A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas na investigação sobre a venda de joias recebidas de presente pelo governo brasileiro.
Bolsonaro foi indiciado sob suspeita dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos).
O inquérito agora deve ser enviado para o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF (Supremo Tribunal Federal), que pedirá manifestação à PGR (Procuradoria-Geral da República), a quem caberá decidir se denuncia o ex-presidente. Se isso ocorrer, cabe depois à Justiça decidir se ele vira réu e responde ao processo.
Ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid foi apontado como suspeito dos três crimes. Fabio Wajngarten e Frederick Wassef, advogados de Bolsonaro, foram citados por lavagem e associação criminosa, assim como o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai de Mauro Cid, que teria ajudado na venda das joias, e o ex-assessor de Bolsonaro Osmar Crivelatti.
Os demais indiciados pela PF foram Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, Marcelo da Silva Silveira e Marcos André dos Santos Soeira (apropriação e associação criminosa), Julio Cesar Vieira Gomes (pelos três crimes e por advocacia administrativa perante a administração fazendária) e o militar José Roberto Bueno Junior (pelos três crimes). Somente Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, foi indiciado por um crime (lavagem).
Albuquerque era ministro de Minas e Energia na época e seu ex-assessor Marcos Soeira tentou desembarcar no Brasil com um pacote de joias que havia sido dado em viagem à Arábia Saudita na mochila. Os artigos foram apreendidos por não terem sido declarados à Receita Federal.
Julio Cesar Vieira Gomes era o chefe da Receita Federal na ocasião e, como mostrou a Folha, conversou com o ex-presidente posteriormente sobre a possibilidade de liberar as joias.
Wajngarten teria sido o responsável por articular a recompra dos itens vendidos no exterior para o regresso ao Brasil. E Wassef recomprou um dos itens, um relógio Rolex, nos Estados Unidos.
Dois pontos da investigação foram crucias para a PF identificar as digitais de Bolsonaro no caso. O primeiro é o uso da aeronave da Força Aérea Brasileira para levar as joias e presentes aos Estados Unidos. O segundo, as mensagens indicando o retorno do dinheiro oriundo de vendas, em espécie, para o bolso do ex-presidente.
Os advogados Wasseff e Wajngarten e filhos de Bolsonaro criticaram a PF pelas conclusões do inquérito, e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) falou em perseguição “descarada”. Bolsonaro foi procurado, mas não respondeu. A reportagem não conseguiu contato com os demais indiciados.
Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030, o ex-presidente já havia sido indiciado em março pela PF em outro inquérito, envolvendo a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19.
A investigação apontou a suspeita dos crimes de inserção de dados falsos em sistema público e associação criminosa, e a PF diz que a fraude pode ter sido realizada no escopo da tentativa de aplicar um golpe de Estado no país e impedir a posse de Lula (PT).
Além do caso da venda das joias e da carteira de vacinação, Bolsonaro é alvo de outras linhas de investigações, que apuram os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito, incluindo os ataques de 8 de janeiro de 2023.
Parte dessas apurações estão no âmbito do inquérito das milícias digitais relatado por Moraes e instaurado em 2021, que podem em tese resultar na condenação de Bolsonaro em diferentes frentes.
O caso das joias tem origem em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que revelou a tentativa de Bolsonaro em reaver parte dos artigos de luxo presenteados pelos árabes e apreendidos pela Receita Federal no desembarque no Brasil.
A PF passou a investigar o caso e, com informações das investigações que envolviam o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, avançou nos detalhes sobre como o ex-presidente negociou alguns presentes valiosos, como joias e relógios.
A apuração também mostrou como Bolsonaro e pessoas próximas a ele tentaram recomprar os itens após a apreensão das joias pela Receita se tornar pública.
Bolsonaro devolveu as joias após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União).
Com base nas informações, a PF chegou a fazer buscas em endereço de Wassef, do pai de Mauro Cid, o general da reserva Mauro Lourena Cid, e de Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência.
Para a PF, o ex-presidente utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor oferecidos a ele por autoridades estrangeiras.
Como mostrou a Folha, parte das joias, da grife Chopard, chegou a ir a leilão mas não foi comprada, o que forçou assessores do ex-presidente a mudar planos para venda dos itens de luxo.
A Fortuna Auction, localizada em Nova York, disse à Folha que não houve interessados no conjunto que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário.
A apuração da PF identificou que as joias foram levadas aos Estados Unidos no avião presidencial em 30 de dezembro, na data em que Bolsonaro deixou Brasília e seguiu para Orlando.
As mensagens mostram que Cid afirmou a Câmara que havia sido informado que Bolsonaro poderia vender os itens, por serem “personalíssimos”.
Câmara disse ao ex-chefe dos ajudantes de Bolsonaro, em outra mensagem obtida pela PF, que seria preciso avisar o governo sobre a venda das joias.
No diálogo, Cid avalia a possibilidade de comunicar o governo e tentar novamente vender o item.
“Eu prefiro não informar pra não gerar estresse entendeu? Já que não conseguiu vender, a gente guarda. E aí depois tenta vender em uma próxima oportunidade”, responde Câmara, segundo as mensagens obtidas pela PF.
“Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”, afirma Cid em outra mensagem.
A PF investigou a negociação e possível desvio de quatro conjuntos de presentes, que incluem relógios (como Rolex de ouro branco e Patek Philippe), itens masculinos da marca suíça Chopard (caneta, anel, abotoaduras, rosário árabe) e esculturas.
Os presentes suspeitos de desvio, segundo a PF
1º conjunto: refere-se a um conjunto de itens masculinos da marca suíça Chopard contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe (masbaha) e um relógio recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021
2º conjunto: trata-se de um kit de joias, contendo um anel, abotoaduras, um rosário islâmico (masbaha) e um relógio da marca Rolex, de ouro branco, entregue ao ex-presidente quando de sua visita oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019
3º conjunto: engloba uma escultura de um barco dourado, sem identificação de procedência até o presente momento, e uma escultura de uma palmeira dourada, entregue ao ex-presidente, na data de 16 de novembro de 2021, quando de sua participação oficial no Seminário Empresarial da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, ocorrido na cidade de Manama, no Barém
4º conjunto: um relógio da marca Patek Philippe, possivelmente recebido pelo ex-presidente, quando de sua visita oficial ao Reino do Bahrein em 16 de novembro de 2021.
Veja quem foi indiciado junto com Bolsonaro
1) Mauro Cesar Barbosa Cid (apropriação de bem público, lavagem de dinheiro e associação criminosa).
2) Mauro Cesar Lourena Cid (lavagem de dinheiro e associação criminosa).
3) Fabio Wajngarten (lavagem de dinheiro, associação criminosa).
4) Frederick Wassef (lavagem de dinheiro, associação criminosa).
5) Bento Costa Lima de Albuquerque Júnior (apropriação de bem público e associação criminosa).
6) José Roberto Bueno Júnior (apropriação de bem público, lavagem de dinheiro e associação criminosa).
7) Julio Cesar Vieira Gomes (apropriação de bem público, lavagem de dinheiro, associação criminosa e crime funcional de advocacia administrativa perante a administração fazendária).
8) Marcelo da Silva Slveira (apropriação de bem público e associação criminosa).
9) Marcos André dos Santos Soeira (apropriação de bem público e associação criminosa).
10) Marcelo Costa Câmara (lavagem de dinheiro).
11) Osmar Crivelatti (lavagem de dinheiro e associação criminosa).