‘Adolescência’: como evitar que redes sociais causem dramas retratados na série?

0
15


Por Gabriel Gomes

Minissérie com mais audiência em toda a história da Netflix, “Adolescência” tem despertado a atenção para os riscos do uso das redes sociais pelos jovens. A trama conta a história de Jamie Miller, um garoto de 13 anos acusado do assassinato de uma colega de classe, explorando as complexidades de sua detenção, interrogatório e os impactos nas relações familiares e sociais.

A minissérie alcançou 66,3 milhões de visualizações em menos de duas semanas. A estreia foi em 13 de março e desde então virou tema de debate frequente entre pais que não sabem como lidar com as armadilhas da internet.

“Adolescência” aborda temas como a violência sexual, o machismo, o bullying, as relações familiares, saúde mental, misoginia e masculinidade tóxica, tudo isso potencializado pela superexposição de adolescentes às plataformas digitais.

O ICL Notícias conversou com a psicóloga e psicanalista Juliana Cunha, que é diretora de projetos especiais na SaferNet Brasil, instituição que defende e promeve os direitos humanos na internet. Juliana abordou os principais problemas e armadilhas virtuais retratados na minissérie. A psicóloga também deu dicas de como tentar evitar os efeitos dramáticos do excesso de uso das redes .

Juliana Cunha, diretora de projetos especiais na SaferNet Brasil.

Armadilhas virtuais mostradas na minissérie “Adolescência”

“A minissérie mostra algumas práticas que são até comuns entre os adolescentes, como a questão do bullying, do modo como os jovens interagem uns com os outros, especialmente nas redes sociais. Os comentários, as intimidações, algum tipo de ridicularização e humilhação pública. Mostra também os riscos com comunidades de ódio na internet, em alguns ambientes que são mais propícios para circular conteúdos que incitam a violência contra alguns grupos, como mulheres, pessoas LGBTs, pessoas negras. Algumas delas são misóginas e fazem apologia à violência”.

A parte da escola

“É um trabalho coletivo, é para toda a sociedade. As medidas de prevenção vão desde a escola, oferecendo um currículo de educação digital para trabalhar temas como sociabilidade, empatia, o que fazer diante dessas situações, como buscar ajuda, como denunciar. Ou seja, oferecer aos estudantes habilidades digitais para lidar com os desafios da internet.

Familares não se sentem preparados

As famílias têm um papel fundamental, na medida em que elas formam o desenvolvimento moral das crianças, o que é certo e o que é errado, transmitem princípios e valores. As famílias têm um papel relevante, mas elas não se sentem confiantes nem preparadas para saber identificar o problema e aí, a escola pode ter esse papel.

Poder público e empresas

É todo um trabalho do poder público, também. Os agentes de segurança precisam ser treinados, qualificados, ter recursos e capacidade para investigar crimes como esses, para dar respostas à altura e respostas proporcionais, também. O próprio Legislativo, o modo como aplica algumas legislações que já existem no país. As empresas também porque é preciso haver uma aplicação das políticas e regras das comunidades dessas plataformas. Muitas vezes, apesar de políticas que impedem e proíbem conteúdos dessa natureza, eles continuam circulando livremente. Tem que ter uma aplicação, tem que ter um trabalho de moderação de conteúdo na língua do país, na nossa língua portuguesa. É um trabalho que precisa envolver todos os atores”.

Importância da minissérie

“Na medida em que um produto como esse vai para a mesa da família, para a refeição, as pessoas vão falar sobre isso, fica muito popular e acaba entrando nos lares das famílias brasileiras. E isso é importante, muitos pais ainda desconhecem e ignoram esse problema. Muitos não fazem ideia de que seus filhos podem estar envolvidos nesses grupos. É importante por isso, por trazer a discussão para os lares, mas sem dúvida, é necessário mais do que a série. A série só levanta o problema, levanta a bola, mas é necessário um trabalho muito contínuo e de muitos setores diferentes para fazer frente a esse problema.

A gente tem um problema que não é só do Brasil, é global. Uma das consequências dele, inclusive, é o risco de ataques às escolas. A gente sabe que, por exemplo, alguns dos ataques que já aconteceram no Brasil vieram de jovens que pertenciam a essas comunidades. Isso requer uma ação mais coordenada para fazer frente”.

 'Adolescência'

Minissérie ‘Adolescência’. (Foto: Reprodução/Netflix)

Sinais de problemas

“Mudanças de comportamento, de regulação emocional, especialmente. Irritabilidade, aquela criança que não era e começa a ficar mais agressiva e só quer ficar nas telas, e muitas vezes burla as regras da família e acessa escondido, acessa de noite sem os pais verem. Crianças que podem começar a manifestar ou expressar algum tipo de pensamento ou de vingança ou de ataques ou de violência mesmo. Começa, de repente, a seguir perfis que tratam dessa questão da violência, que idolatram alguns autores de violência.

É toda uma mudança a que, óbvio, nem todo pai está atento, mas que se ele estiver usando algumas ferramentas de supervisão parental ou conversando com seus filhos, ele pode observar e a qualquer sinal, pedir ajuda, inclusive ajuda profissional. Alguns desses adolescentes estão passando por alguma situação de sofrimento emocional, de algum tipo de transtorno mental, e é importante também ter a ajuda qualificada”.

É possível controlar o conteúdo visto?

“Tem alguns produtos oferecidos no mercado de supervisão parental, que a gente chama de ‘programas espiões’. Eles são programas invasivos porque coletam muitas informações pessoais e de pessoas menores de idade. O pai que está inclinado a adquirir um produto desse, a gente adverte que ele olhe que tipo de dados esse produto coleta e o que ele faz com esses dados, se ele compartilha com terceiros, por exemplo.

A advertência é de que esses produtos só vão detectar algo que está acontecendo, mas eles não vão prevenir, antever. O que vai fazer isso é o diálogo. Não adianta o pai adquirir um produto desses e não ter conversas, diálogos francos e abertos, e uma relação de confiança. Usar um produto desses sem ter uma relação de confiança vai só abalar ainda mais o laço de confiança. E os filhos, claro, vão aprender a burlar isso.

É muito importante que os pais desenvolvam primeiro a base. A base é o diálogo e a confiança. E aí, estabelecer acordos. ‘Olha, eu vou usar um programa, é um programa que supervisiona, é necessário’. Aí, em acordos, deixar claro também essas regras”.

Casos em famílias com diálogo

“Jovens de famílias estruturadas e lares amorosos podem ser capazes de cometer atos de violência. Os riscos existem, devemos tomar consciência deles e entender que há variáveis individuais e de grupo, jovens com algumas vulnerabilidades sócioemocionais. A adolescência é uma fase de transição para a vida adulta e que pode trazer sofrimento, sentimento de inadequação. Programas de saúde mental e que fortaleçam o senso de comunidade podem ajudar.

A série não aprofunda, mas certamente houve variáveis que possam ter contribuído para a passagem ao ato. Muito se fala sobre bullying, ele pode ter influenciado, mas não é a causa. A série reflete a realidade na medida em que mostra que não existe uma única causa ou culpado para o problema”.

Intervenções diferentes para meninos e meninas

“A gente observa por vários dados e evidências que o percentual de vítimas de bullying, de discriminação, de assédio e de violência sexual é maior entre as meninas. As meninas estão mais vulneráveis. É importante também observar que as intervenções devem ser diferentes e deve-se aumentar a atenção em casos de meninas porque elas são mais vítimas”.



Fonte: ICL Notícias

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui