Brasil lidera Brics em meio a tensões entre EUA e China

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Por Matt Sandy e Juliana Horta – Por Dialogue Earth

O Brasil assumiu a presidência rotativa do bloco dos Brics em um ano decisivo. Enquanto o grupo de economias emergentes — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — se prepara para sua próxima cúpula no Rio de Janeiro, marcada para julho, o país anfitrião tenta se esquivar dos efeitos globais provocados pelas recentes ofensivas tarifárias dos Estados Unidos sob o comando de Donald Trump.

Com sua recente expansão e crescentes ambições geopolíticas, as nações do bloco buscam equilibrar interesses diversos e, ao mesmo tempo, afirmar-se como uma força mais coesa no cenário mundial. Se por um lado o Brasil deseja promover essa aliança heterogênea, por outro evita uma postura mais agressiva que possa ser lida em Washington como anti-EUA ou antidólar, avaliam os especialistas.

Ao mesmo tempo, a presidência rotativa deste ano também oferece oportunidades ao Brasil: a prerrogativa de articular uma posição conjunta dos Brics sobre as ações climáticas em meio aos preparativos para a conferência COP30, marcada para novembro em Belém do Pará; a pressão por mais cooperação do Sul Global em finanças, saúde, comércio e inteligência artificial; a definição de uma agenda clara para o Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como o Banco dos Brics, comandado pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff.

Novos convidados à mesa

A próxima cúpula dos Brics, a ser realizada nos dias 6 e 7 de julho, marcará a chegada da Indonésia como país-membro dos Brics após sua adesão em janeiro. No ano passado, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos também se uniram ao bloco. Ainda há uma certa confusão em relação ao status da Arábia Saudita, já que o país está listado como membro dos Brics no site oficial da cúpula, mas o país ainda avalia sua filiação ao grupo.

Nove nações — Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão — têm status de países parceiros, e outros 30 expressaram interesse em participar do bloco. Com a expansão, os membros e parceiros dos Brics já representam mais da metade da população mundial e cerca de 30% do PIB global.

Essa mudança na estrutura do grupo foi impulsionada por iniciativa da Rússia e da China. Já o Brasil e a Índia mostraram-se mais relutantes com a ideia de abrir as portas do bloco, segundo especialistas.

Arte BRICS

Crédito: Arte/ Dialogue Earth

Com a chegada de novos membros para as negociações no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também chamou o México, a Colômbia e o Uruguai para participarem como convidados — algo comum em cúpulas internacionais para aproximar países não membros com importância estratégica ou regional.

O governo brasileiro vem coordenando mais de cem reuniões técnicas e ministeriais em Brasília, entre fevereiro e julho, em preparação para a cúpula. Ainda assim, parece inevitável que o encontro seja dominado pela sombra das políticas tarifárias de Trump.

Após os EUA terem se retirado pela segunda vez do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, a agenda do desenvolvimento sustentável deve ter um papel de destaque na cúpula dos Brics, sobretudo com a iminência da conferência climática das Nações Unidas, a COP30, em plena floresta amazônica, poucos meses depois.

Um dos objetivos do Brasil para a cúpula é estabelecer uma abordagem unificada para o financiamento das ações climáticas, colocando os países dos Brics em uma posição de liderança na COP30. O negociador-chefe do Brasil, Maurício Lyrio, explicou que espera-se atingir US$ 1,3 trilhão em investimentos para o combate às mudanças climáticas e também destacou a insatisfação das nações em desenvolvimento com o “modesto” acordo de financiamento firmado na COP29, realizada no Azerbaijão no ano passado.

Na COP30, o Brasil e outras nações planejam lançar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), iniciativa que espera atrair US$ 125 bilhões para financiar a conservação de florestas tropicais em países do Sul Global.

Na última conferência de biodiversidade da ONU, a COP16, o grupo dos Brics desempenhou um papel crucial nas negociações que levaram ao acordo final sobre o financiamento para a conservação da natureza. Com base nessa experiência bem-sucedida, o bloco pretende expandir sua liderança climática, ainda mais em um momento em que os EUA andam totalmente na contramão dos esforços ambientais globais.

“É uma agenda que o governo brasileiro apoia enquanto anfitrião da próxima cúpula, porque reconhece os riscos e toma medidas para garantir que essas pautas de interesse global permaneçam fortes”, avaliou Paulo Casella, professor de direito e coordenador do Grupo de Estudos sobre os Brics na Universidade de São Paulo (USP).

Para Beatriz Mattos, coordenadora de pesquisa da Plataforma Cipó, o Brasil deve aproveitar o alcance geopolítico dos Brics para impulsionar o financiamento climático, alinhado às metas de desenvolvimento sustentável.

“O Brasil entende o desenvolvimento sustentável como algo muito mais amplo do que apenas a agenda climática, mas também sabe que a agenda climática pode ser mobilizada como uma forma de atingir as metas de desenvolvimento sustentável”, explicou Mattos.

Segundo a pesquisadora, os Brics têm um papel crucial na transição energética. “Nossa expectativa é que esses países construam um consenso sobre os esforços de transição, garantindo que ela seja realmente justa”, destacou.

Ao mesmo tempo, a realidade do mundo dos negócios mostra um panorama mais complexo. As exportações de petróleo do Brasil atingiram US$ 45 bilhões em 2024. Puxadas sobretudo pela demanda da China, as vendas de petróleo bruto mais que dobraram nos últimos cinco anos e quase quadruplicaram na última década, segundo dados do governo federal.

Acirramento das tensões comerciais

Uma nuvem de tensões comerciais globais deve pairar sobre a cúpula dos Brics, apesar da recente trégua temporária na guerra de tarifas entre Washington e Beijing — nos últimos meses, as taxas anunciadas pelos EUA sobre as importações chinesas chegaram a 245%.

De acordo com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, os dois lados concordaram em reduzir as tarifas em 115% a partir de meados de maio. Ainda assim, o cessar-fogo tarifário não diminuiu o tom das declarações: nos dias seguintes ao acordo, o governo chinês retomou as críticas contundentes à Casa Branca.

Algumas nações enfrentam tarifas menores por parte dos EUA, como os 10% sobre os produtos do Brasil; outras, como a Índia e a África do Sul, estão sendo ameaçadas com taxas de 27% e 31%, respectivamente.

Nesse novo cenário, o Brasil tem a oportunidade de posicionar os Brics como uma plataforma estratégica de colaboração internacional, avalia Paulo Casella, da USP. “Sabotar esse sistema multilateral de regras e instituições é contraproducente”, observou. “Isso causa turbulência e incertezas, aumentando a necessidade de operar de maneira independente aos EUA”.

O governo Trump também ameaçou impor tarifas de 100% sobre os países dos Brics caso eles enfraqueçam o dólar criando uma moeda alternativa. Em resposta, o Ministério da Fazenda do Brasil negou que as nações estejam discutindo ativamente a criação de uma moeda comum ou buscando uma estratégia coordenada de “desdolarização”. Dito isso, o aumento das transações em moeda local e o desenvolvimento de plataformas de pagamento alternativas estão, sim, na agenda dos Brics para 2025.

A ideia de uma moeda alternativa até foi levantada na cúpula dos Brics em agosto de 2023, mas a proposta não avançou devido às posições cautelosas da China e da Índia. Em outro contexto, o Brasil já propôs a adoção de uma moeda regional em 2023, mas especificamente para o bloco do Mercosul, e não para os Brics.

Casella chamou de “absurdas” as ameaças dos EUA contra os países que usam moedas alternativas ao dólar no comércio exterior. Ele explicou que grande parte do comércio internacional já ocorre fora do sistema dolarizado.

“O Brasil pode contribuir”, disse Casella, “para a construção de espaços institucionais estáveis com outros países que estejam dispostos a manter relações comerciais [fora do dólar]” — especialmente em um momento em que as políticas americanas geram tensões globais e até aceleram a transição para acordos comerciais não atrelados ao dólar.

‘Momento delicado’

Mesmo assim, o Brasil se encontra em uma situação delicada. Os países dos Brics formaram sua aliança para criar uma alternativa às instituições tradicionais lideradas pelo Norte Global. Os líderes dessas nações emergentes defenderam a reforma do Conselho de Segurança da ONU e propuseram um sistema de pagamento dos Brics — mecanismo descentralizado para reduzir a dependência de redes financeiras baseados no dólar.

Agora, diante da nova escalada da guerra comercial EUA-China, na qual Beijing acusa Washington de usar o dólar como “ferramenta geopolítica”, o Brasil tenta reafirmar seu compromisso com os Brics e com o multilateralismo, evitando possíveis retaliações da Casa Branca, avaliam especialistas.

“A agenda internacional está se acelerando”, observou Pablo Ibañez, professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, onde coordena pesquisas sobre a China. “Estamos em uma rota de colisão entre a China e os EUA”.

“É um momento delicado para o Brasil. No cenário internacional, estamos lidando com tarifas e navegamos em uma relação diplomática mais sensível com os Estados Unidos”.

“Seria errado entender o Brasil como um novo aliado chinês antiocidental. O Ministério das Relações Exteriores não permitiria isso. O Brasil é muito pragmático… Se os países tiverem interesse, nós vamos cooperar. Mas simplesmente não nos alinhamos com a China dessa forma”.

Ibañez acredita que o multilateralismo e o comércio serão os temas dominantes da cúpula. Ele espera que o Brasil também mantenha a agenda sob o comando de Lula, focada em questões como fome e acesso a medicamentos. “Mas acho que esses dois temas — multilateralismo e comércio — serão bastante tratados”, acrescentou. “Mostrar força é atualmente uma prioridade para o governo brasileiro… Lula quer demonstrar que está pronto para essa missão”.

A expansão dos Brics tem sido impulsionada pelo crescente poder da China, explicou Ibañez. “Isso tem sido um desafio para o Brasil, que não estava preparado. O Brasil não se opôs necessariamente à expansão em si, mas sim à forma como ela foi conduzida — tão rapidamente e sem critérios objetivos”.

Papel do Banco dos Brics

Outro ponto importante na agenda da cúpula é o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que está se tornando uma instituição financeira cada vez mais importante para as economias em desenvolvimento. Sob o comando de Rousseff, o NDB aumentou seus compromissos de financiamento, entregando inclusive US$ 1,1 bilhão para a recuperação pós-enchentes no Rio Grande do Sul, em maio de 2024.

À medida que as negociações sobre o financiamento climático se intensificam antes das duas grandes cúpulas do ano, o papel do NDB no apoio ao desenvolvimento sustentável está ganhando relevância. “A criação do Novo Banco de Desenvolvimento decorre, em grande parte, dos esforços para promover o desenvolvimento sustentável”, disse Mattos, da Plataforma Cipó. “É um banco que pode preencher a lacuna de financiamento para o desenvolvimento sustentável e a infraestrutura. O conceito de desenvolvimento sustentável sempre fez parte dos Brics”.

Desde que tomou posse como presidente dos Brics, explicou ela, o Brasil está usando o bloco como uma plataforma para desenvolver soluções coletivas para os problemas globais, sobretudo devido à atual fragilidade do multilateralismo.

“O Brasil tem buscado conectar os fóruns multilaterais que têm liderado nos últimos anos”, acrescentou Mattos. “No ano passado, presidimos o G20, agora a cúpula dos Brics e, ainda este ano, sediaremos a CGOP30. O Brasil tem tentado conectar ações nesses fóruns, com resultados muito positivos”.





Fonte: ICL Notícias

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