Início Notícias Brasil Sala de aula, um lugar perigoso

Sala de aula, um lugar perigoso

0


Por Valter Mattos da Costa*

É triste admitir, mas as salas de aula brasileiras transformaram-se em campos de batalha cotidianos, onde a violência contra professores é cada vez mais corriqueira e preocupante. Não são casos isolados, tampouco excepcionais; tornaram-se cotidianos, banalizados pela indiferença coletiva.

Relatos de agressões físicas e verbais aumentam diariamente. Em um episódio ocorrido em 13 de março de 2025, a professora Denise Lopes Galvão, Diretora Geral do CIEP Brizolão 178 João Saldanha, em São João de Meriti, Rio de Janeiro, foi violentamente agredida ao tentar separar dois alunos que brigavam no corredor da escola. A agressão causou uma lesão grave em seu pé, exigindo imobilização por dez dias. Infelizmente, este caso emblemático não é isolado e ilustra a vulnerabilidade constante dos educadores nas escolas públicas brasileiras.

O ambiente escolar, originalmente concebido como espaço de formação e segurança, tornou-se reflexo direto das desigualdades e conflitos que marcam a sociedade. Alunos, muitas vezes vítimas de abandono social e violência estrutural, reproduzem nas escolas a agressividade vivida em seus cotidianos. Essa realidade afeta diretamente a saúde física e emocional dos professores, que enfrentam diariamente atos de desrespeito, grosseria e pequenas agressões, frequentemente banalizados como normais. O resultado é um ambiente cada vez mais hostil e inseguro para quem ensina e para quem aprende.

Professores não enfrentam apenas a violência direta dos alunos, mas também a negligência das instituições públicas, incapazes de garantir segurança e condições dignas para o exercício da profissão. A omissão governamental perpetua uma violência institucional que agrava o cenário.

Como professor, com anos em sala de aula, empiricamente posso atestar três fatores principais que agravam a violência nas escolas: má gestão institucional, influência de fatores externos como gangues e tráfico de drogas, e deterioração das relações interpessoais internas. Além disso, a ausência de inspetores, porteiros e equipes treinadas deixa professores abandonados à própria sorte, expostos diariamente a riscos muito maiores do que simples atos de indisciplina.

Dados coletados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já apontavam, desde 2013, que o Brasil liderava o ranking mundial de violência contra professores. Esses indicadores históricos, alarmantes na época, mostravam elevados índices de agressões físicas e verbais sofridas pelos docentes brasileiros, antecipando o cenário dramático que se consolidou hoje nas escolas, com profundas consequências na saúde emocional, na motivação profissional e no próprio ambiente educacional.

Essa situação resulta em graves consequências psicológicas e profissionais para os professores. Observa-se que a violência escolar tem um impacto devastador sobre a saúde emocional e a carreira dos docentes. Muitos professores frequentemente relatam sentimentos profundos de impotência, abandono e humilhação, condições que podem levar ao adoecimento emocional, ao afastamento das atividades escolares e, em muitos casos, à desistência definitiva da profissão.

A violência escolar assumiu formas variadas, desde agressões físicas graves até as chamadas incivilidades cotidianas, como grosserias, empurrões e ameaças veladas. Esses atos frequentemente passavam despercebidos ou eram banalizados como “brincadeiras inocentes”, mas acabam por desgastar diariamente as relações interpessoais no ambiente escolar, desestruturando o convívio entre alunos e professores e comprometendo o processo educativo como um todo.

A escola não pode, sozinha, resolver o complexo problema da violência escolar. É fundamental uma articulação mais ampla entre Estado, sociedade civil e pais de alunos. Contudo, muitos professores encontram-se isolados, sem apoio de gestores ou famílias, frequentemente responsabilizados por fracassos sociais e educacionais cuja origem está muito além de seu alcance ou controle.

Por trás dessa violência estão também as condições sociais precárias dos estudantes, que muitas vezes chegam às escolas vindos de contextos marcados pelo desemprego, miséria e abandono. Quando a educação perde seu papel emancipatório e passa a refletir as contradições sociais mais profundas, a sala de aula se transforma num campo de batalha onde todos saem derrotados.

A solução passa por uma urgente tomada de posição social e política. A violência contra professores, além de sua necessária e urgente valorização, precisa ser enfrentada por meio de políticas públicas integradas, que unam família, escola e Estado na formação cidadã, ética e humana dos estudantes.

É imprescindível superar a indiferença que banaliza esses acontecimentos, compreendendo que o problema transcende a sala de aula. Enquanto a sociedade continuar ignorando essas partes fundamentais da realidade escolar, nunca atingiremos o “todo” que tanto se deseja transformar. Não basta lamentar as tragédias cotidianas, é preciso agir decisivamente.

Se a educação é o caminho para uma sociedade mais justa, então proteger e valorizar quem a promove é tarefa urgente e inadiável. Denunciar a violência contra professores é um dever social, uma necessidade ética, um imperativo humano.

 

*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.



Fonte: ICL Notícias

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Sair da versão mobile