Queiroz, o coronel e uma história mal contada

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Você daria o poder de operar sua conta bancária, fazer saques e assinar cheques para um quase estranho? A ideia parece impensável, certo? Pois foi o que aconteceu em 2009 entre Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, e o coronel Washington Luiz Lima Teixeira, na época militar da ativa do Exército e hoje assessor da presidência da Casa da Moeda — um cargo do alto escalão. O fato objetivo: coronel Teixeira assinou uma procuração, registrada em cartório, em que deu a Queiroz “amplos poderes” para fazer transações bancárias em suas contas. É o que eu, Guilherme Mazieiro, e o premiado repórter Amaury Ribeiro Jr. buscamos entender na reportagem “O elo militar”. E a história se mostrou mais estranha (e complicada) do que esperávamos.  Clique nas letras azuladas e Leia

A investigação teve início quando uma fonte do Amaury enviou documentos com uma procuração (de 2009) e a escritura de compra e venda (de 2018) de um apartamento envolvendo o nome dos dois. Mas descobrimos que a relação entre Queiroz e o coronel começou há mais de 20 anos, em 1999. Naquele ano, segundo eles, a partir da apresentação por um conhecido em comum, o então assessor de Flávio Bolsonaro decidiu comprar um imóvel de Teixeira na Rua Baronesa, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. A região é conhecida por ser dominada pela milícia.

Em entrevista por telefone a mim, Queiroz justificou que em 1999 não teria como pagar o imóvel à vista e por isso fez um contrato de gaveta com Teixeira (na época, um tenente do Exército). Pelo que consta no documento, o assessor de Flávio deu uma entrada de R$ 20 mil (corrigidos, hoje seriam R$ 83,7 mil) e assumiu o compromisso de pagar o restante do financiamento do imóvel em seis anos – até 2005. Teixeira me disse que a prática era comum nos anos 1990 e que a negociação foi lícita. Descobrimos que o financiamento, porém, continuou em nome do coronel e não foi pago no período pré-determinado. Mas o detalhe mais insólito dessa história vem agora.

Em 2009, Teixeira, que tem bom trânsito junto a militares poderosos do governo Bolsonaro, assinou uma procuração dando os tais amplos poderes para que Queiroz pudesse movimentar suas contas bancárias na Caixa, inclusive fazendo saques, assinando cheques e criando e fechando novas contas. O documento que o coronel Teixeira deu a Queiroz indica uma relação de extrema confiança, mas atípica para duas pessoas que não se conheciam bem, como ambos me asseguraram. Em entrevista, os dois disseram que a procuração visava facilitar burocracias, como o envio de boletos para Queiroz, e que fizeram isso porque o coronel costumava viajar a serviço e nem sempre estava no Rio de Janeiro.

Ao telefone, Queiroz riu quando perguntei sobre a possibilidade de fazer “saque e depósito na conta de um coronel do Exército” (o áudio está na reportagem). Ambos alegaram que não houve transação nem movimentação em nenhuma conta do coronel. Naquele ano de 2009, segundo denúncia do Ministério Público do Rio, Queiroz já operava o esquema de rachadinhas no gabinete do filho do presidente. Rachadinha é um nome algo fofo para o crime de roubo de dinheiro público a partir do desvio de salários de assessores (muitas vezes fantasmas). Flávio e Queiroz negam o crime.

A venda do apartamento, que se arrastou por longos 19 anos, foi finalmente concluída em dezembro de 2018. Curiosamente, no dia seguinte à publicação da primeira reportagem sobre dados do Coaf, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que apresentou Fabrício Queiroz a todo o país e registrou que o governo havia identificado movimentações atípicas de dinheiro nas contas dele. 

A documentação, que na reportagem mostramos em detalhes, registra pela primeira vez a ligação de Queiroz com um alto oficial da ala militar do governo Bolsonaro. Para apurar a essa história, foram seis semanas de apuração por telefone e in loco. Entrevistei 15 pessoas, entre egressos do governo Bolsonaro, parlamentares, fontes ligadas a antigos locais de trabalho de Teixeira, bancários e servidores da Justiça Militar. Acionamos também nosso departamento jurídico: nossos advogados leram cuidadosamente todos os documentos e versões da reportagem até a final.

A matéria na íntegra está em nosso site — não deixe de ler e compartilhar. Mas te contei tudo isso para ilustrar como o jornalismo de fôlego e de impacto que fazemos no Intercept demanda tempo, dinheiro, amparo jurídico, braços e dedicação. Essa foi uma das grandes reportagens que o Intercept produziu em abril, que também denunciaram a vista grossa da Amil para denúncias sobre a quimioterapia oferecida por uma clínica e a revelação de que o site de apostas Pixbet, bola da vez no futebol brasileiro, é suspeito de operar irregularmente. Em um mês tão produtivo do site, infelizmente nossa arrecadação é a mais baixa do ano até aqui: faltam menos de dois dias para o fim do mês e estamos quase R$ 100 mil abaixo da meta de abril.

 

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