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Poluição de remédios para ansiedade muda comportamento de peixes como o salmão

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Por Reinaldo José Lopes

(Folhapress) — Os remédios para ansiedade consumidos por uma parcela cada vez maior da população podem estar modificando de forma significativa o comportamento dos peixes quando seus resquícios chegam à água dos rios.

Num experimento conduzido com salmões na Suécia, pequenas quantidades desse tipo de droga fizeram com que os animais atravessassem mais rápido turbinas de hidrelétricas e alterassem sua participação em cardumes, ficando mais distantes uns dos outros. Com isso, acabavam chegando ao mar com mais frequência do que os peixes “sem doping”.

A contaminação dos remédios afetou o comportamento dos peixes (Foto: Reprodução)

Ainda não está claro quais os efeitos de longo prazo desse tipo de processo, mas tudo indica que os experimentos conseguiram reproduzir com razoável fidelidade o que pode acontecer nos casos em que há alguma concentração de medicamentos usados por seres humanos na água.

“É importante levar em conta que qualquer mudança no comportamento e na ecologia naturais de uma espécie tende a ter consequências negativas mais amplas, tanto para aquela espécie quanto para a comunidade de espécies em volta dela”, declarou à Folha um dos autores do estudo, Michael Bertram, da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas. “Até consequências comportamentais que de início parecem benéficas podem acarretar custos ocultos.”

O trabalho, que acaba de sair no periódico especializado Science, é uma tentativa de analisar de forma controlada as consequências de um problema cada vez mais comum. Nos processos de fabricação, uso e descarte de produtos farmacêuticos, muitas vezes essas substâncias vão parar em corpos d’água como lagos e rios. Até agora, cerca de 1.000 medicamentos ou suas versões metabolizadas (ou seja, transformadas por sua passagem pelo organismo humano) já foram identificados nesses ambientes.

É claro que a água pode diluir essas substâncias. No entanto, há várias razões pelas quais não se pode assumir que sua presença será segura para a vida aquática.

O primeiro problema é que muitos desses medicamentos afetam as chamadas vias evolutivamente conservadas — ou seja, mecanismos bioquímicos presentes em grandes primatas como nós, mas também em boa parte dos vertebrados ou mesmo invertebrados. Isso faz com que o risco de efeitos deletérios valha para uma ampla gama de seres vivos.

Além disso, várias dessas substâncias foram criadas para ter uma ação sobre o organismo mesmo em concentração baixa e podem demorar para se desfazer na água. E, no caso de fármacos com efeito direto sobre o sistema nervoso, como ansiolíticos e antidepressivos, os cientistas já detectaram traços deles no cérebro de animais aquáticos, em concentrações que poderiam afetar o comportamento.

Comportamento dos peixes

No novo estudo, Bertram e seus colegas estudaram o processo de migração de centenas de jovens salmões-atlânticos (Salmo salar), típicos do norte da Europa. Os peixes nascem na água doce e passam até quatro anos nela antes de descer o rio rumo ao mar, onde vão passar mais alguns anos de seu ciclo de vida.

Os salmões jovens acompanhados pela equipe, com média de dois anos de idade, receberam marcadores acústicos que permitiam que eles fossem monitorados durante sua jornada pelo rio Dal, no centro da Suécia.

Além disso, metade deles recebeu implantes que liberavam fármacos lentamente em seu organismo (houve também um grupo controle, com implantes sem fármacos).

A ideia era imitar a concentração baixa da água poluída por produtos farmacêuticos — no caso, em três variantes.

Alguns dos implantes continham apenas o ansiolítico clobazam (disponível também nas farmácias brasileiras); outros tinham um analgésico da classe dos opioides, o tramado; e outros animais carregavam uma mistura dos dois fármacos. Os cientistas tomaram ainda o cuidado de escolher um rio em que havia pouca ou nenhuma contaminação com as substâncias, para evitar um efeito mais intenso que o da poluição “normal”.

Ao monitorar os filhotes ao longo de 2020 e 2021, os pesquisadores perceberam que o grupo que recebeu o ansiolítico teve uma probabilidade maior de migrar até o mar Báltico descendo o rio do que os demais: por ano, 9 salmões foram parar na água salgada nesse grupo, contra 4 salmões no grupo controle (nos outros dois grupos, não houve diferença significativa).

Além disso, os salmões que “tomaram” ansiolítico atravessaram turbinas de hidrelétricas no rio Dal com velocidade até três vezes maior que os peixes do grupo controle. Por fim, experimentos feitos em laboratório, e não no rio, indicam que os salmões sob efeito do remédio para ansiedade tinham menor tendência a se juntar em cardumes próximos quando estavam na presença de um peixe predador de água doce, o lúcio (Esox lucius).

Para Bertram, é possível que esse seja o grande problema. A reação ao lúcio sugere que o ansiolítico está afetando a reação dos peixes diante de riscos. Com isso, eles podem se expor mais a predadores na natureza.

“Além disso, a alteração no ritmo da migração pode fazer com que os peixes alcancem o mar em condições abaixo das ideais”, o que também teria impacto negativo em sua sobrevivência, argumenta ele.



Fonte: ICL Notícias

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