Breve história da austeridade europeia contada a pensar no Brasil 

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Os Estados Unidos reagiram à crise de 2008 com o programa “quantitative easing” de compra de títulos da dívida pública pelo seu Banco Central. A Europa reagiu com a política de austeridade. Os Estados Unidos estancaram a crise, retomaram o crescimento económico e recomeçaram a criação de emprego. A Europa, metida no buraco da crise financeira, usou a austeridade para continuar a escavar, enterrando-se cada vez mais. O desastre só acabou em 2015 quando o Banco Central Europeu decidiu finalmente fazer o mesmo que os americanos tinham feito sete anos antes: comprar a dívida pública dos Estados em dificuldades.

A comparação com a estratégia americana é talvez a melhor fonte de evidência da irracionalidade económica. A liderança alemã constituiu a austeridade como única resposta possível: primeiro ponto, ela não tem alternativa – é ditada pela ciência económica; segundo ponto, ela tem uma dimensão moral – é preciso redenção, e redenção reclama sofrimento. A política de austeridade realizou, assim, o milagre político de transformar uma crise criada pelos mercados financeiros (os famosos sub prime) numa crise das dívidas soberanas, apontando como culpados os Estados e o excesso de gasto público. Na verdade, a austeridade nunca foi uma política económica, mas um programa ideológico: o modelo social europeu, outrora um orgulho, desapareceu do discurso europeu. Tudo isto com a cumplicidade da esquerda.

Olhem agora para estes números. Em 2008, o produto interno bruto da zona euro era sensivelmente o mesmo dos Estados Unidos. Agora é cerca de metade. Leram bem: era igual, agora é metade. Hoje, quinze anos depois, o rendimento das famílias europeias é cerca de 27% menor do que o das famílias americanas e a média dos salários é cerca de 37% menor. Se pensarmos em termos de produto per capita, o Reino Unido é mais pobre que o mais pobre dos estados americanos, o Mississipi. Esta foi a desgraça da austeridade europeia.

Hoje, quando ouço falar no Brasil em ajuste fiscal e em poupanças, julgo importante que esta triste história da austeridade europeia seja conhecida. O desolador balanço desta política está ainda por fazer dada a cumplicidade da burocracia europeia com a narrativa da austeridade. Mas os estudos sobre o que aconteceu andam agora mais rápido – não, a crise não veio dos Estados, mas dos mercados; não, não foram os deficits públicos que criaram a crise, mas a crise que criou os deficits públicos. E não, não foi a austeridade que acabou com a crise, mas o fim da austeridade que acabou com a crise. À atenção do Brasil e dos seus Ministros da Fazenda.

A angústia europeia de hoje já não tem a ver com o fato de a Europa ter deixado de ser o centro do mundo, mas de ter deixado de ser o centro do confronto do mundo. A grande competição mudou de território e o prémio em disputa já não é Berlim, mas Taiwan. A Europa deixa lentamente o papel de potência normativa e transforma-se, também lentamente, em testa de ponte da superpotência americana na Eurásia. Aqui quero chegar: tudo isto nasceu com a política de austeridade e não parou mais. À atenção do Brasil e dos seus Ministros da Fazenda

 

P.S. – Hoje a extrema direita ganhou a eleição presidencial polaca.

 





Fonte: ICL Notícias

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