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Dino denuncia visão militar que trata cidadãos como ‘inimigos internos’

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Por Cleber Lourenço

Durante o julgamento do núcleo 3 da tentativa de golpe, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, fez um discurso contundente contra a permanência da doutrina do inimigo interno no imaginário militar brasileiro.

A declaração foi feita no plenário da Corte, enquanto votava pelo recebimento parcial da denúncia contra militares e policiais acusados de participar das articulações golpistas de dezembro de 2022. O julgamento se concentrou na atuação de agentes das Forças Especiais e da Polícia Federal, que teriam atuado em ações coordenadas para manter Jair Bolsonaro no poder, mesmo após o resultado das eleições.

Dino criticou um manifesto militar juntado aos autos que falava da existência de “inimigos internos” e exaltava a disposição de soldados em “enfrentar as adversidades atualmente presentes em nosso solo pátrio”. Segundo o ministro, esse tipo de visão revela uma herança autoritária da doutrina de segurança nacional criada durante a ditadura militar, que transforma cidadãos e autoridades democraticamente eleitas em ameaças a serem neutralizadas. O ministro destacou que essa perspectiva é incompatível com os princípios democráticos e representa uma distorção da função constitucional das Forças Armadas.

“Todos os cidadãos e cidadãs brasileiras são igualmente patriotas, sem exceção para as Forças Armadas”, afirmou Dino. Para ele, esse tipo de narrativa precisa ser definitivamente banida do etos militar brasileiro. “Nunca deu certo e é algo que deve ser banido. Ninguém nunca viu o Exército dos Estados Unidos impulsionar ações contra o seu próprio povo”, declarou, chamando atenção para o caráter excepcional e ultrapassado dessa doutrina, que persiste mesmo após o fim da Guerra Fria.

Dino denuncia visão militar que trata cidadãos como ‘inimigos internos’O ministro também relacionou esse pensamento à quebra dos princípios de hierarquia e disciplina que estruturam constitucionalmente as Forças Armadas. Ele destacou como anormal e preocupante o fato de oficiais subalternos terem participado de reuniões conspiratórias sem o conhecimento de seus superiores imediatos, apontando isso como indício de uma ambiência permissiva à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Para Dino, a subversão da cadeia de comando militar reforça os riscos de insubordinação institucional e precisa ser combatida com firmeza.

Dino critica pensamento autoritário

Dino mencionou ainda que é comum em regimes autoritários a manipulação da noção de ameaça para justificar ações repressivas. Ele lembrou que a doutrina do inimigo interno surgiu no contexto da Guerra Fria e passou a orientar estratégias de contra-insurgência na América Latina.

No Brasil, foi usada para perseguir opositores do regime militar, enquadrando movimentos sociais, políticos e intelectuais como ameaças à soberania nacional. A retórica do inimigo interno, segundo Dino, serviu historicamente para legitimar a repressão, silenciar críticas e alimentar uma lógica de guerra permanente dentro das fronteiras nacionais.

O ministro também chamou atenção para os efeitos simbólicos do julgamento. Para ele, o enfrentamento dessa doutrina não deve ser apenas jurídico, mas político e institucional. A presença dessa lógica nos discursos e práticas de setores militares, segundo ele, compromete a estabilidade democrática e precisa ser enfrentada com um compromisso firme com os valores constitucionais. “A função preventiva geral deve se materializar na ideia de que isso deve ser definitivamente banido. Nunca deu certo e só conduziu a desastres na vida brasileira”, afirmou.

No julgamento, os ministros analisavam o envolvimento de agentes das Forças Especiais e da Polícia Federal que, segundo a denúncia da PGR, atuaram em ações de monitoramento, repasse de informações sensíveis e organização de um aparato logístico que daria suporte à permanência de Jair Bolsonaro no poder. O plano envolveria inclusive movimentações para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. A fala de Dino se destacou por conferir às condutas um significado maior: a resistência de setores militares a aceitarem os limites constitucionais de sua atuação.

Ao concluir seu voto, Dino alertou que o Judiciário tem um papel decisivo na reafirmação dos limites legais da atuação das Forças Armadas. “É preciso deixar claro que quem classifica, distingue e pune é o Poder Judiciário e mais ninguém. As Forças Armadas não podem se colocar como tutoras da sociedade civil”, disse.Para ele, decisões como essa podem contribuir para a eliminação definitiva da doutrina do inimigo interno e fortalecer o Estado Democrático de Direito, não apenas para o presente, mas como legado para as próximas gerações.

 

 

 



Fonte: ICL Notícias

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