A Polícia Federal identificou pelo menos 35 militares citados no plano Punhal Verde Amarelo, que pretendia executar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, informa reportagem de Pepita Ortega, Marcelo Godoy e Fausto Macedo, do Estadão. Além dos quatro militares que foram presos nas terça-feira (19), há dez generais, 16 coronéis e um almirante citados na Operação Contragolpe.
Em nota divulgada no dia da operação, o Exército afirmou que a Força “não se manifesta sobre processos em curso, conduzidos por outros órgãos, procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República”. As defesas dos presos na operação desta terça-feira, 19, não se manifestaram.
Na deflagração da Operação Contragolpe, foi preso Mário Fernandes, general da reserva e ex-secretário-executivo do governo Bolsonaro. Em seu celular, a PF encontrou mensagens em que Fernandes e outros militares reclamavam sobre o Alto Comando do Exército, dizendo que ele “tinha que acabar” pelo fato de a cúpula do Exército não ter embarcado no plano para manter governo Bolsonaro após uma derrota nas urnas.
A PF também achou alguns dos documentos mais importantes da investigação no celular de Fernandes: o plano Punhal Verde Amarelo’ e uma minuta para a instituição de um gabinete de crise que “pacificaria” o país depois do golpe e estaria sob a liderança dos generais Augusto Heleno e Walter Braga Neto.
Outros documentos dos celulares de outros dos dois presos na terça-feira (19), forneceram à Polícia Federal mais detalhes sobre os planos golpistas.
Com o major Rafael de Oliveira, foram localizados arquivos e mensagens relativas à operação Copa 2022, que tratava do sequestro e da execução de Alexandre de Moraes. A operação começou a ser executada no dia 15 de dezembro de 2022, mas acabou abortada de última hora.
No celular do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, estava uma “planilha do golpe”, com mais 200 linhas descrevendo o passo a passo para a ruptura democrática.
Os nomes dos militares envolvidos direta ou indiretamente na trama golpista foram classificados pela PF dentro de três grupos principais: os que dialogavam abertamente sobre o golpe; os integrantes do hipotético Gabinete Institucional de Gestão da Crise que seria criado após o golpe; e membros do Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência.
Militares falavam em urgência do golpe
As mensagens do celular de Mário Fernandes se destacaram na representação da Operação Contragolpe pelas ênfase com a qual os militares falavam da urgência do golpe.
Em uma das conversas, logo depois da derrota de Jair Bolsonaro, o coronel Roberto Criscuoli escreveu: “(…) eu acho que essa decisão tem que ser tomada urgente, cara. E o presidente não pode pagar pra ver também, cara. Ele vai destruir o nosso país, cara. Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô.”
“Porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando tempo pra eles se organizarem melhor? Pra guerra ser pior? Irmão, vamos agora. Fala com o 01 aí, cara”, seguia a mensagem do coronel. Ele negou ao jornal que tenha participado de planos para assassinar autoridades.
Os diálogos mostram ainda o acesso que Mário tinha a pessoas próximas de Bolsonaro, como o capitão Sergio Rocha Cordeiro, que era assessor da Presidência da República, e o coronel Marcelo Câmara, também aliado de primeira hora do ex-chefe do Executivo, figuras que foram alvos de operações anteriores da PF.
Em uma das mensagens, Mário enviou supostas provas que poderiam influenciar em decisões estratégicas, afirmou ter falado com o ministro da Justiça Anderson Torres e “expôs a preocupação de muita gente ‘jogar a toalha’, ou seja, desistir de seguir adiante com os intentos golpistas”. A PF diz que, aparentemente, a mensagem ficou sem resposta.
Cid também era um interlocutor de Mário. Em outro áudio, o general relatou a Cid ter conversado pessoalmente com Bolsonaro: “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”. Cid respondeu que conversaria com o então presidente.
Segundo a PF, Mário Fernandes seria um dos integrantes do Núcleo de Oficiais de Alta Patente. Os investigadores apontam que os integrantes desse núcleo, “utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”. A maioria dos militares citados como membros do grupo foram alvo da Operação Tempus Veritatis, em fevereiro.
Além de Mário, a PF cita: o almirante Almir Garnier Santos, comandante da Marinha entre abril de 2021 e dezembro de 2022 e que teria, segundo o delator Mauro Cid, colocado suas tropas à disposição para Bolsonaro dar início a um golpe de Estado após as eleições; e o Laércio Vergilio, coronel da reserva que trocou mensagens sobre o golpe com Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão que foi expulso do Exército e foi preso na investigação sobre fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente.
Também são mencionados os generais: Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa que enviou uma relatório ao Tribunal Superior Eleitoral lançando suspeitas sobre o pleito; Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022, que recebeu uma reunião em sua casa onde foi aprovado o plano de ação de ‘kids pretos’ contra Moraes; e o general Estevam Theóphilo, chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), que teria concordado com a ideia de um golpe em uma conversa com o ex-presidente e seria o responsável por arregimentar os ‘kids pretos’ na ação contra Moraes.
Todos os citados em investigações anteriores da PF sempre negaram o cometimento de crimes.
A formação do gabinete de crise
A PF também encontrou uma minuta de criação de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” que seria ativado em 16 de dezembro de 2022, um dia depois da ação contra o ministro Alexandre de Moraes. O grupo teria a função de “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o enfrentamento da crise institucional” e proporcionaria a Bolsonaro “maior consciência situacional das ações em curso para apoiar o processo de tomada de decisão”.
Na estrutura organizacional prevista para o gabinete, estavam os nomes de aliados muito próximos a Bolsonaro, como o general Heleno, que seria o chefe do gabinete e o general Braga Netto, inidcado como coordenador geral do grupo. Mário Fernandes seria da assessoria estratégica, junto com o coronel Élcio Franco, que foi secretário-executivo da Saúde (e também foi flagrado em áudios tramando o golpe).nOutro nome muito próximo ao governo Bolsonaro, Filipe Martins, seria assessor de relações instotucionais.
Como aconteceu com o plano Punhal Verde Amarelo, a PF suspeita que esse documento também tenha sido impresso no Palácio do Planalto. Os investigadores verificaram que um documento de mesmo nome foi impresso no Planalto, em seis cópias, com 30 páginas. As cópias seriam entregues em alguma reunião e a investigação aponta que Mário Fernandes visitou Bolsonaro no Alvorada no dia seguinte.
‘Estamos no alvo’
No celular do major Rafael de Oliveira, apontado como um dos principais responsáveis pela operação Copa 2022, aquela que prenderia e mataria Alexandre de Moraes, a PF identificou uma intensa troca de mensagens.
Em um diálogo em setembro de 2023, Oliveira comentou com um coronel sobre o fato de um kid preto ser alvo da Operação Lesa Pátria, suspeito de ser um idealizador dos atos golpistas de 8 de janeiro. “Estamos no alvo”, escreveu Oliveira.
Rafael compartilhou com outros dois coronéis e o capitão Lucas Garellus a entrevista em que o ministro Alexandre de Moraes, no início do ano, revelou a descoberta do plano de prisão e assassinato contra ele.