Marco Temporal, estão sendo atacados por caminhoneiros. Este é o quinto dia de protestos do grupo, que critica também a falta de diálogo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas e com o Ministério dos Povos Indígenas.

De acordo com lideranças do movimento, os motoristas estão arremessando pedras, disparando arma de fogo contra os manifestantes e passando em alta velocidade pelo local, com manobras arriscadas e colocando em risco as pessoas na ocupação. Neste sábado (29), um caminhão sem freio cruzou a barreira feita pelos indígenas. Ninguém ficou ferido.

Os indígenas que ocupam a rodovia alegam que não há acompanhamento da polícia no momento em que eles liberam o fluxo na estrada, sem proteger o núcleo central da manifestação, onde os manifestantes estão reunidos com a presença de crianças e idosos.

A BR-230, conhecida como Transamazônica, é uma das maiores do país, com 4.260km. A via é um importante corredor logístico para o agronegócio. O trecho ocupado pelos indígenas fica perto do perímetro em que a BR-230 se conecta com BR – 163, que também serve ao agronegócio e liga a Transamazônica ao estado de Mato Grosso. Grande parte dos caminhoneiros que circulam por essas estradas trabalha para empresas na região.

Para cumprir ordem judicial que pede a desobstrução da rodovia, os indígenas estão liberando o fluxo em intervalos de 1h ao longo dia.

“Eles estão muito violentos, eles são horríveis, bebem muito. Eles andam armados como se não tivesse Justiça para eles”, aponta Alessandra Kora´p Munduruku, uma das lideranças da ocupação ouvidas pelo Brasil de Fato. Em postagem nas redes sociais, a militante lamentou a ausência do governo federal durante a manifestação.

“Já é o quinto dia na BR 163 sobreposta da BR 230 e até agora a @funaioficial e nem o @minpovosindigenas nos procuraram!!! Pq será??? Estamos esperando pelo menos uma ligação, já que não pode vi até aqui”, diz o texto, publicado no instagram.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e até o momento não obteve resposta. Caso haja retorno, a matéria será atualizada.

Alessandra Munduruku narrou que a violência vinda dos motoristas ocorre desde a última terça-feira (25), dia em que fecharam a rodovia. Na quinta-feira ( 27), à noite, horas após a liberação do trecho, três tiros foram disparados contra os indígenas que estavam acampados às margens da pista. Dois disparos aconteceram por volta das 20h. O terceiro aconteceu às 21h.

“A gente não tem segurança aqui, com esses caminhoneiros dando tiro na gente, querendo atropelar a gente. As carretas já estão acostumadas a atropelar pessoas. Para eles, o que se perde é a carga. As pessoas que são atropeladas, para eles, não vai dar nada não, porque é uma vida, né? Para eles é mais fácil matar alguém na BR do que perder a carga.”

Neste sábado, o grupo pediu a presença da polícia para poder liberar, entre 10h e 11h da manhã, o fluxo na rodovia. “Se eles não ficassem no meio, a gente não ia abrir. Porque se a gente não tivesse a nossa segurança, a gente não ia abrir a BR, conforme o juiz quer determinar. O juiz quer que a gente cumpra, mas não dá uma segurança.”

Alessandra disse que, ainda na manhã deste sábado, antes de terminar o intervalo de 1h com a rodovia liberada, as viaturas já tinham saído de perto dos manifestantes.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu contra a decisão judicial que determinou a reintegração de posse do trecho da BR. O MPF argumenta que a decisão não considerou a necessidade de diálogo interétnico e intercultural, desconsiderando exigências legais para ações de posse coletiva envolvendo grupos hipervulneráveis.

Além disso, o órgão destaca que a medida não ponderou o direito de manifestação em espaço público, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).

Contra o Marco Temporal

Os indígenas Munduruku estão ocupando a BR 230 desde a última terça-feira (25) em protesto contra o Marco Temporal e contra a lei 14.701/2023. A lei prevê que apenas terras que estavam ocupadas pelos indígenas no dia da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.

Ela segue a mesma premissa da tese ruralista do Marco Temporal, que foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar dessa conclusão, em 2024, a suprema corte do país voltou a discutir o tema após o ministro Gilmar Mendes instalar uma Comissão de Conciliação. O grupo passou 30 dias com os trabalhos suspensos.

Na última quinta-feira (27), a Comissão de Conciliação instalada no STF foi retomada, colocando em debate o texto do anteprojeto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes.

No encontro, o ministro retirou do seu “anteprojeto de lei” o capítulo que previa mineração em Terras Indígenas (TIs). Outros artigos da minuta, como a indenização de fazendeiros pelo valor da terra nua, entraves no processo demarcatório e uso da Polícia Militar (PM) para despejar retomadas, seguem em discussão.

“A gente sabe que esse marco temporal é inconstitucional. O STF sabe disso. Mas, por conta do Congresso, do Senado, ele voltou de novo pro STF. E aí tá favorecendo mais o agronegócio do que os territórios indígenas.”, afirmou Alessandra Munduruku.

A Comissão de Conciliação, liderada pelo ministro Gilmar Mendes, hoje é composta majoritariamente por setores ruralistas. O movimento indígena decidiu se retirar do grupo, ainda no início dos trabalhos, após considerar o espaço ilegítimo.

A Advocacia-Geral da União (AGU) também apresentou uma proposta na reunião desta quinta. Nela, não está a possibilidade de mineração, mas consta que “é facultado o exercício de atividades econômicas” em TIs, “desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas”. Entre os exemplos, o documento cita a possibilidade de turismo nas aldeias.

No protesto na BR-230, os indígenas reivindicam o direito às terras, mesmo que as não ocupadas no dia da promulgação da Constituição, e criticam o teor da tese ruralista do Marco Temporal. Apontam que, sem demarcação, há ameaças aos povos indígenas e também ao meio ambiente.

“Desde quando surgiu o território, o planeta, já existiam os indígenas no Brasil, na América Latina, em todo canto do mundo já existiam povos indígenas. Então ele não pode dizer que só existe no dia 5 de outubro de 1988. Nós sempre existimos.”, aponta Alessandra Munduruku, lembrando o papel que os indígenas que cumprem na defesa da natureza.

“Os territórios indígenas são os que mais preservam, são o que mais têm rio limpo, que tem floresta, mas o agronegócio precisa destruir, precisa explorar para mandar pros países desenvolvidos”, finaliza.



Fonte: ICL Notícias

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