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deportações, censura e o futuro incerto para a educação nos EUA

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Por Laura Kotscho

A gestão de Donald Trump neste retorno à Casa Branca tem como uma das marcas a ofensiva sistemática contra as universidades dos EUA. Sob a justificativa de combater o “antissemitismo” e restaurar a “ordem” nos espaços universitários, o republicano impôs cortes bilionários em financiamentos e bolsas, persegue estudantes estrangeiros, revoga vistos e pressiona instituições a adotarem novas diretrizes pedagógicas.

A Universidade de Columbia foi o primeiro alvo. Em março deste ano, o governo anunciou a suspensão de US$ 400 milhões (R$2,2 bilhões) em financiamento, acusando a instituição de não combater o antissemitismo no campus. A decisão ocorreu após uma série de protestos estudantis que aconteceram em 2024, pedindo o fim dos bombardeiros de Israel em Gaza.

A pressão do governo rapidamente se espalhou para outras instituições renomadas, impondo restrições à pesquisa científica e à liberdade de expressão nos centros e ensinos.

A Universidade de Harvard, uma das mais afetadas, teve US$2,3 bilhões (R$13,1 bilhões) em financiamento congelados após resistir às exigências do governo para alterar seu currículo e normas de admissão de novos estudantes. Além disso, Donald Trump ameaçou revogar seu status de isenção fiscal, justificando que “é o que a universidade merece”, em um post em sua plataforma Truth Social.

Northwestern University, situada em Illinois, também sofreu consequências, com um bloqueio de US$790 milhões em fundos, o que prejudicou pesquisas científicas e programas acadêmicos. Já Princeton University, em New Jersey, teve uma série de bolsas de pesquisa suspensas sem justificativas.

Desde os ataques, o clima nas universidades é de tensão generalizada. É o que relata Carlos Minchillo, professor de literatura brasileira e latino americana há 13 anos na Universidade de Dartmouth, em entrevista ao ICL Notícias.

“Muitas bolsas foram negadas. Isso tem a ver diretamente com os assuntos tratados. Eles pedem uma ‘revisão da linguagem’, o que significa tirar todas as palavras que têm a ver com a defesa de Direitos Humanos, dos imigrantes, das minorias, a questão da raça, a questão LGBTQ”, pontua.

“A cada dois, três dias tem um e-mail da universidade avisando sobre corte de bolsas e de verbas para as pesquisas”, completa Minchillo

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Professor Carlos Minchillo

O ataque aos estudantes internacionais

Além dos cortes financeiros, os estudantes internacionais (aqueles que vieram de outros países) tornaram-se alvos diretos das políticas migratórias da administração Trump. Mais de 1.500 vistos chegaram a ser revogados, afetando alunos de pelo menos 260 instituições de ensino superior no país, segundo levantamento feito pelo Inside Higher Ed (site especializado sobre notícias e análises sobre a educação universitária)

“Mesmo tendo toda a documentação em ordem, eu fico receoso. Estou checando meu status todo dia, tentando conversar com a universidade, mas ninguém sabe de nada”, relatou um estudante brasileiro, que pediu a reserva do anonimato.

“É uma sensação de insegurança. Está todo mundo assim: o que vai acontecer agora? O que eu faço, o que não faço?”, acrescentou outra brasileira, que também preferiu não se identificar.

O caso do ex-aluno da Universidade de Columbia, Mahmoud Khalil, um argelino de origem palestina e residente permanente nos EUA, exemplifica as ações arbitrárias do governo Trump. Khalil liderou protestos pró-Palestina no campus e acabou sendo detido em 8 de março de 2025 em seu apartamento em Nova York. Embora possuísse um green card, que lhe garantia visto de permanência no país, as autoridades alegaram que ele representava uma “ameaça à política externa dos EUA”.

Outros estudantes também chegaram a  serdetidos, como palestino Mohsen Mahdawi, da Universidade de Columbia e residente legal nos EUA há uma década. Ele foi preso durante uma entrevista para tirar a cidadania americana, sob a alegação de que sua participação em protestos pró-Palestina representava uma ameaça à segurança nacional. Rumeysa Ozturk, estudante turca de doutorado na Universidade Tufts, também ficou presa por seis semanas após assinar um artigo de opinião criticando a postura da universidade em relação aos palestinos.

Essas ações criaram uma atmosfera de medo constante.“Os alunos internacionais estão receosos”, relatou o professor Carlos Minchillo. “Eles estão evitando postagens que possam ser consideradas contra o governo. A censura vai sendo introjetada, que é o que pior pode acontecer”, conclui.

Idelber Avelar, professor de literatura e estudos culturais da Universidade de Tulane, também relata o clima de tensão: “Os estudantes mais politizados estão genuinamente aterrorizados. Este é um clima que não é conducente à reflexão intelectual livre, que é essencial para a educação universitária”.

Medo de viajar e pressão psicológica

O clima de repressão também teve impacto psicológico nos alunos e professores, principalmente os estrangeiros. O  medo constante tem afetado diretamente a concentração dos estudantes, já que a ameaça de uma deportação ou da revogação do visto está sempre presente: “Eu estou mais preocupado com a imigração do que com a minha pesquisa”, relatou um aluno.

Mesmo com a proximidade do verão e o início do período de férias, muitos estudantes estrangeiros estão resistindo a viajar para o país de origem durante o recesso.  “Se eu sair, será que eu consigo entrar de novo? Eu não fiz nada de errado, nem deveria existir esse medo”, afirmou uma aluna brasileira.

Outra aluna, que pediu anonimato, afirmou que a própria universidade emitiu uma nota contra-indicando viagens, mesmo para quem está com o visto em ordem:  “O departamento internacional alertou para viajar só se for necessário”.

A situação se estende ao corpo docente internacional. O professor Minchillo relata que os programas de viagens de campo ao exterior da Universidade de Dartmouth também foram afetados: “A professora que ia acompanhar os alunos é de nacionalidade venezuelana. Junto com os advogados de Dartmouth, ela decidiu que não ia viajar, mesmo tendo o green card”.

Fuga de cérebros e a mudança de planos

Com essa insegurança, muitos estudantes e professores começaram a reconsiderar seus planos de continuar nos Estados Unidos. Os acadêmicos agora pensam em se mudar para países em que se sintam mais seguros  para realizar suas pesquisas.

“Se você for estudante de áreas como estudos do Oriente Médio, os Estados Unidos não são mais um bom lugar”, afirmou Idelber Avelar. “Não há mais segurança para se expressar ou para desenvolver seu trabalho sem o medo de represálias”.

“Com o corte de verbas de pesquisas, tenho menos opções para aplicar e a concorrência é maior. Provavelmente o meu projeto todo vai ser afetado”, lamentou uma aluna da pós-graduação.

Por mais que os estudantes reconheçam a qualidade que o ensino nas universidades americanas pode proporcionar, muitos preferem não correr o risco da perseguição: “Eu planejava continuar nos EUA, mas agora estou tentando acelerar o máximo possível minha defesa do doutorado para poder sair, só para me sentir seguro fazendo minha pesquisa em outro lugar”, afirmou um estudante brasileiro.

Para além da fuga de cérebros, outro fenômeno preocupante é a resistência de novos alunos estrangeiros a concorrerem a vagas nos Estados Unidos. “Eu buscaria outro lugar. O sentimento é que você está mais preocupado com a imigração do que com seu projeto. Não vale a pena, no meu ponto de vista”, relatou um brasileiro que estuda no país há 3 anos.

“É preciso ter em mente que existe um risco de você ser aceito e depois não conseguir entrar, ou ter que sair. Enfim, é uma decisão pessoal”, alertou o professor Carlos Minchillo. “Apesar de tudo, ainda é um sistema universitário muito pujante, com uma liberdade de cátedra considerável”, complementou o professor Avelar.

Apoio das universidades

As universidades americanas têm buscado formas de resistência para proteger suas comunidades diante das pressões do governo. Em abril de 2025, quase 200 instituições, incluindo Harvard, Yale e Princeton, assinaram uma carta conjunta condenando a “interferência política” do presidente Donald Trump no ensino superior e reafirmando a importância da  liberdade acadêmica.

A Universidade de Harvard teve US$2,3 bilhões (R$13,1 bilhões) em financiamento congelados após resistir às exigências do governo para alterar seu currículo e normas de admissão de novos estudantes.

Apesar dessas ações, as medidas ainda são irrisórias: “As universidades têm um poder de barganha muito pequeno, porque elas vivem em uma bolha. O governo tem a capacidade de pressionar financeiramente, e isso coloca as universidades em uma posição vulnerável”, diz Avelar.

Além das iniciativas jurídicas, as universidades têm oferecido suporte direto aos estudantes internacionais. “O que eles têm feito bastante é estar muito em contato com os alunos internacionais, informando a cada nova decisão do governo e oferecendo apoio para quem está com medo ou precisa conversar”. Outro estudante relatou que sua universidade verifica regularmente se houve novos casos de vistos cancelados. As instituições também têm alertado sobre os riscos nas mídias sociais, recomendando cautela com postagens e declarações públicas.

No entanto, a imprevisibilidade das ações do governo Trump limita a ação do apoio das universidades. “A questão é que não é possível orientar ninguém quando o Estado atua de forma completamente arbitrária”, observou Avelar. “Então esses escritórios das universidades, por melhores que sejam as intenções deles, têm as mãos atadas, porque eles não podem prever qual vai ser o próximo ato arbitrário do governo”.

Presidente Donald Trump

Por trás do discurso de Trump

A justificativa usada por Donald Trump para cortar verbas de universidades – o combate ao antissemitismo – tem servido, segundo professores, como fachada para algo maior: uma ofensiva contra instituições que historicamente são palco para o exercício do pensamento crítico, da liberdade de expressão e da diversidade política.

“O que está em jogo é muito mais amplo”, explica o professor Carlos Minchillo. “Existe uma estratégia deliberada para enfraquecer qualquer espaço de onde possa emergir uma oposição mais organizada, consciente e informada. E isso se junta ao mundo das mídias sociais e das fake news.” Ele conclui: “[Para Trump] é melhor que elas nem existam. Todo regime autoritário ataca a educação e a cultura”.

O professor Idelber Avelar, da Universidade de Tulane, chama atenção para o uso político da pauta judaica. “Sabia-se que a questão israelo-palestina seria a mola propulsora. É um tema em que nenhuma concessão é suficiente, e no qual qualquer crítica é rapidamente tachada de antissemitismo. É uma acusação ante a qual a universidade só consegue se colocar na defensiva”.

Avelar diz que as universidades ficaram sem espaço de resposta: “Elas passaram décadas validando acusações de discriminação com base em identidade. Quando essa mesma lógica é usada agora pela extrema direita, elas não têm mais discurso”.

Ele também refuta a acusação de que os espaços universitários estejam se tornando antissemitas: “Isso simplesmente não existe. Não há qualquer fundamento para isso.”

Segundo o professor, Trump tem usado o antissemitismo nas universidades como “cortina de fumaça” para um ataque mais amplo à educação: “Ele percebeu que essa coalizão dos ressentidos, dos excluídos, dos amargurados que ele lidera se insurge com facilidade contra as universidades, vistas como lugares de privilégio e elite dos quais a população está de fora”.



Fonte: ICL Notícias

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