Por Heloisa Villela
As bombas voltaram e o medo, agora, é ainda mais intenso. Mas não é um medo qualquer. “Eu não tenho medo de morrer. Tenho medo de perder uma perna, quebrar o quadril. Aqui, é preciso muita força de vontade para não ficar maluco”, diz Assmaa Abu Jidian. Desde que Israel abandonou o cessar-fogo e as negociações com o Hamas, no dia 18 de março, depois de dois meses de trégua, o som dos aviões sobrevoando a região onde Assmaa mora não para. Ele atormenta os sobreviventes de Gaza durante as 24 horas de cada dia.
Um ferimento grave, na visão dela, é ainda pior do que a morte porque vai tornar ainda mais difícil cuidar da família. Sem comida em casa, já que Israel impediu novamente a entrada de ajuda humanitária em Gaza, ela não tem condição de alimentar os quatro filhos. Assmaa tem plena consciência de que o limite entre a lucidez e a loucura é cada vez mais tênue em toda a região: “Quando uma mãe pega só a cabeça da criança dela, o que você quer que ela fale?”. Esse foi o melhor exemplo que ela ofereceu para fazer o mundo entender a insanidade em que a família dela, e de tantas outras mães, vive hoje. Todas as vezes que a internet nos permite conversar, ela me faz a mesma pergunta: “O que o mundo ainda está esperando?”.
Assmaa cresceu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Morou no Brasil dos 4 aos 18 anos, quando os pais se separaram. A mãe decidiu voltar à terra natal e assim, Assmaa se mudou para a Faixa de Gaza. O pai chegou a dar entrada nos documentos de naturalização dela. Mas nunca completou a papelada. Hoje, Assmaa não tem a cidadania brasileira, apesar do português fluente e dos boletins escolares que atestam os anos da infância, adolescência e começo da vida adulta passados no Brasil.
Agora, Assmaa sonha em fazer o caminho de volta. Ela ainda mantém contato com alguns colegas da escola e não vê saída para a família em Gaza, ou futuro para os filhos, se não conseguir cruzar a fronteira com o Egito. As crianças tentam brincar entre os escombros e não têm nada para fazer porque não podem mais estudar. “Estragaram toda uma geração”, lamenta. O filho mais novo, de 8 anos, voltou a fazer xixi nas calças. “Eu também tenho medo, mas cada um manifesta de uma maneira”, explica a mãe.

Gaza. Foto: Anas al-Shareef/Reuters
Grupo de apoio tenta tirar Assmaa de Gaza
Cibele Deffune, professora de inglês, de canto e cantora de jazz em Curitiba, acompanha cada passo do desespero de Assmaa para se afastar de bombardeios e mortes. Ela organizou um grupo de apoio à distância para ajudar a brasileira. Cibele não tem afinidade religiosa com Asmaa nem raízes familiares ligadas à Palestina. Mas tem empatia e fé na capacidade do ser humano de se unir em torno de causas justas para fazer mudanças aparentemente impossíveis. Por isso, criou uma campanha de fundos para tirar de Gaza a família de Assmaa.
Cibele contou ao ICL Notícias que tudo começou com as transmissões do jornalista Motaz Aziza. Durante meses, ele foi a principal voz de denúncia, direto de Gaza, com vídeos impressionantes da destruição e das mortes. “Através dele, comecei a saber da barbárie”, diz. Daí por diante, ela mergulhou cada vez mais nas notícias vindas da Palestina. A professora de Curitiba entrou em contato com alunos de medicina que estavam terminando o curso no Egito e de uma hora para outra não podiam mais pagar a faculdade porque as famílias perderam tudo em Gaza. A campanha de fundos deu certo. Hoje eles estão formados e alguns já trabalham para ajudar os parentes.
No último mês, Cibele conheceu Assmaa e não vai sossegar enquanto não tirar a brasileira de Gaza. Assmaa chegou a comemorar o cessar-fogo. Mas ele durou apenas dois meses. E ela tem a impressão de que o ataque voltou com mais força ainda. Agora ela está convencida. Precisa deixar Gaza. “Sinto como se fosse uma traição à minha terra, mas não aguento mais!”, disse. A única possibilidade, no momento, é o problema de saúde. Assmaa precisa de tratamento para uma lesão grave no ombro e em Gaza, não existe alternativa. Algumas vezes, nesses casos, as autoridades permitem a saída do paciente e da família. O objetivo é chegar ao Cairo.
Esse é o primeiro passo. O mais difícil. Mas a rede de apoio no Brasil está levantando dinheiro para financiar a tentativa. Passagens para o Brasil, comida, advogado, deslocamento dentro do Egito… Por isso eles estão divulgando os meios de arrecadação, para quem puder contribuir. A meta é arrecadar R$ 165 mil. Abaixo, os caminhos da arrecadação para quem puder colaborar.
Não é papel de jornalistas fazer campanha de fundos para ajudar essa ou aquela família. Mas também não é papel da humanidade olhar, impassível, o genocídio em curso na Palestina.
ou
Pix: patija@gmail.com
Fonte: ICL Notícias