Local, situado na antiga Rua Belém, zona Centro-Sul da capital, foi palco de corridas de cavalo e dos primeiros jogos do Campeonato Amazonense; hoje está abandonado
Quem passa pela antiga Rua Belém vê apenas um muro aos pedaços com portões de ferro presos por fios de energia e um busto de cavalo na fachada. Olhando de cima, da velha entrada, um local claramente esquecido, com mato crescido e campo de terra batida, imerso em um ambiente urbano e sufocante. De baixo, o contraste é bem maior. De um lado, idosos proseando sobre os bons tempos do Prado e da vitória do Rio Negro sobre a Rodoviária no fatídico oito de julho de 1973, último dia de atividades no estádio. Em outro canto, crianças jogando vôlei em uma típica tarde de verão, um chuveiro improvisado e entulhos de casas vizinhas, amontoadas nas beiradas do local, marcam o pouco que sobrou de um dos templos do esporte manauara: o Parque Amazonense.
O cenário é bem diferente de tempos atrás. Isso porquê, o local que hoje é completamente esquecido, já foi palco, durante um bom tempo dos 347 anos de Manaus, de grandes eventos e competições de turfe e do futebol amazonense, além de ser um dos primeiros “point´s” das famílias manauaras. A área localizada atrás do Reservatório do Mocó, na antiga Vila Municipal, Zona Centro-Sul, pertencia a um comerciante português, que mais tarde a vendeu para os maçons. Foi apenas em 1906, no governo de Constantino Nery, em parceria com o prefeito Adolpho Lisboa, que as portas do parque foram abertas à população. No início, o espaço se destinava às corridas de cavalo, mas o declínio do período da borracha levou a queda do “esporte rei”. No entanto, foi com o futebol que o Prado viveu seus anos dourados. Relembre um pouco da história!
DE HIPÓDROMO À TEMPLO DO ESPORTE AMAZONENSE
O território do Parque Amazonense era bem maior que a área atual. Grande parte era reservada à prática do turfe e ainda hoje é possível ver, de cima, a pista destinada às corridas de cavalo. Mas, tudo o que é bom dura pouco. Com o fim do período áureo da borracha e consequentemente a queda dos barões dos seringais, o esporte “puro sangue” caiu em declínio e aos poucos outras práticas desportivas foram se desenvolvendo no Prado, como o futebol. Walter Rayol, mais conhecido como Zé do Parque, contou um pouco dessa história em crônica publicada na edição de número sete da revista Esporte em Revista, de 10 de outubro de 1967:
“O Hipódromo foi instalado e funcionou normalmente até 1912. Voltou a funcionar a sua pista de corrida somente em 1918 […]. Já nessa época havia, simultaneamente, partidas de futebol e corridas de cavalos porque o Dispensário Maçônico, que recebera o antigo Hipódromo, por doação, ali fizera um estádio para a prática do esporte-rei, cuja inauguração verificou-se em 1918, quando aqui esteve pela primeira vez, um combinado cearense. A partir dai, no Parque foram disputados os campeonatos de futebol amazonense”, escreveu Rayol.
Apesar da repentina queda, o turfe deixou marcas permanentes no Parque Amazonense, como a construção das primeiras arquibancadas de ferro e o busto de um cavalo estampado na fachada do local, uma das poucas coisas que permanecem até hoje. Já o futebol – esporte trazido pelos ingleses e que mais tarde cairia nas graças dos brasileiros – começou a ser jogado no Prado em 1918. A primeira partida foi protagonizada por Rio Negro e Nacional, no dia 13 de julho do mesmo ano, e ambas as equipes ficaram em um empate de 1 a 1.
Em toda sua história, o Parque Amazonense foi arrendado diversas vezes e sob o comando de seus inúmeros proprietários sofreu modificações importantes, tanto positivas quanto negativas. De acordo com o acervo do jornalista Carlos Zamith, conservado pelo seu filho, Carlyle Zamith, em 1946 o local foi vendido à Federação Amazonense de Desportos Atléticos (Fada). Já em 1960, o prado maçônico passou a ser administrado pelos irmãos Artur e Amadeu Teixeira, do América. A dupla foi responsável por algumas melhorias dentro da praça esportiva, como a ampliação das arquibancadas de ferro e a construção de uma de concreto, atrás do gol.
No entanto, no dia 21 de maio de 1967, o Parque viveu um dos seus momentos mais tristes. Ao final do jogo entre Rio Negro e São Raimundo, pelo Campeonato Amazonense, pouco faltava para a conclusão das obras de ampliação das arquibancadas, quando um acidente aconteceu:
“Ao término do jogo, quando os torcedores procuravam o caminho para deixar esse setor, algumas tábuas que serviam como uma espécie de passarela deslizou e muita gente caiu de uma altura de aproximadamente três metros. Houve grande tumulto, várias pessoas feridas e um cidadão saiu com ferimentos graves. Foi internado e assistido sob as expensas da entidade, mas infelizmente veio a falecer quase um mês depois devido a outras complicações“, relatou Zamith.
O DECLÍNIO DO PRADO
Após o incidente e sem dinheiro, os irmãos Teixeira foram obrigados a devolver o espaço à maçonaria, que mais tarde o repassou a uma empresa da zona Franca de Manaus. Não demorou muito para que os maçons repassem o Prado a outro grupo do ramo da construção civil. Segundo relatos, a ideia dos novos donos era construir um conjunto habitacional no local. Tanto que, assim que foram assinados os contratos de venda, o novo proprietário mandou demolir toda a estrutura da arquibancada, coberta com telhas de barro de fabricação portuguesa, como consta nos relatos históricos do já falecido Carlos Zamith.
“O último jogo disputado oficialmente no campo do Parque, valeu pelo campeonato de profissionais, no dia 8 de julho de 1973. Nesse dia o torcedor jamais acreditaria que Rio Negro e Rodoviária estivessem fechando os portões de ferro do velho campo da então Rua Belém, também chamado de campo da linha circular, por ser aquela artéria um dos itinerários dos bondes de duas lanças que faziam a linha Circular-Cachoeirinha“, descreveu Zamith.
Já com parte da estrutura e da história destruídas, a prefeitura sob o comando de Jorge Teixeira tentou reverter a situação crítica da praça esportiva e arrendar o local para os cuidados da esfera municipal. No entanto, sem sucesso. Desde o fechamento, a área do Parque passou a ser loteada por moradores do antigo Beco do Macedo, hoje Nossa Senhora das Graças, bairro que cresceu no entorno do espaço esportivo. Atualmente, os únicos resquícios que sobraram do antigo Prado Amazonense são os portões de ferro, a fachada e uma viga de sustentação de uma das arquibancadas, hoje conservada pelos moradores.
O PARQUE AMAZONENSE HOJE
Para os moradores mais antigos do bairro, falar de Parque Amazonense é um misto de alegria, tristeza e saudade. Muitos cresceram no entorno e viram o “desabrochar” do estádio, como seu fim inexplicável. Como é o caso do pedreiro José Ferreira da Costa, de 64 anos, que chegou a Manaus com a família no dia 12 de agosto de 1963 e acompanhou os últimos anos de atividade do Prado, e que hoje lamenta as atuais condições do espaço. Ele é um dos “guardiões” das poucas relíquias deixadas pelo tempo aos moradores do Beco do Macedo.
– Isso aqui está entregue às baratas. E precisamos “agradecer” aos nossos governantes por isso. Cheguei aqui com 12 anos e ainda vi isso aqui lotado, cheio de gente. Era aqui e na Colina. No domingo, isso aqui era cheio de famílias, pais, mães, filhos que vinham assistir os jogos do Fast, do Rio Negro, Nacional. E é um crime o que fizeram com o Parque Amazonense. Meu sentimento é de tristeza. Vi isso aqui crescer e hoje está do jeito que está. Fizeram até uma delegacia que não serve pra nada. Não tem utilidade e nem dá pra dizer que é pro progresso, porque não houve progresso nenhum pra nossa comunidade. Do passado só restou os portões e uma viga – falou.
Para as gerações mais novas, mesmo que nunca tenham vivido a experiência de assistir um jogo de futebol no antigo Parque da Rua Belém, brincar no espaço é algo que fascina pelo peso da história que aquele chão carrega, como conta o estudante Alexander Cabral, de 12 anos.
– Meus pais me contam que aqui era um grande estádio da nossa cidade, onde jogaram pessoas importantes, times importantes. E é algo que pra mim tem uma certa importância, já que nós estamos aqui jogando onde eles jogaram, brincando onde outras pessoas, outras famílias também brincaram um dia. Não sei como era isso aqui no passado, mas tenho certeza que era muito bonito e apesar de não ter vivido isso, sinto falta – declarou.
*Por Matheus Castro, com supervisão de Silvio Lima