A caprichosa vitória do Garantido

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A caprichosa vitória do Garantido – por Cláudio Vieira .
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Vestida de vermelho e azul, brilha a pujança da Ópera Amazonense no Festival Folclórico de Parintins

Fotos: Comunicação Garantido e Caprichoso

Depois de três noites de competição, o que representa sete horas e meia de apresentação de cada um dos dois bumbás, com 21 itens em julgamento, as notas dos julgadores deram a vitória do Garantido por apenas 0,8 (oito décimos) de diferença. O placar final foi: 1258,4 pontos para o vermelho contra 1257,6 para o azul.

O Garantido apresentou o tema “Nós, o Povo”; e o Caprichoso, “Um canto de esperança para Mátria Brasilis”.

O placar final do 54o Festival Folclórico de Parintins mostrou também que, na primeira noite (sexta, 28/6), houve empate em 419,2 pontos; no sábado, o Garantido venceu por 419,6 a 419,0; e no domingo, o vermelho também levou vantagem: 419,6 a 419,4. Foi a sua 32a vitória do boi vermelho, contra 24 do azul.

Os números indicam um resultado, mas não traduzem a beleza, a grandiosidade e a importância do Festival para a cultura brasileira. Nem motivam a grande mídia. Infelizmente, pouco se falou a seu respeito nas TVs e jornais do Rio de Janeiro, onde a Copa América domina o noticiário. Não fosse o esforço da parceria entre a TV A Crítica, de Manaus, e a TV Cultura, de São Paulo, perderíamos a oportunidade de ver o grande show da Ópera Amazonense.

Haveria lugar para o terceiro boi?

O espetáculo é tão impressionante que suscita dúvidas como a do produtor cultural Lula Dias, da assessoria cultural do Museu da República, no Rio de Janeiro. Dias atrás, Lula nos escreveu, perguntando:

Creio que seria hora para se criar outros bois; o boi verde, o amarelo, o abóbora, o dourado, prateado, sei lá, para diversificar a competição. Como não conheço a história da criação dessa festa, careço de consulta a respeito. O que me diz?

Fomos buscar respostas nos próprios bumbás. Primeiro com Márcio Costa, responsável pela Comunicação do Garantido:

– Particularmente, acho impossível surgir o terceiro boi. Ele teria que começar do zero e construir toda uma tradição, ao passo que Garantido e Caprichoso são bumbás centenários e possuem uma força popular muito grande. Não sou um estudioso da história do boi, mas sei que, na década de 70, existiu o terceiro grupo, o Boi Campineiro, amarelo e branco, tendo disputado o Festival duas vezes, em edições que o Caprichoso esteve afastado. Existem outros bois na ilha, mas são menores, são bois mirins, sem maiores pretensões.

Carlos Alexandre, responsável pela Comunicação do Caprichoso, também opina:

– É uma ideia antiga, mas nunca deu certo. O parintinenses é contra. O amazonense é contra. Aqui é Caprichoso e Garantido e olhe lá, não há mais espaço para outro boi. Já tentaram criar o Campineiro, o Tupinambá, mas não deu certo. A rivalidade é muito grande. Anos atrás, o então governador Omar Aziz resolveu criar um setor neutro de arquibancadas, na parte central do Bumbódromo, pintando-as de verde. Recebeu tantas críticas que resolveu voltar atrás.

10 lições para aprender com Parintins

Não estive no Festival, mas tenho mantido contato permanente com os companheiros que fazem a cobertura dos dois bumbás, além de contar com a ajuda do carnavalesco Cahê Rodrigues, que nos enviou informações sobre Parintins. Acompanhei as transmissões da TV Cultura e permaneci atento à cobertura de jornais e blogs do Amazonas. Pensando em aspectos que podem contribuir para a melhoria do trabalho de nossas Escolas de Samba e do próprio desfile, cheguei a algumas conclusões. Enumerei dez itens.

1 – DEFESA DA CULTURA – Poucas manifestações do País possuem um conteúdo tão forte de identidade nacional como o Festival Folclórico de Parintins. Além da obrigatoriedade à defesa e preservação do folclore da Amazônia, item de julgamento, os temas abrangem assuntos importantes para a reflexão da sociedade brasileira. Para utilizar os recursos de tecnologia e soluções de modernidade, os bumbás não abrem mão do compromisso com a sua gente e as suas tradições.

 

 

2 – ILUMINAÇÃO CÊNICA – É o ponto alto do espetáculo. Dá uma dimensão cenográfica fantástica, destacando cores, formas e detalhes que, com a luz chapada, passariam despercebidos. O vermelho e o azul quando jogados nas arquibancadas intensificam o sentimento de paixão e a vibração dos torcedores. É o espetáculo ideal para ser assistido numa TV top de linha, explorando todas as suas cores e alta definição. Um vídeo de Parintins é o ideal para anunciar a potência das próximas smart tvs da Samsung.

 

3 –PARTICIPAÇÃO DAS GALERAS – Os torcedores passam o dia inteiro na fila disputando a chance de entrar no Bumbódromo para ajudar o seu boi. Esgotadas as vagas, forma-se uma nova fila para a noite seguinte e lá se vão muitas e muitas horas de uma nova espera. Cá pra nós: é preciso muito amor… Eles cantam, dançam, fazem coreografias, desfraldam bandeiras, acendem lanterninhas e pulam sem parar durante duas horas e meia. E a maioria ainda faz promessas para o boi ser campeão. As galeras também são julgadas.

 

4 – ENTENDIMENTO DO “ENREDO” – A princípio pode parecer estranho ver um apresentador se deslocando em todos os sentidos da arena, contando o que está por acontecer e que itens entrarão em julgamento. Mas, o que seria do público em ele? Como o espectador poderia entender e assimilar tantas informações? É preciso apresentar com arte, leveza, graça e muito vigor para animar a galera permanentemente. A missão do apresentador é fazer com que o público entenda e mantenha o interesse sobre o que está assistindo ao longo de três noites.

 

5 – CITAÇÃO DOS AUTORES – Um detalhe importante a ser observado na apresentação é a citação dos autores de alegorias, toadas, pesquisas, coreografias, arranjos, etc. O registro de autorias também é feito nos impressos e kits distribuídos à Imprensa. É flagrante a preocupação de mostrar que o trabalho colocado na arena é resultado do esforço de toda uma equipe e não apenas desse ou daquele artista famoso.

 

 

6 – CONSULTORIA NA TV – Os bois também estão atentos às gafes que, normalmente, apresentadores e comentaristas de TV cometem ao longo da transmissão. Cada grupo elege um representante de seu Conselho de Arte para atuar ao lado dos apresentadores, corrigindo falhas eventuais ou fazendo esclarecimentos sobre detalhes que as câmeras estão mostrando. Apesar da rivalidade, sempre que é feita uma comparação com o adversário, reagem com inteligência e elegância – o que reforça o alto nível da disputa.

 

7 – TRANSMISSÃO DA TV – Como cada boi possui um apresentador no meio da arena, os da TV permanecem no estúdio e, basicamente, só intervêm na abertura e no encerramento das duas horas e meia de exibição do bumbá. Portanto, as chances de errar ou atrapalhar são mínimas. Além do mais, possuem um consultor ao lado, para esclarecimentos. Felizmente, o que se vê é o espetáculo na íntegra, focalizando cantores, brincantes, ritmistas, alegorias, galera, etc. Pasmem: não há vinhetinhas, figurinhas, aviõezinhos, nem banners de patrocinadores; muito menos cortes para comerciais. Ou seja: a TV A Crítica, responsável pela transmissão, optou por colocar o espectador dentro da arena. A retransmissão para todo o País foi feita pela excelente TV Cultura.

8 – ENGAJAMENTO DOS PATROCINADORES – Os bumbás vestiram a camisa dos patrocinadores da festa e estes também assumiram as cores dos dois grupos. Para que se tenha uma ideia da força das empresas que associaram suas marcas ao espetáculo, basta dar uma olhadinha nos rodapés de banners promocionais. E, convenhamos, é necessário que o evento tenha muita força para que Coca-Cola, Bradesco, Brahma, Lojas Americanas e outros entendam que precisem criar uma segunda versão, a azul, de suas logos. Até a Uber, que deixou as nossas Escolas de Samba a pé, foi para a ilha. Trocou o Rio de Janeiro pelo Rio Amazonas.

9 – COMUNICAÇÃO PERMANENTE – Para atender à mídia nacional, os dois bumbás dispõem de Assessorias que trabalham em tempo integral, antes e durante o Festival. Enviam textos e fotos dos eventos que antecedem o grande espetáculo e, ao longo do três dias de competição. Além de releases e imagens, fornecem PDFs ilustrados, detalhando os diversos momentos que compõem a apresentação de cada noite. Havendo necessidade de um esclarecimento imediato, basta acessar o WhatsApp e consultar a fonte. Os milhares de quilômetros de distância entre Parintins e os jornalistas do Sul e Sudeste foram reduzidos a pó.

 

10 – RESPEITO AO CO-IRMÃO – Apesar de toda a rivalidade entre os dois bumbás, não vi nenhuma notícia que manchasse a beleza do festival, tampouco as câmeras mostraram qualquer anormalidade no Bumbódromo ou na apuração. Dias antes do Festival, li comentários no Face a respeito da indicação de um julgador que poderia favorecer o Caprichoso; e vi também uma nota do Caprichoso que apresentou queixa à Polícia sobre possível sabotagem em uma de suas alegorias, na Concentração, mas sem apontar nomes.

 

Julgadores condenam o “black face”

A única bola fora do Festival foi apontada por Maurício Tadeu, presidente da Comissão de Julgadores. Falando em nome de seus companheiros, enalteceu tudo o que aconteceu na arena nos três dias de espetáculos, mas chamou a atenção para um problema que vem se repetindo nos últimos anos na arena: a prática do black face.

São artistas brancos que se pintam de preto para interpretarem personagens negros, como o Pai Francisco e a Catirina, figuras folclóricas da tradição. Esta prática – comum no teatro norte-americano na década de 50 – acaba ofuscando tantas defesas a componentes da identidade nacional, entre elas a da miscigenação.

Torçamos para que tenha sido a última vez do “black face” e, a partir do ano que vem, atores negros assumam os papeis de personagens negros – luta que Abdias Nascimento e Ruth de Souza começaram a empreender nos palcos brasileiros, também na década de 50.

 

Nossos agradecimentos às equipes de Comunicação do Garantido, comandada por Márcio Costa, e do Caprichoso, liderada por Carlos Alexandre, pela cobertura dos três dias do Festival; e ao carnavalesco Cahê Rodrigues, integrante da Comissão de Carnaval da União da Ilha do Governador, que nos enviou informações sobre curiosidades da Ilha do Boi. Na foto, Cahê aparece ao lado de David Assayag, levantador de toadas do Caprichoso.

 

 

 

materia original em https://brasilfestasefolias.com.br/a-caprichosa-vitoria-do-garantido/

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