Por Natalia Viana — Agência Pública
O X, empresa de Elon Musk, teve que pagar indenização por danos morais no valor de mais de R$ 500 mil a um ex-funcionário pelo vazamento de seus emails. É o que demonstram documentos relativos ao processo que foi aberto na 85ª Vara do Trabalho de São Paulo, obtidos pela Agência Pública. A demanda foi resolvida através de um acordo, assinado em 24 de junho de 2024, que reconhece a violação aos direitos do ex-conselheiro legal sênior da empresa no Brasil.
O advogado Rafael Batista trabalhou durante dois anos e meio no X – à época, Twitter –, mas deixou o posto em janeiro de 2022, meses antes da compra da rede social por Musk, que ocorreu em outubro daquele ano.
Em 3 de abril de 2024, 24 emails, sendo muitos de autoria de Batista, foram publicados no X pelo ativista norte-americano Michael Shellenberger em um fio que atingiu mais de 30 milhões de visualizações. Reportagens com base nesse mesmo email foram publicadas em vários sites brasileiros.
Batista foi o principal nome do Twitter Files Brazil, uma versão brasileira do vazamento de emails internos do Twitter coordenado por Musk quando comprou o Twitter. Ao publicar os 24 emails, Shellenberger alegou que eles comprovaram que Alexandre de Moraes e “outros funcionários do governo” ameaçaram “processar criminalmente o advogado do Twitter” – o que era mentira. A alegação foi desmentida por jornais e agências de checagem, e o próprio Shellenberger teve que voltar atrás.
Segundo os documentos do processo trabalhista analisados pela Pública, o ex-conselheiro legal alegou que a empresa vazou os emails de maneira “potencialmente proposital” para “colocar em xeque a atuação do Judiciário brasileiro”, o que poderia manchar sua reputação profissional.
“A esse respeito, cumpre destacar que dezenas de e-mails enviados pelo requerente entre os anos de 2020 e 2021 (durante a vigência do contrato de trabalho) serviram de base para construção de narrativa equivocada, que não condiz com a realidade vivida à época pelo requerente e seus colegas de trabalho.”
O processo nota que ou a empresa vazou os dados do ex-empregado ou falhou ao protegê-los. Além disso, segundo os documentos, Batista teve seus dados pessoais expostos, ao contrário do que ocorreu com outros funcionários, que tiveram seus nomes tarjados nos emails do Twitter Files Brazil.
Como resultado da exposição, Batista teve um agravamento do quadro de depressão e transtorno de ansiedade, segundo os documentos.
A demanda tramitou sob segredo de justiça, a pedido dos advogados de Batista. Mas a tramitação foi rápida: em apenas dois meses, a X Brasil Internet Ltda. havia concordado em pagar a indenização.
A Pública procurou Batista, que não respondeu aos questionamentos da reportagem, mas confirmou que houve “composição entre as partes com finalidade indenizatória”. “Em respeito à confidencialidade do processo, não poderei me manifestar sobre o conteúdo discutido nos autos, tampouco sobre os valores ou demais detalhes do acordo celebrado”, escreveu em nota.
A Pública procurou também o X através da sua representante legal Rachel Villa, em email informado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem. Procurou também a Public Policy Manager Gabriela Salomão, em email disponibilizado por ela durante palestra recente em evento do Partido Liberal (PL), mas igualmente não houve resposta. Finalmente, entrou em contato com o advogado que representou a empresa no processo, sem resposta. O espaço continua aberto.

Visita de Musk ao Brasil em maio de 2022 quando o empresário e o governo Bolsonaro abriram caminho para os satélites da Starlink avançar no país (Foto: Zack/MCOM)
O que diz o processo
Segundo os documentos analisados pela Pública, o X violou pelo menos duas cláusulas do acordo de rescisão contratual de Batista quando ele saiu do trabalho. Nele, a empresa se comprometia a manter sigilo sobre informações do ex-funcionário. Além disso, o X deveria prover assistência legal gratuita em causas judiciais relacionadas à sua atuação na empresa – o que não foi feito no caso do Twitter Files Brazil.
A ação trabalhista argumenta que Batista ficou nacionalmente conhecido pelo vazamento operado “de maneira absolutamente lesiva”, uma vez que “suas mensagens foram utilizadas para construir uma narrativa falsa, voltada a manchar a imagem do Poder Judiciário brasileiro”. Nota, ainda, que as postagens relacionadas ao seu nome ficarão online por período indeterminado.
Além disso, o vazamento “reviveu, de maneira absolutamente desleal, situação altamente traumatizante ocorrida durante a relação de emprego”.
Trata-se de uma investigação criminal aberta pelo Gaeco, grupo que investiga organizações criminosas no Ministério Público de São Paulo, contra o próprio Batista em 2021, pela negativa do Twitter em entregar dados de um usuário supostamente ligado ao PCC.
“Não há nos e-mails qualquer imputação do requerente a um risco institucional à democracia, ou mesmo à quebra de parcialidade e perseguição de determinado grupo político. Além do mais, como reiterado em diversas oportunidades, o requerente não tem condições de atestar, atualmente, a higidez das mensagens”, diz a demanda.
Elon Musk é acusado de expor ex-funcionário e descumprir acordo no caso do Twitter Files Brazil, segundo processo (Foto: Zack/MCOM)
O papel de Elon Musk
Um dos pontos centrais do processo trabalhista é o fato de que grande parte dos emails tratava justamente da investigação feita pelo Gaeco, e não pelo STF. As investigações “sem conexão direta com a narrativa de fatos ocorridos no STF ou no TSE, que sustentariam as alegações de ameaça à democracia” representariam um uso dos emails “de maneira objetivamente equivocada”.
O processo ainda reforça o papel de Musk ao disseminar as mensagens. Reitera, por exemplo, que Musk retuitou em 8 de abril de 2024 uma matéria em inglês do site Not the Bee que afirmava que o governo brasileiro sob Lula fez pressões sobre a rede de Musk “para censurar seus próprios cidadãos em direta violação à Constituição”. Musk acrescentou que a reportagem seria “precisa”.
Segundo o processo trabalhista, “o impulsionamento foi agravado, ainda, por uma clara tentativa de embate entre o dono do X e o Poder Judiciário brasileiro, inclusive com ameaças diretas de encerramento das operações no Brasil e descumprimento de ordens judiciais”.
Pela visibilidade alcançada pelos posts de Shellenberger e Musk, o ex-funcionário alega na petição ter sido alvo de achaques na rede social – há um exemplo, inclusive, de uma postagem dizendo “esse Rafael Batista será encontrado suicidado com 10 tiros na nuca”. O advogado teve que passar por acompanhamento de profissionais da área médica.
“A própria empregadora impulsionou, dolosa e ostensivamente, as mensagens divulgadas a partir do vazamento, inclusive confirmando a veracidade das comunicações”.
A divulgação dos chamados “Twitter Files Brazil” motivou subsequentes ataques de Musk à democracia brasileira, altamente reproduzidos pelo campo bolsonarista.
Após os ataques do bilionário, Moraes o incluiu no inquérito das fake news. A seguir, Jair Bolsonaro divulgou um vídeo de encontro com o bilionário e afirmou que “Elon Musk é o mito da nossa liberdade”.
Fonte: ICL Notícias