Células artificiais
Os cientistas adoram fazer analogias das coisas vivas com máquinas, sobretudo por facilitar as explicações. E isso não elimina uma das questões mais fundamentais da ciência é: Como moléculas sem vida, as “peças da máquina biológica”, podem se unir para formar uma célula viva?
A equipe do professor Bert Poolman, da Universidade de Groningen, nos Países Baixos, trabalha nesse problema há mais de vinte anos, e recentemente trouxe uma novidade, criando o primeiro gerador de energia para uma célula sintética.
Já existiam células artificiais com genética própria e até células sintéticas que fazem fotossíntese, mas faltava uma maneira de supri-las com a energia necessária para que elas possam funcionar de maneira contínua e, claro, caminhar rumo a células artificiais de pleno direito, que teriam inúmeras aplicações, incluindo criar dispositivos eletrônicos biônicos.
Agora eles apresentaram dois passos adicionais importantes nesse esforço de criar versões sintéticas simplificadas dos sistemas biológicos, que possam ser usados para construir uma célula sintética completa.
A equipe desenvolveu um sistema para conversão de energia e alimentação cruzada de produtos das reações ocorrendo dentro das células sintéticas, e um sistema para concentrar e converter os nutrientes nas células.
Mitocôndria artificial
Seis institutos de pesquisa estão colaborando no consórcio BaSyc (Building a Synthetic Cell, ou Construindo uma Célula Sintética) para fabricar os elementos necessários para construir uma célula sintética.
A equipe do professor Poolman tem trabalhado na conversão de energia, tentando replicar as mitocôndrias, as “fábricas de energia” das células biológicas. Elas usam a molécula ADP para produzir ATP, que é o “combustível” padrão que as células precisam para funcionar. Quando o ATP é convertido de volta em ADP, a energia é liberada e usada para conduzir outros processos.
“Em vez de centenas de componentes de mitocôndrias, nosso sistema de conversão de energia usa apenas cinco,” detalhou ele. “Nós nos propusemos a simplificá-lo o máximo possível. Isso pode soar estranho, pois a evolução fez um ótimo trabalho na produção de sistemas funcionais. No entanto, a evolução é uma via de mão única, ela se baseia em componentes existentes e isso frequentemente torna o resultado muito complexo.”
Os cinco componentes foram colocados dentro de vesículas, pequenos sacos semelhantes a células, que podem absorver ADP, bem como o aminoácido arginina do fluido circundante. A arginina é “queimada” (desaminada) e, assim, fornece a energia para produzir ATP, que é secretado pela vesícula.
“É claro que a simplificação tem um preço: só podemos usar arginina como fonte de energia, enquanto as células usam todos os tipos de moléculas diferentes, como aminoácidos, gorduras e açúcares,” comentou Poolman. Contudo, uma réplica artificial pode ser projetada com um resultado específico em mente.
Para usar a energia, a equipe projetou uma segunda vesícula, que absorve o ATP secretado e o utiliza para induzir uma reação. A energia é fornecida transformando o ATP de volta em ADP, que é então secretado e pode ser absorvido pela primeira vesícula, fechando o ciclo. Esse ciclo de produção e uso de ATP é a base do metabolismo em todas as célula viva e conduz a “maquinaria” para reações que consomem energia, como crescimento, divisão celular, síntese de proteínas, replicação de DNA e muito mais.
O segundo módulo criado pela equipe é um pouco diferente: Uma vesícula na qual um processo químico faz com que o interior acumule uma carga negativa e, com isso, forme um potencial elétrico, semelhante ao de um circuito eletrônico.
O potencial elétrico é usado para acoplar o movimento de carga ao acúmulo de nutrientes dentro da vesícula, que é realizado por transportadores. Essas proteínas na membrana da vesícula funcionam de modo parecido com uma roda d’água: Prótons carregados positivamente “fluem” através dela, de fora da vesícula para o interior, que está carregado negativamente. Esse fluxo aciona o transportador, que neste caso captura uma molécula de açúcar, a lactose.
Este também é um processo muito comum em células vivas, exigindo muitos componentes que a equipe imitou com apenas duas peças.
Para exemplificar a praticidade do sistema, usando efetivamente a lactose, os pesquisadores precisaram adicionar apenas três enzimas para oxidar o açúcar e produzir a coenzima NADH. “Essa molécula auxiliar desempenha um papel essencial no funcionamento adequado de todas as células,” explicou Poolman. “E, adicionando a produção de NADH, mostramos que é viável expandir o sistema.”
Ter um equivalente sintético simplificado de duas características-chave da vida é importante, mas muitos outros passos precisam ser integrados para formar uma célula sintética que cresça e se divida autonomamente. “O próximo passo que queremos dar é adicionar nossos sistemas de produção de energia metabólica a um sistema de divisão celular sintético criado por colegas,” disse Poolman.
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