Lava Jato negociou em sigilo acordo bilionário com os EUA

0
260

O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol negociou em sigilo com autoridades norte-americanas um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades por causa da corrupção.

Num grupo de troca de mensagens pelo telefone, procuradores suíços e brasileiros mantinham uma comunicação intensa sobre cada etapa do processo da Operação Lava Jato. Foi neste grupo que Deltan detalhou aos suíços suas conversas com os norte-americanos, que vocês lerão a seguir. Esta é uma publicação em parceria com o UOL.

Por Leandro Demori e Jamil Chade

Antes, um recado importante: no final desta investigação você verá um link para apoiar A Grande Guerra. AJUDE, é simples e rápido. APOIE NOSSO JORNALISMO INDEPENDENTE PARA QUE POSSAMOS SEGUIR NESTE TRABALHO.

VOU APOIAR

As conversas aconteceram por mais de três anos pelo aplicativo Telegram e não eram registradas oficialmente. A negociação sobre o acordo que penalizaria a Petrobras com multas pagas nos Estados Unidos não envolveu a Controladoria Geral da União, o órgão competente, por lei, para o caso.

Os chats fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores e também do ex-juiz Sergio Moro. Parte dessas conversas foram entregues ao Intercept Brasil e publicadas na série Vaza Jato em 2019.

Os procuradores Deltan Dallagnol (esq.), Eduardo Pellela e Orlando Martello (dir.) na Suíça (Foto: Reprodução/TV Globo)

“My Swiss friends”

No dia 29 de janeiro de 2016, Dallagnol escreveu aos suíços para contar o resultado dos primeiros contatos entre ele e as autoridades norte-americanas.

Deltan – 12:25:52: Meus amigos suíços, acabamos de ter uma reunião introdutória de dois dias com a SEC (Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA. Tudo é confidencial, mas eu disse expressamente a eles que estamos muito próximos da Suíça e eles nos autorizaram a compartilhar as discussões da reunião com vocês.

O brasileiro, então, faz um resumo do que foi tratado:

“Proteção às testemunhas de cooperação: eles protegerão nossos cooperadores contra penalidades civis ou restituições; Penalidades relativas à Petrobras. O pano de fundo: O DOJ e a SEC aplicarão uma penalidade enorme à Petrobras, e a Petrobras cooperou totalmente com eles. Eles não precisariam de nossa cooperação, mas isso pode facilitar as coisas e, se cooperarmos, entendemos que não causaremos nenhum dano e poderemos trazer algum benefício para a sociedade brasileira, que foi a parte mais prejudicada (e não os investidores dos EUA). Como estávamos preocupados com uma penalidade enorme para a Petrobras, muito maior do que tudo o que recuperamos no Brasil, e preocupados com o fato de que isso poderia prejudicar a imagem de nossa investigação e a saúde financeira da Petrobras, pensamos em uma solução possível, mesmo que não seja simples. Eles disseram que se a Petrobras pagar algo ao governo brasileiro em um acordo, eles creditariam isso para diminuir sua penalidade, e que o valor poderia ser algo como 50% do valor do dinheiro pago nos EUA.”

A Petrobras fechou um acordo com os Estados Unidos mais de dois anos depois, aceitando pagar uma multa de 853,2 milhões de dólares para não ser processada. O acordo garantiu o envio de 80% do valor ao Brasil – contudo, não exatamente em benefício “para a sociedade brasileira”, como dissera Deltan.

Na verdade, metade do montante bilionário seria destinado a um fundo com CNPJ privado que a própria Lava Jato tentou criar. O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a criação do fundo a pedido da PGR. O dinheiro foi destinado à Amazônia e, agora, o CNJ investiga o caso.

Deltan Dallagnol continuaria em sua mensagem aos suíços:

“Outras empresas internacionais: elas concordam em buscar um acordo conjunto. Mencionei que estamos caminhando junto com vocês e eles disseram que é possível coordenar um acordo conjunto com o Brasil e a Suíça quando ambos os países tiverem casos em relação à empresa… Ressaltei a importância das provas suíças em relação a muitas empresas. Se isso der certo, nós (suíços e brasileiros) poderemos tirar proveito dos poderes dos EUA para pressionar as empresas a cooperar e fazer acordos. Tudo isso foi discutido apenas com a SEC. Ainda temos que discutir com o DOJ. Se quiser, posso colocá-lo em contato direto com as autoridades da SEC e do DOJ com quem conversamos. Eles disseram que estão disponíveis.”

DOJ é o Departamento de Estado dos Estados Unidos. SEC é a Comissão de Valores Mobiliários daquele país.

Stefan Lenz, o procurador suíço que, naquela ocasião, liderava o processo em Berna, comemorou.

Stefan – 12:41:32: “Muito obrigado por essa informação, que é MUITO importante para nós, Deltan!”

Lenz ainda explicaria que o então procurador geral da Suíça, Michael Lauber, também havia tido uma conversa com os americanos.

“Ambos querem iniciar conversas sobre uma estratégia comum e coordenação no caso da PB (Petrobras)”, disse.

O procurador suíço Stefan Lenz. Depois de receber, por anos, informações pelo Telegram sobre os casos brasileiros, ele pulou de lado no balcão e hoje, segundo o próprio, oferece seu “conhecimento e experiência a todos os réus em casos de crimes de colarinho branco ou vítimas e partes lesadas de tais crimes que dependem de apoio jurídico na Suíça”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui