Por milênios, múltiplas civilizações humanas, caracterizadas por grupos sociais extremamente coesos, foram formadas a partir da criação de um amplo espectro de arcabouços mentais totalmente abstratos que galvanizaram a cristalização de cada uma destas sociedades e determinaram, em grande parte, o sucesso evolucional da nossa espécie. Dada a relevância deste processo civilizatório, que constitui um dos nossos grandes legados, os aspectos sociais, políticos e econômicos pelos quais cada uma destas civilizações emergiu, floresceu e eventualmente colapsou foram extensivamente estudados e debatidos pelas diferentes disciplinas das ciências humanas.
Porém, até recentemente, nenhum esforço consistente tinha sido desenvolvido e aplicado para se investigar como as principais propriedades neurofisiológicas do cérebro humano, a nível individual e coletivo, permitiram que enormes grupos de seres humanos catalisassem suas variadas habilidades cognitivas em prol da hercúlea tarefa de criar estruturas sociais perenes, fundadas e mantidas ao redor de uma coleção, tão primordial quanto tênue, de meras abstrações mentais. Coisas como deuses mitológicos, crenças religiosas, valores morais e éticos, ideologias políticas e sistemas econômicos, para citar apenas alguns exemplos. Este vácuo neurobiológico, todavia, começou a ser preenchido nos últimos anos quando novos métodos de imagem, ou de registro em larga escala da atividade elétrica cerebral, começaram a ser aplicados em estudos das interações sociais tanto de grupos de seres humanos, como de animais de experimentação, como colônias de roedores ou macacos.
Esta nova abordagem experimental da neurociência permitiu registrar e medir, pela primeira vez, a atividade concomitante de cada um dos cérebros de múltiplos indivíduos pertencentes a um grupo envolvido em uma enorme variedade de comportamentos sociais. De conjuntos de músicos, a estudantes durante uma aula, até jogadores de futebol recebendo instruções de como realizar uma jogada em particular, passando por grupos de macacos engajados em tarefas conjuntas, neurocientistas começaram a criar uma nova área de investigação que apropriadamente foi batizada de neurociência social.
A importância desta nova área é mais do que obvia. Das tribos de nômades da pré-história, aos reinos e grandes Impérios da antiguidade, às cidades-estados gregas, até o estado nacional da modernidade, em pouco mais de 6 mil anos de prática empírica, uma vez que o “truque cerebral” para promover a agregação e consolidação de grandes grupamentos sociais foi deduzido e dominado intuitivamente por seres humanos, ele passou a ser implementado em escalas cada vez mais abrangentes. Esta explosão exponencial se deu, em grande parte, graças ao desenvolvimento de ferramentas de comunicação, quer naturais (linguagem oral e escrita), quer artificiais (pergaminhos, livros, jornais, telégrafos, radio, TV, internet, etc), que permitiram a disseminação massiva, e mais recentemente na velocidade da luz, de abstrações mentais extremamente poderosas, que passaram a agir como um verdadeiro “vírus informacional”, capaz de “infectar” a mente – nos dias atuais – de bilhões de seres humanos quase que instantaneamente.
No meu livro “O Verdadeiro Criador de Tudo” eu discuto em detalhes a minha teoria de como tais Brainets, ou rede de cérebros, o nome que eu criei para descrever uma coleção de múltiplos cérebros humanos ou de animais que atuam de forma conjunta, como parte de um grupo social, se formam e operam em prol de atingir um objetivo comum. Na realidade, eu proponho que tais Brainets definem quase que um verdadeiro “supra-cérebro coletivo”; um que passa a reger o comportamento de um grupo social coeso, seja ele um cardume de peixes, um passaredo, uma manada de búfalos, uma matilha de lobos, ou no caso de seres humanos, uma orquestra sinfônica, um time de futebol, um exército, ou um país.
Estudos recentes indicam que em todo este reino animal, Brainets são formadas pela sincronização da atividade elétrica dos cérebros individuais dos membros de um dado grupo social expostos, quer a partir de sinais sensoriais compartilhados – por exemplo, a identificação visual de uma presa que só pode ser abatida pela cooperação de um grupo de predadores –, ou no nosso caso, de uma abstração mental que, uma vez disseminadas por um grupo humano, evoca, quase de imediato, os nosso instintos mais primitivos, como a identificação de um inimigo ou uma ameaça em potencial. Tal sincronização intercerebral (envolvendo múltiplos cérebros) serve, portanto, como a base neurofisiológica para a produção de comportamentos sociais por um grupo de indivíduos. E como o cérebro humano parece ser extremamente suscetível a se sincronizar com o de outros indivíduos, quase que como um mecanismo de defesa, o uso de abstrações mentais para controlar e direcionar o comportamento de massas de seres humanos foi amplamente usado ao longo da nossa história, mesmo sem que os mecanismos primordiais de como tal sincronização se dá fossem conhecidos.
Não é à toa, portanto, que países, exércitos e até times de futebol possuem seus próprios hinos recheados de evocações heroicas e uma série de outros símbolos emblemáticos, como bandeiras e brasões. Em todos estes contextos, tais estímulos auditivos e visuais funcionam como poderosos agentes de sincronização da atividade elétrica de cérebros humanos expostos, e por conseguinte, de controle e direcionamento do comportamento de grupos que desde a tenra juventude foram submetidos a repetidas ondas de infecção destes vírus informacionais. Para se ter uma ideia clara este fenômeno em ação basta observar o comportamento de uma torcida de futebol num estádio ou de uma plateia num show de rock. Ou acompanhar uma rede social na internet. Guardadas as devidas proporções e sutilezas específicas de cada espécie, tais comportamentos sociais compartilham mecanismos neurais razoavelmente similares aqueles exibidos em colmeias de abelhas ou formigueiros, onde o “cérebro coletivo, formado pela amalgama de milhares ou mesmo milhões de indivíduos, é o responsável pela expressão de comportamentos sociais vitais para a sobrevivência ou embate de um grupo social quando confrontado com um antagonista.
Ainda de acordo com a minha teoria, Brainets humanas expostas a um novo vírus informacional – uma nova abstração mental ou apenas uma nova “fakenews’- são responsáveis pelas criações de movimentos religiosos, uma nova moda, um novo movimento artístico, ou até mesmo a justificativa de um conflito bélico entre países, mesmo que esta seja totalmente falsa ou sem mérito algum -armas de destruição em massa no Iraque, alguém lembra? Isso se dá porque, uma vez que uma Brainet se cristaliza, a abstração dominante responsável pela sua consolidação passa a dominar e suplantar qualquer tipo de argumento racional – a Terra não é plana – , lógico – a Rainha Elizabeth não era uma reptiliana – , ou, no limite, até mesmo o próprio instinto de sobrevivência. Exemplos clássicos deste fenômeno podem ser encontrados no comportamento de exércitos que, mesmo quando confrontados com condições completamente adversas e obviamente letais, continuam a lutar até o extermínio completo por não conseguirem abdicar das abstrações que os conduziram à guerra em primeiro lugar (defesa do país, das suas famílias, de suas crenças religiosas), nem mesmo quando a sua própria sobrevivência está em jogo. Como dizia Voltaire:
“Se eles conseguem fazer que você acredite em absurdos, eles podem fazer com que você cometa qualquer atrocidade.”
Um outro exemplo onde uma crença sem nenhum fundamento lógico suplantou o instinto de sobrevivência coletivo foi amplamente observado durante a pandemia de COVID19, onde grupos de pessoas foram convencidas a se auto-medicar com medicamentos totalmente inapropriados, como a famosa cloroquina, apenas porque alguns Presidentes de alguns países, inclusive o nosso, defenderam ostensivamente tal conduta terapêutica por todos os meios modernos de comunicação de massa disponíveis.
Este último evento ressalta uma das propriedades mais poderosas das Brainets: sua capacidade de serem reprogramadas num curto período de tempo. Tal propriedade lhes permite modificar o comportamento social de todo um grupo de indivíduos de forma significativa em questão de segundos após a exposição a um vírus informacional. Foi assim no massacre de Ruanda, onde transmissões continuas de rádio convenceram os Hutus que seus rivais, os Tutsis, haviam derrubado o avião o Presidente Hutu do país e que, portanto, estes últimos mereciam ser exterminados. Graças ao advento dos meios de comunicação de massa eletrônicos, culminando com o surgimento da internet e das famigeradas redes sociais, o fenômeno de reprogramação de enormes Brainets humanas – formadas por centenas de milhões ou mesmo bilhões de indivíduos – passou a ocorrer de forma quase imediata à disseminação de um novo vírus informacional. Assim durante a fase inicial da fase da pandemia de COVID19, um tweet do então Presidente americano, Donald Trump, sugerindo que pessoas ingerissem desinfetantes caseiros para matar o coronavírus, atingiu centenas de milhões de pessoas – mais que a soma de toda a audiência conjunta de toda a mídia americana – levando a vários casos de intoxicação grave, uma vez que muitos americanos aceitaram tal recomendação sem nenhum tipo de análise crítica.
Como consequência direta deste processo de reprogramação quase instantânea de vastas Brainets humanas, eu acredito que nós estamos vivendo o maior movimento de “tribalização” ou fragmentação de grupos sociais criados pela humanidade em toda a nossa história. Tal processo, que neste momento desafia até mesmo a manutenção dos estados nacionais, com a criação de “tribos digitais” que se aglutinam ao redor de abstrações como criptomoedas, ou a distopia de alguns magnatas das BigTechs de criar tecnocracias que substituiriam as democracias, ou mesmo movimentos como o Transhumanismo, o Terraplanismo, o “Longtermismo”, que prega o abandono do nosso planeta em prol da colonização de outros mundos, como Marte, como a única solução para impedir a extinção da nossa espécie – como se viver nos desertos gelados marcianos fosse um passeio no parque – , e outras seitas semi-religiosas da modernidade, como o Culto da tecnologia e a Igreja do Dinheiro, têm o potencial de fragmentar por completo qualquer tipo de consenso social, econômico, político, ético ou moral estabelecidos ao longo da nossa história milenar.
E se isso não fosse o bastante, tal processo, como bem ilustraram os membros da seita Terraplanista, pode inclusive pulverizar a nossa própria noção da realidade tangível, em prol de teorias sem qualquer conexão com fatos concretos ou o conhecimento científico acumulado pela nossa espécie. Porque, no bojo destas milhões de tribos digitais, formadas e extintas a cada dia no grande vácuo do “admirável mundo digital”, parafraseando o clássico de Aldous Huxley, caminha-se a passos largos para um momento onde nada poderá ser assumido como verdade, uma vez que toda informação que chega até cada um de nós poderá ter sido manipulada ou adulterada a bel prazer daqueles que detém o monopólio dos meios de disseminação de vírus informacionais.
Tudo isso com o único objetivo de manter toda sorte de visões distorcidas da realidade que rendem fortunas inimagináveis à nova encarnação dos “Barões Assaltantes” – como eram conhecidos os magnatas americanos do começo do século XX – do mundo moderno. Nesta cada vez mais próxima era da pós-verdade, a menos que sejamos testemunhas oculares de um dado evento – será impossível determinar se um fato ocorreu realmente, ou se ele foi apenas gerado numa incubadora digital, com a única função de sincronizar e, por conseguinte, dominar por completo a Brainet da humanidade, cada vez mais escravizada pelo vírus informacional.
Quem viver, verá!
Ou não!