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Embora o Brasil seja um dos maiores produtores de alimentos do mundo, dados da FAO-ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) mostram que 8,4 milhões de brasileiros passaram fome no triênio 2021-2023, o que representa 3,9% da população nacional. Mas por que isso acontece? Segundo reportagem do g1, a alta nos preços dos alimentos impede que os brasileiros comprem comida. O caminho, então, passa por melhorar a renda dos mais pobres.
Esse indicador mantém o Brasil no Mapa da Fome da ONU desde 2021, do qual o país havia saído pela primeira vez em 2014.
O número de brasileiro passando fome, no entanto, melhorou em relação ao período 2020-2022, quando a fome atingia 4,2% dos brasileiros.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, embora o desemprego esteja entre os patamares mais baixos da história, a alta dos preços dos alimentos, impactados principalmente pelas mudanças climáticas, tem afetado o poder de consumo da população. Eles apontam que as mudanças climáticas são, hoje, o principal risco para o desabastecimento de alimentos do país.
Além disso, o Brasil ainda tem locais com pouca ou nenhuma oferta de alimentos saudáveis, chamados de desertos alimentares.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou que, em março, a inflação oficial medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) encerrou o mês com avanço de 0,56%, após registrar alta de 1,31% no mês anterior. Todos os grupos de produtos e serviços tiveram alta no mês, com destaque para Alimentação e bebidas, que acelerou de 0,70% para 1,17%.
O governo do presidente Lula (PT) elegeu o combate à alta dos preços dos alimentos como o grande foco de seu governo em 2025. No início de março, foi anunciado um conjunto de medidas nesse sentido, incluindo zerar a tarifa de importação para alguns produtos, como carne, café, açúcar, milho e azeite de oliva.
Porém, as oscilações do dólar, causadas principalmente depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciou sua guerra tarifária contra vários países exportadores de produtos aos EUA, incluindo o Brasil, a volatilidade da moeda tem sido constante, com impactos em insumos usados na agricultura.
“Quem não ganha salário mínimo, passa fome”, diz Graziano
José Graziano, que foi diretor-geral da FAO-ONU entre 2012 e 2019 e coordenador do programa Fome Zero durante o primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), disse que a fome no Brasil é massiva.
“Há um grupo de políticas macroeconômicas que são as grandes responsáveis por erradicar a fome quando ela tem a proporção que tem no Brasil: ela é massiva, não é localizada e nem específica”, disse.
“Quem não ganha o salário mínimo, passa fome. Então, o que resolve é gerar emprego e melhorar a renda das pessoas”, completou.
Ao g1, ele explicou que esse foi o caminho traçado pelo Brasil para sair do Mapa da Fome em 2014, citando a política de valorização do salário mínimo, a criação do Bolsa Família, além de incentivos à agricultura familiar.
Ele relacionou a volta do Brasil ao Mapa da Fome à piora dos indicadores de emprego e renda, a partir da crise de 2014/2016. Essa piora se estendeu até a pandemia de Covid-19.
Graziano também mencionou o esvaziamento de políticas voltadas para a segurança alimentar durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Alguns deles são a merenda escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no qual o governo federal, os estados e municípios compram produtos de agricultores familiares para doar a escolas, hospitais e a pessoas em vulnerabilidade social.
Esse cenário levou 33 milhões de brasileiros à insegurança alimentar grave em 2022, segundo dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).
A pesquisadora do Cepea-USP Sílvia Helena de Miranda citou ainda que, apesar da queda do desemprego, os aumentos salariais não acompanharam a disparada da inflação ao longo dos anos.
Entre 2014 e 2024, por exemplo, os salários tiveram um aumento real (já com desconto da inflação) de 5%, enquanto a inflação para a baixa renda subiu 85,8%, e os preços dos alimentos dispararam 116,7%
“Logo, para a população de menor renda, as condições econômicas de acesso aos alimentos pioraram”, disse ela, lembrando que as famílias mais pobres gastam uma proporção muito maior da renda com alimentos do que as famílias de classe mais elevada.
Plano para erradicar a fome
Também ao g1, Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), lembrou que a insegurança alimentar no Brasil não tem a ver com problemas de abastecimento, e que aumentar a oferta de comida não vai tirar pessoas da fome. “Para melhorar a nutrição do brasileiro, é preciso melhorar a renda dele”, destacou.
“Não só a comida ficou mais cara, como também o transporte, o custo de vida em geral. Hoje, temos muito mais pessoas entrando nos programas sociais do que saindo. E isso é um problema. Não só deste governo, mas de longa data”, disse Lucchi.
Em março, o governo Lula lançou o 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, resultado de um processo que envolveu 24 ministérios, reunidos na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), além do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O documento estabelece 18 estratégias intersetoriais e 219 iniciativas voltadas à garantia da segurança alimentar e nutricional para o cumprimento de uma meta: tirar o país do Mapa da Fome até 2026.
Para a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da USP, Semíramis Domene, o país sabe como chegar a esse objetivo.
“São metas muito ambiciosas, mas o Brasil já fez isso uma vez. E o fato da gente ter conseguido sair do Mapa da Fome em 2014 mostra que a gente sabe qual é o caminho”, avalia a professora.
O 3º Plansan destaca que, entre as regiões brasileiras, Norte e Nordeste apresentam os índices mais elevados de insegurança alimentar grave, com 7,7% e 6,2% de seus domicílios nessa condição.
Fonte: ICL Notícias