Breve elogio da social-democracia europeia escrito num momento difícil

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A social-democracia é uma ideologia europeia, concebida por intelectuais europeus, dentro de partidos políticos europeus (como isto hoje parece estranho) e que moldou a Pax Europeia a seguir à Segunda Guerra Mundial. Ela nasce de um longo processo de debate doutrinário e de uma dupla ruptura no interior do movimento marxista. Um cisma, podemos, assim, dizer. Primeiro, o corte ideológico com o materialismo histórico, ou seja, com a ideia de que o capitalismo tem tais contradições internas entre capital e trabalho que bastará esperar sentado ao lado da história (e, principalmente, fora do sistema político burguês) para que elas, as contradições, se revelem e a revolução aconteça. Foi esse princípio de proibição de qualquer espécie de compromisso e de participação no jogo político que levou os sociais-democratas alemães a não se aliarem com os liberais. O resultado foi o fascismo.

A segunda ruptura foi com a ideia de luta de classes enquanto motor da história. Para o marxismo, toda a história se explicava (e se previa) através da interminável luta entre burguesia e proletariado. Nenhum compromisso poderia existir, só a luta e o enfrentamento asseguraria a vitória do proletariado. Nessa altura cessaria o conflito e viria a paz, a verdadeira paz. Estes dois dogmas da doutrina marxista demoraram quase cem anos a desaparecer. Foram intelectualmente derrotados pela ideologia social-democrata.

A social-democracia é também consequência de dois acontecimentos históricos primordiais – a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa. A primeira mostrou aos partidos marxistas que a lealdade nacional é sempre mais forte que a solidariedade de classe; a segunda levou à divisão interna: de um lado, a via reformista, social-democrata; do outro, a via revolucionária, ou comunista. Para os comunistas, os sociais-democratas eram colaboracionistas com a direita; para os sociais-democratas, os comunistas eram partidos satélites de Moscou, sem autonomia. Fraternos inimigos: à medida que o regime soviético se movia para uma ditadura, a social-democracia moveu-se para a democracia e para o compromisso político. Os procedimentos parlamentares e a abertura à classe média passaram a ser parte de cultura política dos sociais-democratas para escândalo dos marxistas ortodoxos.

A social-democracia nasceu, portanto, com essa ambição: a de fazer a conciliação entre marxismo e democracia, entre igualdade e liberdade individual, entre mercado livre e estabilidade social. Ela constituiu a verdadeira terceira via entre o capitalismo sem freios e o comunismo sem liberdade. No fundo, a sua proposta política foi a de aceitar a economia de mercado temperando-a com a intervenção do Estado na distribuição de riqueza e na proteção social. O seu êxito foi tão grande, tão avassalador, que em breve toda a Europa teria o seu Estado social, o seu sistema de ensino para todos, o seu serviço nacional de saúde, o seu sistema de segurança social. Economia de mercado, mas com proteção social. Capitalismo, mas com igualdade de oportunidades. O projeto europeu fez-se assim – com equilíbrio, com compromisso, com reformas, com pequenos passos. O chamado modelo social europeu nasceu e cresceu com a social democracia, a mais europeia das ideologias. Talvez por isso o novo populismo europeu a tenha escolhido como alvo preferencial.

 

P.S. – Acabo de saber que aqui em Portugal o partido de extrema-direita venceu as eleições no círculo da emigração. Como dizem aí no Brasil, trata-se da homenagem que a barata presta ao inseticida.





Fonte: ICL Notícias

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