“Abuso sexual infantil deixa marcas para a vida inteira”, alertam especialistas no 18 de Maio

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Por Laura Kotscho e Lucas Allabi

A cada hora, mais de duas crianças ou adolescentes são vítimas de abuso sexual no Brasil, segundo dados do Disque 100 e do Ministério da Saúde. Apesar de alarmante, esse número pode ser ainda maior, já que muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades.

Neste 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, especialistas reforçam que enfrentar esse problema exige conscientização, acolhimento e, principalmente, prevenção.

A psicóloga Neusa Maria, que é co-fundadora do projeto Eu Me Protejo, alerta: “O abuso sexual causa danos profundos que podem se estender por toda a vida. Muitas vezes desencadeia doenças psíquicas como transtorno de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. Ele também pode elevar o risco de dependência química e até criar comportamentos violentos futuramente”.

Abuso disfarçado de afeto

O abuso sexual na infância quase sempre ocorre num contexto de confiança e afeto, o que dificulta a percepção e denúncia pela criança. Segundo o relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, 85,1% dos autores de crimes de assédio contra uma criança são pessoas conhecidas da vítima.

“O que acontece é que, muitas vezes, a criança nem se dá conta de que aquilo é uma violência sexual, porque não vem, necessariamente, acompanhada de agressão física. No caso da violência intrafamiliar, ela costuma vir disfarçada de carinho e amor. A criança não entende como abuso algo que o adulto, que deveria protegê-la, está fazendo”, alerta Neusa Maria.

Mesmo assim, o silêncio persiste, alimentado pelo tabu social. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que apenas 8,5% desses crimes são denunciados às autoridades policiais e entram nos sistemas oficiais de registro. “A escola, a família e a sociedade raramente falam abertamente sobre violência sexual infantil. Isso facilita a naturalização e o aumento dos casos. Muitas vezes, só nos sensibilizamos quando uma tragédia acontece, como a morte de uma criança vítima de abuso”, lamenta a psicóloga.

Prevenção começa cedo

A educação para prevenir o abuso sexual infantil ainda é falha no Brasil. Poucas famílias e escolas públicas têm acesso a materiais acessíveis e de qualidade que orientem crianças e responsáveis a identificar sinais de abuso e saber como agir.

Para a jornalista Patrícia Almeida, também fundadora do Eu Me Protejo, é fundamental ensinar desde cedo que as crianças têm direito sobre o próprio corpo. “Tem que começar lá na pré-escola. Desde que a criança nasce, você já vai ensinando consentimento.Quando aprendem isso, elas ganham voz e coragem para denunciar”, afirma.

cartilha eu me protejo abuso sexual infantil

Cartilha do Eu Me Protejo de educação para prevenção contra o abuso sexual / Foto: Divulgação 

Ela criou a organização quando percebeu que um conteúdo que fez para sua filha com síndrome de Down sobre como defender seu corpo estava ganhando popularidade entre especialistas: “Usamos materiais educativos, vídeos e cartilhas com linguagem simples e imagens que facilitam o entendimento para crianças, mesmo aquelas com deficiência. Nosso objetivo é que elas reconheçam situações de abuso e saibam que podem falar sobre isso”, explica.

O projeto, portanto, surgiu com o propósito de atuar nos espaços da sociedade que elas identificaram insuficiências na educação e proteção da infância. Para Patrícia, “não é só uma responsabilidade da família ensinar as crianças a se protegerem. Isso tem que estar na escola”.

Sinais de abuso

Reconhecer mudanças no comportamento das crianças pode ser fundamental para interromper o ciclo da violência. Entre os principais sinais de alerta estão:

  • Isolamento repentino
  • Agressividade incomum
  • Distúrbios no sono
  • Automutilação
  • Medo de estar com determinados adultos
  • Regressão no comportamento (como voltar a urinar na cama)

Quem mais sofre

A violência sexual não atinge todas as crianças igualmente: crianças negras e com deficiência estão em maior risco. A pobreza também amplia a vulnerabilidade, especialmente em casos de mãe solo, que precisam deixar seus filhos com terceiros para trabalhar.

Os dados confirmam esse cenário: Em 2023, quase 90% das vítimas de violência sexual infantil eram do sexo feminino, e 52,8% eram negras. A faixa etária mais atingida é a de 10 a 14 anos, mas o registro de casos de menores de 4 anos aumentou em quase 25% em 2023.

Em crianças com deficiência, a comunicação muitas vezes é diferente. Com isso, é preciso observar alterações no olhar e no comportamento.

A psicóloga Neusa Maria relembra um caso emblemático: durante uma palestra em um abrigo para crianças com deficiência, uma adolescente com paralisia cerebral conseguiu relatar um abuso apenas com movimentos dos olhos. “Isso mostra a importância da atenção e da escuta sensível para proteger essas crianças.” Semanas depois, descobriram que a jovem estava grávida.

Acolhimento e rede de proteção

Apesar dos esforços coletivos, a rede pública ainda é insuficiente para garantir acolhimento e atendimento adequados. “Falta uma articulação integrada entre saúde, assistência social, justiça e educação para dar seguimento às denúncias”, afirma Patrícia.

Existe uma lacuna nos protocolos de como agir nesses casos. Muitas vezes, a ocorrência de um assédio contra uma criança é jogada de um lado para o outro, passando por diversas instituições, sem receber o apoio correto ou uma solução. Órgãos como o Conselho Tutelar, Delegacias Especializadas, Ministério Público, escolas e UBSs não têm sistemas claros de comunicação e as informações acabam se perdendo ou não chegando a uma denúncia e investigação eficaz.

“Quanto mais canais de denúncia e quanto mais pessoas informadas, mais notificações teremos — e com mais estatísticas, mais políticas públicas”, ressalta a jornalista.

Canais oficiais de denúncia

Além do trabalho fundamental realizado por institutos como o Eu Me Protejo, que atuam na prevenção e orientação sobre o abuso sexual infantil, existem diversos canais oficiais destinados a receber denúncias e garantir proteção às vítimas.

O Disque 100 é a Central de Direitos Humanos do Governo Federal, com atendimento gratuito, anônimo e disponível 24 horas por dia para receber denúncias de violação dos direitos humanos, incluindo violência sexual contra crianças e adolescentes.

Os Conselhos Tutelares, presentes em todos os municípios, são órgãos responsáveis por zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes. Podem ser acionados diretamente pela população em casos de suspeita ou confirmação de abuso.

As Delegacias da Mulher (DEAMs) são especializadas no atendimento a vítimas de violência contra mulheres e crianças, oferecendo suporte e abrindo inquéritos policiais para investigação e responsabilização dos agressores.

O Aplicativo Proteja Brasil, desenvolvido em parceria pela UNICEF e o Ministério dos Direitos Humanos, permite que qualquer pessoa faça denúncias diretamente pelo celular, de forma prática, rápida e segura, facilitando o acesso aos órgãos competentes.

Em situações de emergência, a Polícia Militar (190) deve ser acionada para garantir a segurança da vítima e o pronto atendimento.



Fonte: ICL Notícias

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