Freire Gomes mostra que ‘general legalista’ é uma lenda urbana brasileira

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Por Cleber Lourenço

O general Marco Antônio Freire Gomes passou anos no topo da hierarquia do Exército brasileiro. No último governo, ocupou o cargo de comandante da força terrestre durante um dos períodos mais delicados da nossa história recente: a tentativa de ruptura institucional liderada por Jair Bolsonaro. Em seu recente depoimento ao Supremo Tribunal Federal, o general pareceu mais preocupado em blindar a si mesmo — e, em parte, até o próprio ex-presidente — do que em colaborar efetivamente com o processo de apuração dos fatos.

Freire Gomes admitiu, com a naturalidade de quem relata um protocolo rotineiro, que participou de reuniões em que o presidente da República discutia cenários de decretação de estado de defesa, estado de sítio e até uso das Forças Armadas por meio da GLO. Diante de propostas nitidamente golpistas, o comandante do Exército disse ter alertado Bolsonaro de que não haveria apoio fora da legalidade. Mas só isso. Nenhuma comunicação formal às instituições. Nenhuma denúncia. Nenhum relatório. Nenhum informe ao Ministério da Defesa. Nada. Fez o que muitos chamam de “desconversar institucional”: registrou internamente, informalmente e, sobretudo, silenciosamente, que não apoiaria a ruptura. E achou que isso bastava.

Na audiência com o ministro Alexandre de Moraes, Freire tergiversou. Disse não ter visto “conluio” do almirante Garnier com Bolsonaro, mesmo tendo prestado outro depoimento à Polícia Federal em que afirmava exatamente o contrário. Foi desmentido pelo próprio histórico. E ainda assim seguiu com respostas evasivas, tentando manter a narrativa de que “apenas alertou o presidente” — como se a omissão de um servidor público diante de uma trama contra a democracia fosse uma opção legítima. Em vez de encarar o episódio como o que foi — uma ameaça clara à ordem constitucional —, o general preferiu vestir o manto do moderado, do institucional, do homem que evita o caos apenas pela inércia.

O Código Penal é claro: prevaricação é o ato de retardar ou deixar de praticar um dever funcional para satisfazer interesses ou sentimentos pessoais. O general tinha o dever de agir. Não agiu. Preferiu assistir, de dentro do Alvorada, à tentativa de golpe ser arquitetada. Só falou quando foi obrigado, judicialmente, a dar explicações. E, mesmo assim, falou como quem ainda escolhe suas palavras para não desagradar aliados do passado. Não houve coragem, nem enfrentamento, nem lealdade à Constituição. Houve cálculo. E o resultado desse cálculo foi o silêncio.

É preciso lembrar: Freire Gomes não é um civil. Não é um observador externo. É um servidor de carreira, com prerrogativas, responsabilidades e um juramento institucional. Tinha acesso direto ao presidente. Tinha dever de ofício. Tinha meios institucionais para relatar as irregularidades. Se tivesse feito isso no tempo certo, talvez o Brasil tivesse se poupado de parte da tensão institucional que atravessou. Se tivesse se pronunciado, deixado registros, alertado formalmente as instituições republicanas, talvez tivéssemos conseguido conter a escalada antes do 8 de janeiro.

Seu silêncio foi interpretado por muitos como prudência. Mas prudência que preserva a própria biografia e deixa a democracia em risco não é virtude. É cumplicidade. O general optou por não agir. E quando um comandante do Exército escolhe se omitir diante de uma ameaça golpista, ele abandona o papel de defensor da Constituição e passa a ser um facilitador — ainda que silencioso — da ruptura.

Não se trata de valentia ou de heroísmo. Trata-se de responsabilidade. De cumprimento do dever. E quando o comandante do Exército, diante de uma tentativa de golpe, escolhe o silêncio, ele não é apenas cúmplice por omissão — ele é parte do problema. E é preciso que o país saiba identificar, com clareza, quem escolheu não proteger a democracia quando ela mais precisou.



Fonte: ICL Notícias

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